Professora. É integrante
do “Balangandança Cia.”, companhia de dança contemporânea para crianças.
O que
te faz aceitar participar de produções em curta-metragem?
Depende de alguns fatores.
Primeiramente preciso estar disponível nas datas previstas e curtir a proposta.
Confesso que gosto de produções que apontem alguma causa, mas sem ser
“chatonildo” no tom. Assuntos relacionados às questões ambientais, sociais e
culturais me interessam. Um humor cai bem, mas não sou cômica nem dramática.
Geralmente quem me chama é porque me conhece e imagina como vou pontuar as
ações.
Se sentir algum elo que me dê a
faísca interna, uma espécie de empatia por alguma característica da personagem
e/ou da história, já é meio caminho andado. Isto porque minha formação
profissional acadêmica provém das artes corporais e não das artes cênicas, logo
se a princípio eu não me identificar e precisar dedicar tempo extra em
laboratórios para construir a cena, tendo a recuar. Meu embasamento para
trabalhar atuando é mais intuitivo do que técnico, logo uso o bom senso para
decidir se realmente sou eu quem devo me apropriar do papel.
A confiança nos profissionais
envolvidos também é fator determinante, principalmente no que diz respeito aos
“cabeça de chave”: Roteirista, Diretor e Fotógrafo. O cachê nunca foi um fator
determinante, pois os orçamentos são sempre pequenos e encaro minha
participação em jobs assim como um aprendizado. Não é minha fonte de renda.
Conte sobre a sua
experiência em trabalhar em produções em curta-metragem.
Pensando em quantidade, tenho
pouca experiência, mas os anos que trabalhei em produtoras de publicidade,
ampliaram meu entendimento em produções deste tipo. Faz-se necessário citar a
TVC, dirigida pelo Dodi (Dorian Taterka) que foi uma verdadeira escola para
gerações. O primeiro trabalho que “apareci na tela” foi na campanha do Mc Donald’s
na Russia, intitulado “Bandeira Vermelha” quando teve a histórica queda do muro
de Berlim em 1989. Em 1993, quando me formei na Unicamp, queria morar com meu
namorado (com quem estou até hoje) e precisava de um salário fixo. Recebi um
convite para trabalhar no casting desta produtora. Não gostei pois parecia que
tinha que julgar pessoas como material. Purismos de adolescência. Passei
rapidamente pela produção e acabei me estabelecendo no departamento de
finalização até 1996. Tive a oportunidade de acompanhar peças publicitárias que
se tornaram clássicas desde a sua concepção até as tiragens de cópias. Na
pré-produção, pesquisava e editava em U-Matic, referências para luz, cenário,
figurino e casting, enfim, cenas que tinham haver com o briefing. Nas filmagens
fui boom-men, operadora de vídeo assist, “4º” assistente de direção. Na pós,
acompanhava o Wilson e o Tamis no telecine e depois, Lucio Matos na moviola.
Apesar da minha hipermetropia e astigmatismo, era ótima em detectar drop frame.
Toda esta vivência, faz parte da minha experiência com filmes.
Porém percebi que quando estava
envolvida com a produção, não conseguia atuar bem. Fazia os testes de VT, mas
não era aprovada. O olhar muito crítico, me fazia perder o foco e a
credibilidade na interpretação. Quando decidi voltar a dançar, consegui voltar
a interpretar.
Acredito, no entanto, que quanto
mais situado o ator está no set, sua contribuição agiliza as filmagens, onde,
por mais que os diretores se esforcem para assegurar um ambiente leve e tranquilo,
há sempre uma tensão no ar. É como um aeroporto: maquiagens e aquela sensação
de clareza no ar camuflam o monitoramento militar e um estado de constante
alerta eminente. No set isto pode se dar pelo tempo da locação, pela
instabilidade de luz em externas, pela equipe dos maquinistas que acorda muito
cedo e deve estar bem afinada durante toda diária, pela quantidade de material
disponível para rodar (houve um tempo que se filmava em película e negativo não
tinha back up nem era barato) e questões decorrentes de problemas de
comunicação ou entendimento de alguma consignia, enfim, uma série de pequenos
detalhes que podem vir a comprometer a fluência deste tipo de trabalho em
equipe.
Agora, falando especificamente da
minha experiência com curtas, tive o prazer de trabalhar em roteiros escritos
por José Roberto Torero e dirigidos pela Dainara
Toffoli, como no Documentário sobre a vida do sanitarista “Oswaldo Cruz”, 1997 que faz
parte da série de DVDs Encontros do Itaú Cultural sobre artistas e outras
personalidades da história do Brasil e
na série “Somos 1 só”, Sesc TV em 2011, que abordou as relações do homem com o
meio ambiente.
Outro
trabalho: “Retrovisor” foi um curta escrito e dirigido por Eliane Coster e
fotografado por Jay Yamashita. O curta participou de Mostras e Festival no
Brasil e no exterior. Minha atuação foi pequena, mas a inspiração proveio de
fatos reais. Eliane havia feito fotos com carroceiros e uma família específica
foi decisiva para a realização desta obra. Pelo que me lembro, ela contou que a
relação entre pais e filhos chamaram sua atenção devido ao esforço para levar
na escola, alimentar e estimular a autonomia para a sobrevivência. Por coincidência, na mesma época do ensaio
fotográfico saiu a notícia do aumento de 25% no número de menores
trabalhando nas ruas em SP.
De alguma
forma, busco sempre a verdade nos trabalhos que faço.
Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e
atenção da mídia em geral?
Apenas divagando em pensamentos,
penso basicamente que é porque infelizmente não faz parte da nossa cultura.
Será que a herança da retórica lusitana na mistura com os nativos, enraizou de
tal forma que não conseguimos incorporar o formato dos curtas?
Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para
atingir mais público?
Nas escolas onde trabalho, sessões
de curtas permeiam os espaços. As crianças tem contato tanto como suporte para
discussões de temas relacionados as séries, como em momentos de descanso.
Algumas instituições realizam mini mostras regulares como “Curta no Intervalo”.
Quando meus filhos traziam dicas de curtas legais que viram na Escola, eu me
realizava.
Antigamente era obrigatória a
exibição de curtas antes do filme nos cinemas, confere? Me lembro dos primeiros
contatos com este “tipo de filme” ser assim. Me indagava: “- Está começando o
filme ou essa história é outra?”. Quando me via totalmente absorvida, puff,
acabava. As vezes a lembrança do curta ficava mais presente que a do filme
principal.
Hoje temos uma série de tele
mídias em painéis de LED espalhados pela cidade. Deveria passar em locais de
acesso público como em ônibus, no metrô, nos Shoppings, nas filas de espera de
banco e por aí afora.
O curta-metragem para um profissional (seja ele
da atuação, direção ou produção) é o grande campo de liberdade para
experimentação?
Sim, sem dúvida, mas a vida deveria ser
sempre assim. Neste caso, talvez o fato de nas produções de curtas ter-se que
administrar orçamentos mais enxutos em relação as produções comerciais de
publicidade ou de longas, amplia a margem da liberdade para experimentação, que
é, a meu ver, um estado de consciência.
Após ter participado do processo criativo do espetáculo “Dança em
Jogo”, com a Balangandança Cia., onde tudo era improvisado (coreografias,
dramaturgia, momento de trocas de figurinos, textos, músicas, etc) constatei
que só quando nos permitimos estar de corpo e alma em situações assim é que nos
desenvolvemos enquanto seres humanos.
O curta-metragem é um trampolim para fazer um longa?
No geral, isto é o que acontece.
Imagino que ele seja funcionalmente como um “test drive”, uma prévia, um
aquecimento que seleciona quem encara a produção de um longa. Mas prefiro não pensar
nos curtas como um estágio, mas sim como um formato específico. Ele tem o poder
de sintetizar sem perder a profundidade. Se a publicidade é Haikai, o longa é
Novela e o curta-metragem é um conto.
Qual é a receita para vencer no audiovisual brasileiro?
De verdade não me sinto apta a
responder esta pergunta, mas sigo divagando. A gente precisa vencer em tantos
outros quesitos antes… O Brasil ainda não entende a dimensão da importância do
desenvolvimento cultural para o país. Seu alcance, suas consequências…
Suponho que não deve haver uma
receita. Nem os nutricionistas acreditam que fornecer receitas ajudem a
garantir a força do hábito. Quando participei de Congressos Internacionais de
Dança e Educação (Daci_Unesco) na Austrália, Finlândia e Holanda, aprendi
observando a maneira como cada cultura lidava com as circunstâncias favoráveis
e desfavoráveis de seus contextos, mas que era inócuo tentar reproduzir
diretamente as experiências bem sucedidas dos outros lugares para o Brasil.
Mesmo em se tratando de uma Conferência onde algumas dicas e receitas eram
fornecidas, na prática não funcionavam como aplicativos para nossa realidade
nacional.
O mesmo penso para com o
audiovisual. Talvez o caminho a ser trilhado seja agora o de se firmar a
identidade contemporânea brasileira no mundo globalizado e…cultivar. Cultivar o
que é orgânico para si, ou seja, o que te comove e te dá vontade de realizar,
investigar, aperfeiçoar e passar adiante. Em outras palavras, o que se quer
comunicar. Acreditar, confiar e não esmorecer diante dos obstáculos. Cultivar a
liberdade de pensamento que anda junto com a liberdade de ação.
Onde este discurso quase piegas
pode ter haver com o audiovisual brasileiro? No sentido de que sinto a
sociedade cada vez menos humanizada e os meios de comunicação, oprimindo os
comunicadores. Neste caso vencer é se manter íntegro, coerente e saber se
adaptar as demandas, sem sucumbir, sem se perder dos princípios.
Pensa em dirigir um curta futuramente?
Profissionalmente, fiz apenas um vídeo
dança com Kiko Ribeiro intitulado “Pé de Moleque”, sobre a argumentação do
espetáculo de dança contemporânea para crianças “Roda pé” da Balangandança Cia.
A pesquisa do companhia para a montage cênica do espetáculo foi do pé como
gerador de movimento, sua presença nas danças brasileiras de sapateio do Sul e
Sudeste, expressões idiomáticas que envolvem esta parte do corpo (“pé na
tábua”, “pé direito”, “pé de vento”) e a relação entre ambiente urbano e rural.
Para filmar, passamos por uma seleção pós workshop intensivo com a cineasta
canadense Laura Taler. Fomos contemplados no Rumos Dança Itaú Cultural em 2004
e depois com patrocínio da Usina Filmes, Brasília e da Petrobrás, reeditei o
material bruto na Elástica Filmes da Tatiana Toffoli, ganhando assim no título
de “Em outro pé”.
Gostaria de participar de
produções que, assim como esta, abordassem temas que pesquiso nesta companhia.
Dirigida por Geórgia Lengos, uma visionária do universo infantil, o grupo
existe há 16 anos e desenvolve pesquisa na linguagem de dança contemporânea
para crianças, através de uma série de ações: espetáculos, workshops, Fóruns,
palestras, intervenções, blogs, entre outros.
Meu desejo seria relacionar de forma lúdica e artística, abordagens do
desenvolvimento cognitivo em paralelo ao sensório motor da criança, bem como o
recheio da poética dos seus movimentos, mas acho que não gostaria de dirigir.
Amo ser dirigida!
Uma mostra dos meus trabalhos na
rede estão em Entre takes, blog no wordpress: