terça-feira, 1 de agosto de 2017

Os Trapalhões: Del Rangel


Del Rangel
Produtor executivo e diretor


Sua estreia no cinema foi com os Trapalhões, em 1980, no filme Os Três Mosquiteiros Trapalhões. Como surgiu o convite para trabalhar com eles?
Iniciei minha carreira artística no cinema. Quando a Embrafilme foi fechada pelo presidente Fernando Collor, o mercado cinematográfico ruiu; e eu fui trabalhar na Rede Globo. Eu sou sobrinho do Renato Aragão. Minha entrada no cinema foi um completo acidente de percurso. Eu morava com o Renato e estudava na Universidade Católica de Petrópolis. Fazia o curso de Engenharia Mecânica. No meu último ano, vinha descendo com o Renato no elevador; e ele me falou que estava abrindo uma produtora de cinema. Queria produzir os próprios filmes. E como precisava de um sócio, os filhos ainda eram menores e ele não queria um estranho, ele me colocaria. Eu concordei e continuei o meu curso de Engenharia. Um fim de semana, ele me disse que produziria o seu primeiro filme, O Cinderelo Trapalhão, e que eu seria o produtor executivo. Eu ponderei que não sabia nada de cinema. Ele falou: “Se vira. Eu tenho muito trabalho na Globo não posso tocar os dois negócios.” E assim foi.

Adriano Stuart, que dirigiu esse filme, possuía uma relação muito forte com o quarteto. Que você lembra dele?
O Adriano era um diretor que tinha uma ligação muito forte com eles porque tinha uma formação circense. Nos ensaios antes de as cenas serem rodadas, gags eram criadas pelo Adriano, o Dedé e o Renato, a partir da marcação dos atores. Ele era um diretor muito criativo e conseguia marcar situações hilárias. Tinha o controle da equipe na mão, fazia piada com todos, tinha o respeito do quarteto. Trabalharam juntos durante muito tempo na tevê e no cinema. O Adriano era um diretor que cumpria à risca os horários e cronogramas de produção, na época feitos pelo Hélio Ribeiro. Ele e o Renato adoravam jogar futebol, a ponto de toda filmagem acabar, impreterivelmente, às 16h30 para a equipe jogar futebol. Tinha que ter uma quadra por perto de qualquer locação para o futebol.

É verdade que a casa onde se passa parte da trama do filme se localiza na cidade de Teresópolis, no Rio de Janeiro, e pertencia ao Renato Aragão, que posteriormente venderia a propriedade para a Confederação Brasileira de Futebol?
Quando filmamos Os Mosquiteiros, a casa de Teresópolis ainda pertencia ao famoso playboy Jorginho Guinle e estava à venda. O Renato se apaixonou pela propriedade e comprou-a. Reformou tudo, deixou impecáveis a casa, os jardins, os pomares, os lagos e as dependências de lazer. E lógico, fanático por futebol, construiu um campo de grama.

Uma especulação a respeito do filme diz que as cenas de perseguição de barco no Rio Guaíba era uma citação aos filmes do agente secreto 007. Isso procede?
Sim. Inclusive, filmamos no mesmo local e com a mesma equipe do 007. Para o Renato nada era impossível. Ele sentia o cheiro do sucesso. Ele tinha uma habilidade enorme para perceber a tendência do mercado cinematográfico. Ele assistia aos sucessos internacionais e escrevia uma sinopse a partir de uma ideia original.

O roteiro é assinado por Renato Aragão e Victor Lustosa. Victor esteve desde o início com Os Trapalhões no cinema. Que tem a falar a respeito dele?
O Vitinho era assistente de direção do J. B. Tanko. Um profissional muito dedicado e competente. É roteirista também. Era de vital importância na rotina do set de filmagem. Os diretores sempre delegavam a ele as decisões técnicas que envolviam luz, figurino, continuidade… Ele também fazia um excelente trabalho com os atores convidados. Além de ser um excelente ser humano.

