sábado, 17 de novembro de 2012

BISTURI - Rejane K. Arruda


A atriz Irma Alvarez para além “das certinhas do Lalau”

Rejane Kasting Arruda


Irma Alvarez, atriz radicada no Brasil (nasceu na Argentina), faleceu com 73 anos em 2007. Viveu no Rio de Janeiro e atuou no Teatro de Revista de Walter Pinto. Foi vedete de Carlos Machado até o final dos 50 quando começou a atuar no cinema. Primeira atriz a protagonizar uma fotonovela brasileira, Irma assumia uma atitude libertária nos tempos onde desfilar de biquine no Copacabana Palace causava realmente furor – assim como raspar a cabeça para um filme (“Cavalo de Oxumé”, filme inconcluso de Ruy Guerra). De certa forma, ela gozava do glamour e uma das referências recorrentes é que figurou na lista “As certinhas do Lalau” – com a qual o escritor Sérgio Porto circunscrevia os padrões de beleza.

Mas o que me espanta é que não se encontra estudo algum sobre o seu estilo de atuação. Se o primeiro filme foi “Brasiliana” (Carlos Machado, 1957) e, ainda, se atuou na comédia "Massagista de Madame" (Victor Lima, 1959) foi o filme “Porto das Caixas” (Paulo Cesar Saraceni, 1962) que lhe rendeu prêmios e abriu o caminho para uma carreira interessante – com cerca de 30 filmes, passando pelas chanchadas, pelo Cinema Novo e o Marginal[1].

O que quero apontar é a perspectivas de uma atriz passar por várias poéticas e dentre tantas possibilidades construir um trabalho no cinema, deixando um legado que é mais do que a memória de sua beleza ou carisma. Afinal o que é o “trabalho” de uma atriz? Que tipo de elaboração ela está construindo quando se vê parada, com os olhos fixos, sustentando o tempo em um plano, com a pele ouriçada e os olhos em fogo antes de repetir “Não sou de ninguém” – como podemos ver Irma em “Porto das Caixas”? Um trabalho que causou polêmica não porque Irma estava de biquine ou raspou os cabelos. Mas pelo impacto de uma poética fílmica que encontra lugar inclusive no discurso crítico – trabalhado a partir das questões políticas que permeavam aquela época.

Quando vi a atuação de Irma em “Porto das Caixas” o que saltou aos olhos foi a estaticidade, capacidade de sustentar o tempo e soltar uma fala monocórdica – registro de atuação profundamente implicado na atmosfera das cenas. O jeito tranquilo de caminhar, a maneira cortante de fixar o olhar, o desprezo aos personagens masculinos e a repetição da demanda de um cúmplice para o assassinato do marido. Sem ênfase, exagero, sem tintas fortes, aquilo cai no vácuo e evoca a densidade. Sem o pudor do artificial, na contra mão do realismo, Irma figura, de certa forma, a construção do que Craig preconizava para as peças simbolistas de Maeterlinck onde o desenho estático construía o efeito da ambiguidade.

Trata-se de coincidência com materiais de um projeto simbolista defendido pelo principal opositor de Stanislavski? Será preciso encontrar as veredas para a sustentação desta hipótese, descobrir se é a questão da época que, por reverberar certas oposições e cruzamentos, permite, a posteriori, esta articulação, ou se, por exemplo, há influência do existencialismo na obra de Saraceni com certa demanda sobre os atores. Enfim, será preciso pesquisar o fato de principalmente Irma (porque a atuação de Reginaldo Faria, por exemplo, está mais para a formalização naturalista) implicar a força de um projeto de atuação que se nomeou simbolista não por tratar-se de uma espécie de simbólica (do tipo “isto quer dizer aquilo”), mas pelo objetivo de suscitar algo que se sobrepõe a realidade (é espiritual) aos moldes de um drama estático de Pessoa. As entrelinhas, ambíguas, introduzidas na “carne cênica” (ou no caso de “Porto das Caixas”, na “carne fílmica”), como furúnculos, forçando-nos a encarar a perspectiva de uma morte enunciada.






[1]O cinema marginal tanto podia estar nos filmes eróticos da Boca do Lixo (SP), como nas propostas estéticas de Ozualdo Candeias (A margem, 1967, Zezero, 1972); de Rogério Sganzerla (O bandido da Luz Vermelha, 1968, A mulher de todos, 1969), e Júlio Bressane (O anjo nasceu, 1969, Matou a família e foi ao cinema, 1969); nos projetos tropica­listas de Fernando Coni Campos (Viagem ao fim do mundo, 1968) e de Iberê Cavalcanti (A virgem prometida, 1967, Um sonho de vampiros, 1969); nas fitas de terror de Mojica Marins (À meia-noite levarei tua alma, 1964); e na metáfora política de Luiz Rozemberg (Jardim de espumas, 1970) e de Olney São Paulo (Manhã cinzenta, 1969)” (JOSÉ, Ângela. Cinema marginal, a estética do grotesco e a globalização da miséria. ALCEU - v.8 - n.15 - p. 155 a 163 - jul./dez. 2007). Irma Alvzrez participou dos filmes de Iberê Cavalcanti.