Walter
Carvalho
Diretor de fotografia
Sua
trajetória no cinema dos Trapalhões
iniciou-se justamente com o filme mais elogiado
do quarteto: Os Trapalhões no Auto da
Compadecida. Renato Aragão afirmou que fez esse
filme para agradar a crítica especializada, que sempre batia muito forte nele.
Foi realmente com essa intenção que vocês produziram esse filme?
Tenho
a impressão de que também foi por conta de Os
Trapalhões trabalharem como atores, ou seja,
interpretando personagens. Ou seja, não eram não só comediantes interpretando a
si próprios.
Em
Os Trapalhões no Auto da
Compadecida, Renato Aragão é João Grilo, Dedé é
Chicó, Mussum é Jesus e Zacarias é o padeiro da peça de Ariano Suassuna. Personagens
bem definidos. Eles tiveram que decorar os diálogos da peça, tarefa não tão
rigorosa nos filmes anteriores, quando os textos eram improvisados a partir das
ações e dentro das características de cada um.
O
Roberto Farias, um grande diretor, exigia mais nesse sentido. Lembro
perfeitamente da concentração do Dedé Santana, tentando decorar o texto, porque
não estava habituado àquele ritmo de trabalho. Quanto à afirmação de que “foi para agradar a crítica”,
já não posso afirmar. Renato nunca comentou isso comigo.
Ariano
Suassuna afirmou, certa vez, que esse filme foi o melhor trabalho que fizeram em
relação à sua obra. Recorda-se disso?
Sim,
recordo-me muito bem. Um tempo depois que fotografei o filme, estive com Ariano
em sua casa no Recife, onde sempre o visitava. Ele afirmou orgulhoso o quanto
havia gostado do filme. E também Roberto Farias me relatou o encontro dele com
o mestre paraibano, quando viram o filme juntos em Recife. Ariano Suassuna se
emocionou na sala de projeção, chegando às lágrimas.
Como
surgiu o convite para trabalhar com Os
Trapalhões?
Eu
já havia trabalhado com o Roberto Farias, fazendo televisão no projeto Quarta Nobre, da TV
Globo. Fui fotógrafo nesse projeto. Fiz também a fotografia da minissérie A Máfia no Brasil, que foi
dirigida pelo Roberto. E fotografei o filme Com
Licença, Eu Vou à Luta, dirigido por Lui
Farias e produzido pelo próprio Roberto. Portanto, éramos amigos e já havíamos
trabalhado juntos. Digamos, já éramos parceiros.
Antes
de iniciar essa parceria profissional com Os Trapalhões, você
já acompanhava os seus filmes?
Sim.
Assistia ao programa dos Trapalhões na
televisão, aos domingos. Era um programa certo para as crianças e para os
adultos também.
Os Trapalhões no Auto da Compadecida foi
filmado onde?
A
produtora R. F. Farias construiu uma cidade cenográfica no Recreio dos
Bandeirantes, no Rio de Janeiro. Um projeto fantástico do grande cenógrafo
Mário Monteiro. Uma cópia fiel da cidade de Taperoá, no sertão paraibano, onde
nasceu Ariano Suassuna. Filmamos também em Maricá, estado do Rio. Aproveitamos as
estradas de terra da região e a vegetação árida como se fosse no sertão de
Ariano Suassuna.
Quais
as suas recordações dos bastidores desse filme?
Muitas.
Essa resposta tomaria toda a entrevista. Conviver com Os Trapalhões foi uma
maravilha e um aprendizado inesquecível. Sem falar do elenco fantástico de grandes profissionais do cinema.
Renato Aragão, nos intervalos de filmagem, estava
sempre fazendo alguma brincadeira com a equipe. O divertimento no set de filmagem era
inevitável. Muitas vezes interrompíamos a cena, porque o riso sem controle tomava conta de todos nós.
Acho que momentos como esses impregnam o
resultado final de um filme.
O
elenco contava com atores de primeiro nível, entre os quais Raul Cortez, José Dumont,
Renato Consorte. A escalação do elenco partiu do Roberto Farias ou dos Trapalhões?
Do
Roberto Farias e imagino que tenha tido a participação do Renato. Acho fantástica
a ideia do Mussum interpretar Jesus nas cenas do julgamento. Sem falar que
Renato Aragão no papel de João Grilo está brilhante. Muitas vezes, com o olho
na câmera, eu ficava na dúvida, sem saber onde começava João Grilo e onde
terminava Renato Aragão. Um feito para o outro, e ninguém mais poderia
interpretar tão bem o humor nordestino em que Ariano foi mestre imbatível. Importante:
acho que aqui deveríamos acrescentar os nomes de Cláudia Jimenez (a mulher do
padeiro) e Betty Goffman como a Compadecida.
Apesar
do sucesso, foi o único filme com direção do Roberto Farias. Quais as razões
disso?
Se
não me falha a memória, foi o Roberto que teve a ideia de filmar a peça de Ariano
Suassuna e chamar Os Trapalhões para
fazer os papéis principais. Seria melhor ouvi-lo sobre isso. Foi uma junção das
duas produtoras, a R. F. Farias (do Roberto) com a R. A. (do Renato Aragão),
para o filme dos Trapalhões daquele
ano. Acredito que essa produção dirigida por Roberto Farias saiu completamente fora
do modelo ao qual o grupo dos Trapalhões
estava acostumado.
Após
esse trabalho, você ainda trabalhou nos filmes O Mistério de Robin Hood,
Uma Escola Atrapalhada e
Os Trapalhões e a Árvore da Juventude.
Sim,
uma grande experiência com Del Rangel e depois com José Alvarenga, que dirigiu
dois filmes com minha fotografia. Lembro perfeitamente o quanto pude experimentar
juntamente com esses diretores, que traziam na sua essência a preocupação com a
criatividade.
Uma Escola Atrapalhada foi
o último filme com a participação de Zacarias, que faleceu naquele ano. A
aparição dele no filme é melancólica, muito magro, abatido, numa cena curta.
Como foi o seu contato com ele? Ele já estava doente?
Sim,
já estava. Comovente. Era um ser humano raro. De todos eles o Zacarias era o
mais calmo e compenetrado. Estava sempre atento, para interpretar suas
peripécias.
Ele
foi poupado nas gravações?
Nesse
filme Os Trapalhões não
eram os principais. Tinha um elenco fantástico (foi o primeiro filme de muitos
atores, inclusive do Selton Mello). Os
Trapalhões faziam uma participação, enquanto os
papéis principais eram interpretados por um elenco surpreendente. Tinha a
Angélica, Supla em sua estreia como ator. O fantástico é que tinha um grupo do
Tablado (escolhido pelo Del Rangel), composto só de jovens que fariam sucesso
no futuro. Destaco a participação do extraordinário Selton Mello, um garoto que
estava sempre no set,
mesmo não sendo escalado para o dia. Ele já trazia com ele a força do ator que
hoje é reconhecido pelo talento e sua capacidade de inventar caminhos para os
personagens que interpreta. Eu mal podia imaginar que poucos anos depois iria
me encontrar com Selton num dos trabalhos mais arrebatadores do nosso cinema: Lavoura Arcaica. E também
nunca poderia imaginar que seria o fotógrafo de um filme dirigido por ele: O Filme da Minha Vida, que
acabamos de realizar e ainda está em fase de montagem. São os encontros (para
sempre) que a vida nos prepara.
Como
era o seu contato com o quarteto (Didi, Dedé, Mussum e Zacarias)?
Inesquecível.
Durante as filmagens, eles trabalhavam da mesma maneira que brincavam. São
muitas histórias...
Que
representava, naquele período, trabalhar num filme dos Trapalhões, que eram
certeza de sucesso de bilheteria?
Todo
filme para mim é como se fosse único. Estou sempre iniciando uma experiência nova
a cada filme. Filmar com Os Trapalhões aumentava
minha responsabilidade, sabendo do sucesso deles no cinema e na televisão.
Todos os dias, durante as filmagens, eu pensava no fato de estar fazendo um
filme que tinha pela frente a certeza do sucesso de público. E minha
responsabilidade só aumentava. O desafio me colocava em constante estado de
descobertas e criatividade.
Quem
era o maior comediante do grupo?
A
química era dos quatro juntos. Houve uma separação numa época. Mas não durou
muito, logo se juntaram novamente. Um completava o outro. Um fenômeno da
comunicação... que só acontecia com a química dos quatro juntos.
Renato
Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo?
Verdade.
Cuidadoso, preocupado, participa de todo o processo. Renato está sempre atento.
Possui uma experiência muito bem vivida (ela nasceu com ele, muito antes da
formação do grupo). Tem espírito de liderança e uma visão apurada de quem faz
comunicação na televisão e no cinema.
Por
que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados
pelos Trapalhões?
Não
tenho conhecimento dessa rejeição explícita. Recordo-me das chanchadas, que se
tornaram cult. A
Chanchada é apenas um exemplo de obras que receberam muitas críticas na época
em que foram produzidas e que, com o decorrer dos anos, acabaram merecendo o
reconhecimento. A história está repleta de casos assim.
Como
classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Um
cinema para divertir crianças e adultos, sem perder a graça e, sobretudo, o sentido
humano. Como Chaplin, como Buster Keaton. Como João Grilo e Chicó. É impossível
escrever a história do cinema e da televisão brasileiros, sem mencionar o
fenômeno da comunicação conhecido como Os
Trapalhões.
Gostaria
que falasse: que representou para você trabalhar com Os Trapalhões?
Um
aprendizado. Tive um belo momento de experimentação e guardo com muito carinho
tudo aquilo que levei comigo.