Quais são as suas principais recordações de Os Três Mosquiteiros Trapalhões?
Uma loucura de produção. Rio, Manaus, Foz do Iguaçú. Uma logística dificílima. Pouco tempo de filmagem, porque o quarteto gravava os programas semanais na TV Globo. As filmagens eram feitas em “janelas”, de acordo com a quantidade de programas gravados antecipados na emissora. Como o tempo era curto, o material era transportado de avião. Refletores, cabos, câmeras, lentes… Uma loucura! Os embarques e desembarques sempre eram tensos. Mas sempre dava certo.

No mesmo ano, vocês lançam O Incrível Monstro Trapalhão, repetindo a direção com Adriano Stuart e o roteiro de Renato Aragão e Victor Lustosa. Era uma ideia manter a base da produção anterior, para facilitar o entendimento e andamento dos filmes?
O Renato sempre teve uma percepção incrível do público dele. Na minha opinião, ele fazia uma releitura das grandes produções internacionais em alguns dos seus filmes. Mas isso aconteceu em poucos filmes. Ele é um artista extremamente autoral. Um criador inquieto sempre em busca de algo novo e inusitado para manter Os Trapalhões sempre inéditos. Por onde passava, ele fazia anotações, trazia fotos de locações, carros; enfim, o lado criador e inovador dele sempre estava em alerta.

O Incrível Monstro Trapalhão é uma sucessão de paródias: vocês usam as referências dos super-heróis famosos no meio infantojuvenil, como o Superman e o Incrível Hulk e há uma referência também ao clássico O Médico e o Monstro. Essas paródias tinham o intuito, além de aproveitar o sucesso desses clássicos, facilitar o entendimento das crianças?
O Renato sempre foi um cara muito brincalhão. Ele sempre foi engraçado. Ele é muito rápido para analisar uma situação e transformá-la em uma piada ou gag. É assustador. Tudo ele transformava em riso. Esse filme, em particular, tem essa característica. Uma grande sátira de todos os super-heróis do cinema internacional, costurados pelo quarteto.

Nesse filme, você teve a oportunidade de trabalhar com dois atores icônicos: Eduardo Conde e Wilson Grey. Como foi trabalhar com eles?
Dois cavalheiros. O Wilson era um ator consagrado, uma carreira impecável. Uma lenda do cinema. Um ator que viveu o ciclo de ouro dos grandes sucessos da Atlântida. Uma honra trabalhar com esse senhor. O Eduardo estava no início do sucesso, por causa das suas interpretações nas novelas da TV Globo. Um excelente ator.

Quem, na sua opinião, é o maior vilão de todos os tempos nos filmes dos Trapalhões: Eduardo Conde, Carlos Kurt ou Roberto Guilherme?
Sem dúvida, o Carlos Kurt é a cara dos Trapalhões. Aquelas interpretações “over acting” dos personagens interpretados por eles curtiam efeito no público infantil.

Em 1982 é a vez do filme Os Vagabundos Trapalhões. Josip Bogoslaw Tanko, o J. B. Tanko, volta a dirigir um filme dos Trapalhões. Como era trabalhar com ele? Por que J. B. Tanko é pouco falado? Acredita que ele é subestimado por jornalistas, críticos e pesquisadores?
O Tanko foi um dos maiores diretores do cinema brasileiro. Ele era perfeito! O trabalho de câmera dele era virtuoso, tinha um domínio e um conhecimento de fotografia, arte e figurino imenso, e, dirigia os atores como poucos diretores. Um diretor vindo da Vera Cruz, que respirava cinema. O Tanko sempre foi um homem muito solitário e reservado. Muito educado, mas um homem de poucas palavras. Nunca se preocupou em ser vitrine. Era o gênio que orientava os seus pupilos, de maneira discreta, sempre deixando para o quarteto todas as glórias. Ele não tinha a habilidade do Adriano na criação das gags; mas trouxe para Os Trapalhões a alma, a emoção, a reflexão, a tomada de consciência de que se poderia dizer algo mais para o público usando a comédia. O Tanko foi uma evolução na carreira dos Trapalhões. As comédias começaram a ser recheadas de questões sociais.

Os Vagabundos Trapalhões não era um tema muito árido, ainda mais falando de uma questão social tão importante quanto o abandono de crianças, para um filme de férias para as crianças? Não era um risco a aceitação do público diante do tema?
O Tanko trouxe uma grande contribuição para a qualidade dos roteiros dos Trapalhões. O Gilvan Pereira começou a assinar os roteiros. Nessa fase, as sinopses ou ideias vinham do Renato e eram desenvolvidas pelo Gilvan, supervisionadas pela visão do Tanko. Esse sistema mais profissional tem um efeito imediato na tela. A prova disso é o sucesso do filme Os Vagabundos Trapalhões. Não poderia dar errado. O carisma do Renato e a habilidade dele em trafegar no limiar do clichê e da pieguice, mantendo uma autenticidade ímpar. Sem falar que o Dedé, o Mussum e o Zacarias faziam o contraponto da comédia rasgada. Nós tínhamos o Renato, com toda a sua carga cômica e emocional – o nosso Chaplin. O Zacarias, com toda a sua carga cômica embasada na ingenuidade infantil, não era um adulto, era uma criança, o nosso Chaves. O Dedé, para mim, tem uma importância vital no grupo. Sem ele, não existiriam as piadas e as gags. Ele era o ator “escada”, que, através da sua interpretação e das suas falas, proporcionava o desfecho das piadas para os outros três. Além de ser um profundo conhecedor da arte cinematográfica. Sabe tudo de cinema. E, para finalizar tinha o Mussum. Um negro simpático, sempre de bem com a vida, sem maldade, malandro. Os caras atingiam todos os segmentos do público-alvo deles. Eles eram muito bons!

Esse filme foi comercializado para Moçambique e Angola em 1984; e, para o México, em 1988. Mas não era comum vender os filmes dos Trapalhões para fora. Por quê? E por que esse logrou êxito?
Os concorrentes internacionais eram muito fortes. Jerry Lewis, Cantinflas, Disney…

Logo em seguida, vocês lançam Os Trapalhões na Serra Pelada. Em termos de produção/logística, esse foi o filme mais difícil de se fazer?
Moleza. Esse foi só pegar o avião e ficar acampado junto com os garimpeiros. Como não tinha nada em um raio de cem quilômetros, foi moleza produzir. Chegamos a Marabá em avião de carreira e equipe reduzida. Voamos de monomotor até Serra Pelada. Foram várias idas e vindas para levar o equipamento, que também era reduzido. Aconteceu uma curiosidade. Cada avião levava três passageiros mais bagagem. Quando eu cheguei lá, descemos os três passageiros; e, para a nossa surpresa, além da bagagem o piloto transportou, sem a gente saber, mais três garimpeiros na parte de bagagem. O peso era acima do permitido. Eu não tenho ideia de como aqueles caras se acomodaram por lá.

Novamente J. B. Tanko dirigiu o filme. Como era a relação dele com Os Trapalhões? Como era ela como diretor?
A relação com todos era sempre de profundo respeito. Ele falava com um sotaque acentuado. Carregava no “r”. Era iugoslavo. Era um mestre. Ver o Tanko filmar era uma aula.

Os Trapalhões na Serra Pelada continua entre as maiores bilheterias de todos os tempos do cinema nacional. Que foi que fez dele um sucesso?
O tema com certeza, que, na época, era notícia diária nos jornais e televisão. E uma vez mais a simbiose dos Trapalhões com o povo. Eles sempre foram parte do povo. Nesse filme eles representavam a vontade inconsciente de todo brasileiro de vencer, de ter sua situação financeira resolvida. O Renato sempre ambientou os filmes dele em locais que agregavam valor a produção. Ele gastava pouco, e as locações transformavam os filmes em grandes produções.

Quais as suas principais recordações desse filme?
Todo dia, às 18 horas, a gente era devorado pelos mosquitos. Era inacreditável. Uma nuvem preta se aproximava e varria a região. Foi uma experiência única, porque ficamos hospedados em uma vila de garimpeiros. Vivemos como eles, comemos como eles. Não tinha outra maneira de filmar.

