Gustavo
Machado
Quadrinhista
Você
desenhou os quadrinhos dos Trapalhões,
quando eles foram para a Editora Abril. Como surgiu o convite para trabalhar
com Os Trapalhões?
Dois
amigos meus, também desenhistas, estavam colaborando para o gibi dos Trapalhões, logo no
início de sua publicação, em 1988. Eu estava afastado dos quadrinhos há uns
cinco anos, período em que me dediquei aos desenhos animados. O setor de
quadrinhos nacionais da Editora Abril Jovem estava procurando novos
colaboradores. E foi uma boa oportunidade de voltar aos quadrinhos na linha infanto-juvenil.
E eu já tinha experiência em quadrinhos infanto-juvenis. Alguns meses após
desenhar como freelance,
fui efetivado na empresa. Trabalhei
na editora de 1988 a 1997, desenhando também outros títulos, como Gugu em Quadrinhos, Sérgio Mallandro, Zé Carioca e
outros personagens da Disney, como o Corcunda de Notre Dame, Hércules, Mulan e
Tarzan.
Você
acompanhava o quarteto, seja no cinema e/ou na televisão, antes de trabalhar nas
histórias em quadrinhos?
Quem
viveu nos anos 1970 não pôde ficar imune a esse quarteto, principalmente a
partir da contratação deles pela Rede Globo, em 1977. Eu era adolescente e assistia
aos programas nos domingos na TV Globo, antes do Fantástico, mas não
assiduamente; e não acompanhava seus filmes no cinema.
Quais
as suas principais recordações dos bastidores de trabalho com Os Trapalhões neste
período?
A
revista em quadrinhos dos Trapalhões reuniu
uma equipe de profissionais de primeira linha. Roteiristas, desenhistas,
arte-finalistas, enfim, um pessoal que já era veterano na própria Editora
Abril, como até alguns egressos dos estúdios de Mauricio de Souza e Ely
Barbosa. Além de uma nova geração talentosa que surgia naquele final dos anos
1980. O
ambiente de trabalho era muito bom, e a troca de experiências com os demais amigos
quadrinhistas influenciou muito na minha carreira.
Renato
Aragão, Dedé, Mussum e Zacarias o deixavam à vontade para desenhálos ou havia
algum tipo de acompanhamento ou pedido especial para “caprichar” nas
imagens?
Quem
tinha os direitos de uso de imagem dos Trapalhões
para os quadrinhos nessa época era o
César Sandoval, artista e produtor que, inclusive, começou sua carreira dentro
da Editora Abril, no setor de quadrinhos. Cheguei a trabalhar muito com o César
antes, fazendo desenhos animados para o seu estúdio de animação, a Sketch
Filmes. César criou as figuras mirins dos Trapalhões
– assim como as de Sérgio Mallandro e
Turma do Arrepio – e cedeu os direitos de produção e publicação de quadrinhos
para a Abril Jovem. Nem ele, ou mesmo Os
Trapalhões,
jamais interferiram em nosso trabalho.
Os
gibis dos Trapalhões eram
um sucesso de vendas. Como isso afetou sua carreira?
As
revistas dos Trapalhões da
Abril Jovem no seu auge vendiam mais de cem mil exemplares por edição. Um
sucesso absoluto. Considero que um dos fatores mais importantes para nós, os
profissionais que produzíamos os gibis, foi a oportunidade – naquela época uma
coisa rara – de termos nossos nomes estampados nos créditos de todas as
histórias em quadrinhos. Isso foi uma imposição do nosso chefe, Primaggio Mantovi,
atendendo a uma antiga reivindicação dos profissionais da área, que, na maioria
das publicações da Abril e de outras editoras, trabalhavam anonimamente, com
seus nomes constando apenas nos expedientes de praxe. Com isso, não só
começamos a ser reconhecidos na nossa área, como pelos próprios leitores, que
nos escreviam muitas cartas com elogios e sugestões... e até eventuais
críticas. Isso fez com que, pela primeira vez, nós, profissionais de quadrinhos
de estúdio começássemos, inclusive, a disputar e ganhar prêmios e troféus,
antes conferidos apenas para trabalhos autorais em quadrinhos.
Por
que, após alguns anos, os quadrinhos pararam de ser produzidos?
