DESPEDIDA
Oi São Paulo, preciso te dizer uma coisa, estou me mudando, indo
embora. É estou indo embora do Brasil. Estou deixando pra trás uma vida muito
bacana e também muito pouco tranquila que você me deu. Estou cansada de suas
loucuras, sua gente que quer ganhar sempre mais, sua sujeira, sua desumanidade,
sua violência latente, seu pouco caso com a cultura, sua crueldade para
sobreviver, seus preços de primeiro mundo. E aquele blá blá bla que todo mundo
que mora aqui repete e já sabe de cor. Mas olha só, eu não estou com raiva de
você, pelo contrário... Queria te agradecer. Agradeço esse ritmo frenético que você
tem que me fez construir, correr atrás de meus sonhos e querer fazer sempre
mais. Agradeço sua instabilidade em todos os sentidos que me fez ter jogo de cintura
para desapegar e recomeçar sempre. Agradeço seus prédios, sua bagunça, esse eterno
destruir, reformar e construir, onde nada permanece fixo, nada fica pra sempre,
tudo se renova, assim como nossa personalidade... Agradeço essa ideia de que nada é suficiente,
que se pode criar sempre, crescer, inventar (às vezes coisas mirabolantes...). Agradeço
por não ter me deixado nunca num estado confortável, essa comodidade que
transforma a gente em autômato, que faz a gente morrer um pouco em vida... Sim,
você com todos seus problemas força que a gente permaneça vivo o tempo todo...
Não, não estou com raiva de você nem do Brasil. Ok, vocês são complicados,
contraditórios, incompreensíveis, chatos e ás vezes insuportáveis. Mas quem não
é, não é mesmo? Nada que é vivo permanece no mundo da Disney, tipo tudo sempre
alegre e feliz, essa alegria falsa e passageira. Levarei para sempre comigo essa
diversidade de rostos, tribos, raças, opções sexuais, religiosas e de vida. Sua
gente interessante, criativa, boa, simpática, também insensível e fria, rica,
bem humorada, sua pequena classe média, seus excluídos e, como diz Caetano,
essa deselegância discreta. Mas acontece que às vezes, veja se me entende, a
gente muda e precisa partir, precisa descobrir o novo e reencontrar sua gente. Precisa
de calma, de amor e natureza. De um pouco de estabilidade e beleza. Delicadeza.
A gente vai envelhecendo e muita coisa muda. A gente também encontra gente que
faz a gente mudar, querer se transformar. E eu gosto dessa dança. No momento é
isso que faz sentido pra mim. Então, eu gosto de me sentir viva... O que você
me deu está na minha maré interna pra sempre, mas quando a lua muda é preciso transitar
por aí, sentir outros ventos... Acho que você entenderá, na verdade nem sei se
liga muito, tão ocupado sempre... Mas então
eu gostaria de te dizer assim, veja se melhora um pouco, trate bem sua gente, olhe
por ela, porque quando eu voltar pra te ver, matar saudades, gostaria de te ver
renovado (porque cá entre nós você vem se repetindo já há um tempo... está todo
mundo reclamando). Também diga ao Brasil,
minha pátria adotiva, que serei sempre grata por ter acolhido minha família
quando fomos banidos de nossa própria terra. Que o amo imensamente por sua
natureza misteriosamente bela e sua alma verdadeiramente alegre e afável, por todas
as estórias que vivi, as pessoas que conheci, os amores que senti e por ter me
feito esta pessoa que sou hoje... Levo todos os seus santos, orixás, seus
sabores, suas festas e ardores, suas injustiças e esse povo bom. Agora bem, estou
indo. Acho que isso eu peguei um pouco
daqui, essa mania herdada dos portugueses de viajar e estar sempre em movimento.
E de você SP, eu herdei a inquietação e curiosidade constantes. Espero que você
abençoe a minha ida e me deseje o melhor. Você me deu tudo o que sou, tudo o
que procurei, tudo o que experimentei, mesmo que não tenha sido exatamente
fácil. Você sabe, estaremos em contato, mesmo que demore um pouco, porque
grandes amigos de verdade a gente nunca perde, por mais malucos que eles
pareçam e por mais distantes que pareça que eles estejam. Então é isto SP, eu
vou... Fique bem, você estará sempre em meu coração. Tchau. Evoé!
Nathália Lorda é atriz, diretora de Teatro e professora de
Comunicação.