As cenas em Serra Pelada mostram claramente o estranhamento e deslumbramento dos garimpeiros diante dos Trapalhões e das câmeras. Eles olham a todo instante para o quarteto. Era difícil criar um ambiente de naturalidade durante as filmagens lá?
A gente chegou em segredo e permanecia no acampamento o mais quieto possível. O quarteto era famosíssimo; e a gente tinha medo de, que se aquela multidão soubesse que eles estavam lá, as filmagens ficariam prejudicadas. O espanto era quando algum dos garimpeiros olhava para o lado e via um dos Trapalhões sujo de lama da cabeça aos pés, carregando um saco de areia como eles. A dúvida era imediata. Será possível: um Trapalhão aqui garimpando? Estou sonhando? A gente posicionava as câmeras o mais distante possível e usava zoom. Os garimpeiros nunca souberam que a gente estava filmando.

Era arriscado filmar lá?
Sim. Porque eles faziam os trajetos dos garimpeiros, subindo e descendo aquelas escadas sem a menor segurança. De vez em quando, caía um saco das costas de um garimpeiro e levava dois ou três que estavam atrás, subindo a escada, para o fundo do buraco. Nós construímos uma pequena cidade cenográfica no Rio de Janeiro, com o acampamento e um morro gigantesco de areia.

Novamente o filme foi comercializado para Moçambique e Angola. Por que esses países tinham interesse nos Trapalhões?
Por causa da venda anterior.

Tentaram vender para outros países? Europa? Estados Unidos?
Eu não me envolvia na comercialização. A gente produzia dois longas por ano. Era muito trabalho.

Os Trapalhões dominavam o circuito comercial das salas de cinema. Quem era páreo para eles? Algum filme nacional ou estrangeiro chegou a ameaçar vocês?
O cinema brasileiro era muito forte nessa época. A Boca do Lixo, em São Paulo, produzia com recursos próprios; o Aníbal Massaíni produzia muito em São Paulo. Os Barretos também produziam muito. O Bruno dirigia filmes primorosos, sempre sucessos de bilheteria. Mas o único que chegou bem perto foi Dona Flor e Seus Dois Maridos.

A ideia de filmar O Cangaceiro Trapalhão era para aproveitar o sucesso da minissérie
Lampião e Maria Bonita, exibida pela TV Globo?
Não. Foi outro salto evolutivo na carreira do grupo. Nessa época. filmar com Os Trapalhões era cult. O filho mais velho do Renato, Paulinho Aragão e eu, influenciamos muito o Aragão para chamar o Daniel Filho para dirigir um filme. E lógico que atrás do Daniel veio um elenco grandioso, uma dupla maravilhosa de roteiristas e uma equipe sensacional. O Daniel sempre se cercou do que existe de melhor. Com isso, nós juntamos dois loucos, o Renato e o Daniel. Os caras piraram e fizeram um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos! O Cangaceiro Trapalhão é impecável!

O fato de contratar Aguinaldo Silva e Doc Comparato, roteiristas da minissérie, assim como o casal de protagonistas, Nelson Xavier e Tânia Alves, era para aproveitar o estrondoso sucesso?
O Daniel e o Aragão têm esse dom em comum. Eles farejam sucesso e o filme veio a reboque da minissérie.

Não tinham receio de comparação, já que essa minissérie foi pioneira na proposta de renovação da linguagem na teledramaturgia da TV Globo? A minissérie foi estruturada com cuidadosa pesquisa histórica, o que não excluiu a inserção de elementos ficcionais na trama.
Em determinados filmes, Os Trapalhões funcionavam como o Casseta e Planeta funcionaria anos depois. O grupo fazia paródias inusitadas dos programas da TV Globo e dos grandes sucessos internacionais. Como eles trabalhavam na Globo, já faziam, na verdade, um cross media inconsciente.

O filme faz citações e referências aos filmes do Indiana Jones? Podemos dizer que a caixa que o cangaceiro Lampião buscava fazia uma referência à Arca da Aliança, assim como a cena que Renato Aragão cai da carroça remete a quando Indiana Jones cai do caminhão nazista na famosa cena de perseguição? Tem fundamento essa analogia?
O Daniel planejou tudo. O filme é feito de inúmeras citações. Todos os envolvidos na criação eram cinéfilos fanáticos liderados pelo Daniel, outro cinéfilo fanático. Fizemos um filme onde a primeira cena é igual, inclusive nos planos, a Meu Ódio Será Sua Herança, do Sam Peckinpah, um dos maiores diretores de Western de todos os tempos. Nós fomos filmar no interior do Ceará em um vilarejo minúsculo chamado Juatama, próximo à cidade de Quixadá, porque o vilarejo tinha uma estação de trem que passava no meio. Foi uma loucura. Destelhamos todas as casas de um dos lados, para montar um travelling que filmaria a chegada do trem. A cena é impecável, filmada em homenagem ao Peckinpah. Tinha referência aos filmes da Esther Williams, com a Bruna Lombardi andando sobre as águas; tinha uma casa que rodava e o cenário ficava de cabeça para baixo… Foi a produção mais cara do grupo; e a mais complicada também, por causa dos efeitos especiais mecânicos e digitais.

O Cangaceiro Trapalhão é, certamente, um dos filmes com mais estrelas em seu elenco. A citar: Regina Duarte, Bruna Lombardi, Tarcísio Meira, Gabriela Duarte, além dos já citados Nelson Xavier e Tânia Alves. Esses atores eram, de certa maneira, para chancelar o cinema dos Trapalhões para um público e crítica mais resistentes aos trabalhos deles?
Os Trapalhões já eram cult. Faltava um nome de peso para avalizar o trabalho deles, dando a importância, qualidade e respeito que eles mereciam. Esse cara foi o Daniel Filho.

Como Daniel Filho conduziu o processo fílmico dessa produção?
O Daniel é genial. O melhor diretor brasileiro de todos os tempos. Ele consegue ser virtuoso, profundo e popular. Ainda não apareceu ninguém com o talento dele! Ele tomava conta de tudo. Nos mínimos detalhes. Um diretor de verdade! Exigente como ninguém. Deixava-me louco.

Até agora, em todos esses filmes que já conversamos, sua função era a de produtor executivo. Como era ser produtor executivo dos Trapalhões?
Uma insanidade. Os caras não tinham tempo para filmar. Eles eram contratados da TV Globo, onde gravavam três dias por semana, faziam shows no fim de semana e ainda queriam folga. O Renato chegava para mim e dizia: “Essa é a sinopse, corre atrás do roteiro, quem vai dirigir é o fulano, as nossas datas são essas.” As datas correspondiam aos dias de filmagem, sem possibilidade de dar nada errado. Eles eram muito ocupados. Trabalhavam muito. Eram uns queridos, mas faziam muita coisa ao mesmo tempo. Organizar toda essa agenda era adrenalina pura.

Quais as atribuições de um produtor executivo no cinema?
Como dizem os americanos, o verdadeiro produtor executivo no cinema mundial é Deus! No Brasil, nem tanto. Essa função lida com o orçamento e com o dinheiro em si. Supervisiona a produção inteira, em todos os detalhes.

Você mudou de função no período mais difícil da história dos Trapalhões. Em 1983, eles se separou e Renato fez O Trapalhão na Arca de Noé. Nessa produção, você assinou o roteiro e a direção. Como foi a experiência?
Aterrorizante! Nós estávamos prontos para iniciar mais uma produção em quinze dias. Tudo normal. No final do dia, o Renato chega na produtora, me chama na sala dele e diz que Os Trapalhões se separaram, que ele vai fazer o filme, que eu dirigiria, que contratasse o Sérgio Mallandro e desse um jeito no roteiro, pois as datas permaneciam as mesmas. Se eu não fosse tão jovem, teria infartado. Eu o considero o pior filme dos Trapalhões!