Os
quadrinhos, de um modo geral, tiveram um grande declínio a partir dos anos 1990.
Alguns culpam os games, os
computadores domésticos e a própria internet,
todos em crescimento de vendas a partir daquele período. Sobraram apenas os títulos
mais antigos (da Disney e do Mauricio de Sousa) e com público cativo.
Acredita
que, se produzissem hoje, as histórias fariam sucesso?
Acredito
que não. Não apenas porque os quadrinhos de banca “saíram de moda”, vendendo
muito menos do que décadas atrás (no seu auge, o gibi do Tio Patinhas vendia mais de quinhentos mil
exemplares por edição), como pelo fato dos
Trapalhões já
não estarem atuando na mídia.
Como
era o seu contato com o quarteto (Didi, Dedé, Mussum e Zacarias)?
Não
conheci nenhum dos quatro pessoalmente. Apenas o César Sandoval devia ter
contato com eles, já que negociava a marca, não apenas para os gibis como para
muitos outros produtos, como brinquedos, vestuário infantil, produtos
alimentícios etc.
Em
sua opinião, quem era o maior comediante do grupo?
Além
do Didi, incontestavelmente um dos grandes comediantes do Brasil, tinha um
apreço especial pelo Zacarias, com seu humor ingênuo e leve.
Os Trapalhões no Rabo do Cometa,
parceria do quarteto com o Mauricio de Sousa, marcou uma ruptura no cinema
popular dos Trapalhões.
Essa parceria aconteceu nos anos 1980 e foi a primeira a apresentar os quatro
em formato de desenho animado, numa época em que a animação nacional ainda
engatinhava. Você assistiu a esse filme? Se sim, que achou?
Infelizmente,
não assisti ao filme, apenas alguns trechos. Mas sei que foi produzido em 1986,
ainda seguindo o estilo dos Trapalhões do
gibi editado pela Bloch, em que eles são adultos. Diferente da versão que
desenhei e que foi lançada em 1988.
Não
existiu a possibilidade de você e Os
Trapalhões realizarem outro filme de Animação à
época do seu trabalho nos quadrinhos?
Quando
desenhava Os Trapalhões na
Editora Abril Jovem, não tínhamos qualquer vínculo com a área de Animação. Mas
o César Sandoval produziu várias animações deles na versão mirim, tanto para comerciais
quanto para a abertura dos filmes de cinema.
Por
que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados
pelos Trapalhões?
Penso
que, principalmente, pelo apelo popular próprio do quarteto, assim como o era anteriormente
o humor de Oscarito e de Mazzaropi no cinema, e tantos outros na televisão.
Pessoalmente, no humor brasileiro sempre fui fã de Jô Soares, José Vasconcellos
e Ronald Golias. Quanto aos estrangeiros, sou fã do Charles Chaplin, Jerry Lewis,
Woody Allen e Monty Python.
Como
classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Como
disse anteriormente, um humor de apelo popular, pastelão e circense.
Qual
o legado histórico que o cinema Os
Trapalhões deixou para o país?
A
regularidade na produção e lançamento dos longas-metragens durante muitos anos
foi uma grande contribuição e incentivo para o cinema nacional, tanto pelos recordes
sucessivos de bilheteria como pelo mercado de trabalho para os profissionais da
área.
Gostaria
que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha
presenciado como testemunha ocular.
Produzimos
o gibi dos Trapalhões na
Editora Abril Jovem durante seis anos e nunca tínhamos tido um aval do
quarteto, sequer algum comentário. Em 1992, houve uma exposição na Gibiteca de
Curitiba, onde apresentamos os originais de um álbum de luxo feito um ano antes
e ganhador de sete prêmios em várias categorias, inclusive de melhor desenho.
Era a “grafic Trapa”
Didi Volta para o
Futuro,
uma sátira em quadrinhos da trilogia do cinema De Volta para o Futuro. Para
nossa surpresa, Os Trapalhões enviaram
sua produtora (cujo nome, infelizmente, não lembro) para prestigiar o evento. E,
numa conversa particular, ela nos contou que Os
Trapalhões adoravam ler nossos gibis, mesmo nos
intervalos das gravações. Enfim, o aval esperado!