O Trapalhão na Arca de Noé tinha no elenco Xuxa Meneghel, que estreava com o Renato Aragão, e Sérgio Mallandro, ou seja, dois não-atores. Como é dirigir pessoas que não têm o poder da representação nas telas? Pior do que isso, como é dirigir não-atores sendo você um não-diretor?
Foi um período muito tenso para todos nós, que éramos a família Trapalhões. Ficou um buraco no coração de todo mundo.

O fato de eles dois serem estrelas televisas compensa no filme? Até que ponto eles ajudam ou atrapalham um filme?
Nós fizemos o possível para fazer de O Trapalhão na Arca de Noé um filme, mas não fomos bem-sucedidos. Usamos todos os artifícios possíveis, mas o filme é muito ruim. A crise emocional, a minha completa falta de experiência, o futuro da carreira do Renato sem Dedé, Mussum e Zacarias; o futuro de Dedé, Mussum e Zacarias sem o Renato, relações contratuais com a TV Globo… Enfim, uma grande confusão.

Renato Aragão disse que O Trapalhão na Arca de Noé foi inspirado em Os Caçadores da Arca Perdida, de Steven Spielberg. Procede essa informação?
O Trapalhão na Arca de Noé é um filme feito de retalhos de um roteiro que já existia e no qual cenas novas foram criadas para a entrada de novos atores em locações que já estavam fechadas e não podiam ser trocadas. Quinze dias para fazer tudo!

Durante a separação dos Trapalhões, que durou apenas seis meses, Dedé Santana,
Mussum e Zacarias fizeram, concomitantemente a O Trapalhão na Arca de Noé, o filme Atrapalhando a Suate. Além da competição nas salas de cinema, houve também nos bastidores?
Não procede. Eles não se falavam. Estava todo mundo correndo atrás do futuro e organizando um presente permeado de relações contratuais.

É verídica a história de que Renato Aragão queria fazer de O Trapalhão na Arca de Noé o grande filme da sua carreira, para provar aos três integrantes recém-separados que ele teria condições de seguir sem eles?
Jamais. Isso soa muito vingativo, e isso nenhum deles era. No lado do Renato, a gente estava com um problema na mão, que era filmar em quinze dias um filme que já estava produzido mas não tinha roteiro. E, para Dedé, Mussum e Zacarias, o problema era organizar uma produção sem ninguém ter feito uma. Ou seja, estavam todos muito ocupados para se preocupar com veleidades.

Seu último filme com eles foi Uma Escola Atrapalhada (1990), sob sua direção. Por que esse hiato entre O Trapalhão na Arca de Noé e Uma Escola Atrapalhada?
Fui trabalhar na TV Globo, onde fiquei doze anos.

Quais as suas lembranças do filme Uma Escola Atrapalhada?
Foi uma grande diversão como sempre. O quarteto, o Supla (que é uma figura), a bem-comportada Angélica e todos aqueles garotos... Era uma delícia. Sem falar no Gugu Liberato.

O filme foi o último com a participação de Zacarias, que faleceu naquele ano. A aparição dele no filme é melancólica, muito magro, abatido, numa cena curta. Como foi o seu contato com ele? Ele já estava doente?
Essa parte é bem dolorosa. O Zaca era muito querido, um homem mais reservado, religiosamente profundo. A espera entre uma cena e outra sempre era repleta de alegria e sacanagens mútuas, mas nesse filme o Zacarias já estava muito doente. Ele ficava cabisbaixo, calado, fisicamente acabado. Guardava todas as energias para o famoso “ação!

O personagem de Zacarias, assim como os de Dedé Santana e Mussum, fizeram apenas uma breve aparição. A sensação é que pareciam figurantes no filme. Isso procede?
Eles estavam voltando a trabalhar juntos, e o filme já estava escrito e produzido. Tanto é que a história gira em torno dos jovens alunos.

Você é um dos profissionais que mais tempo trabalhou com Os Trapalhões. Como e por que conseguiu ficar tanto tempo com eles?
Competência, afinidade, respeito, admiração…

Podemos considerar Renato Aragão um dos maiores e melhores produtores de cinema do país?
Eu considero o Renato o único produtor do cinema brasileiro! Ele nunca filmou com dinheiro subsidiado! Todo o investimento era dele! O risco era dele! A única coisa que ele tinha era o adiamento de distribuição, que depois era descontado da parte dele! Ninguém até hoje, 2016, filmou no Brasil com recurso próprio! O Renato sempre filmou! O que o torna o único produtor real do cinema brasileiro!

Renato Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo?
A grande qualidade do Renato era delegar. Ele sempre fez isso muito bem. Ele delegava, mas cobrava. Nada passava de uma etapa para outra sem a aprovação dele.

Quem era o maior comediante do grupo?
O grupo não teria o sucesso que teve, se não tivesse o Dedé Santana como membro. Ele era o ator que proporcionava o desfecho das piadas dos outros membros. Eles eram ótimos. Cada um tinha um estilo. O Renato fazia um humor corporal como ninguém. tinha bordões que fizeram época. O palhaço circense andava de mãos dadas com ele. A emoção chapliniana embalava seu coração! O Mussum era um anarquista! Um humor popular, usando um linguajar característico da favela carioca, um gingado natural do sambista que ele era. Um sorriso estampado no rosto e sempre uma resposta engraçada para qualquer pergunta ou situação. Zacarias era a criança reprimida que mora em cada um de nós e que, através das suas risadas, olhares, vocabulário infantil e alienado, nos enchia de felicidade, fazendo o riso ingênuo desabrochar sem censura ou malícia.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Para a época, genial, corajoso, inovador, debochado, emocionante, em alguns momentos péssimo, comovente, divertido...

Por que os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos
Trapalhões?
Porque eles são frustrados. Gostariam de ser um deles, ou dirigir um dos filmes, ou escrever alguns dos roteiros. Isso é o que atrapalha, até hoje, o cinema brasileiro! Ao contrário da televisão, os produtores e diretores de cinema não fazem filmes para o público, fazem filmes pessoais e autorais, que têm como consequência os fracassos de bilheteria. Nós fazemos uma das melhores televisões do mundo e não conseguimos ter uma indústria cinematográfica autossustentável. Porque a televisão vê o entretenimento como um negócio. Escreve para os nichos e segmentos de mercado em busca de audiência. Molda-se às mudanças econômicas e sociais. O cinema brasileiro não! Os cineastas ainda nem conseguiram ver o cinema como um negócio!

Gostaria que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha presenciado como testemunha ocular.
O Renato inventou de rodar um filme no Marrocos. O Rei e Os Trapalhões. Lá fomos nós, com toda a nossa tralha de avião da Air Marrocos, para Marrakesh. Uma das exigências do governo marroquino era o nosso plano de filmagem. Os locais onde filmaríamos. Preenchemos os documentos solicitados; e, dentre as locações, estava o deserto de Zagora. Para nossa infelicidade, estava tendo uma guerra no local e nós não sabíamos. Assim que chegamos ao aeroporto, o nosso equipamento foi apreendido. Eles achavam que nós éramos jornalistas e iríamos fazer matérias lá. Uma confusão geral. Era época do Ramadã, jejum durante a luz do sol; e os órgãos federais só funcionavam quatro horas por dia. Estávamos quase voltando para o Brasil no dia seguinte. Decidimos ir para o hotel e tomar uma decisão lá. No momento do embarque para o ônibus, eu, que estava responsável pela produção e pela negociação com as autoridades marroquinas, dirigi- me à sala da Alfândega e pedi a eles para retirar a caixa de negativos. Se as latas não fossem acondicionadas em geladeira, perderíamos tudo. Para nossa sorte, o oficial entendeu e autorizou-me a retirar a caixa. Eu entrei sozinho na sala, ninguém me acompanhava. Olhei para os lados e, já que estava lá, peguei a mala da câmera de zoom, que vinha com duas baterias e carregada, e fui embora. Resultado: filmamos tudo, só com uma câmera. A gente alugava ônibus para fazer passeios turísticos; mas, na verdade, saíamos para filmar. Foi bem divertido!