Ator, diretor e dramaturgo. Fez o Curso de Formação
Profissional de Ator da Casa das Artes de Laranjeiras (CAL).
O que te
faz aceitar participar de produções em curta-metragem?
Quando me
convidam ou vou fazer um teste procuro primeiramente entrar em contato com o
roteiro. Acho fundamental que você trabalhe com quem você confia e acredita.
Mas, como venho do teatro geralmente não conheço os artistas envolvidos. Então
minha estratégia é entender se há afinidade através do material escolhido, do
texto mesmo. Costuma ser bastante revelador. Dá pra sentir como o diretor vai
funcionar, o que ele vai querer de você no set. Se eu não me identificar com a
linguagem e a história do roteiro não aceito o trabalho. Por isso, gosto já de
cara das produções que me passam o roteiro para fazer o teste, por exemplo.
Muitas e muitas vezes te deixam saber apenas a sinopse ou a descrição das
personagens. Acho muito louco quando um ator aceita um trabalho assim, sem
entender o que ele vai fazer.
Conte
sobre a sua experiência em trabalhar em produções em curta-metragem.
Todas as experiências que tive foram com pouca verba. Parece que é uma
realidade para a maioria das produções, assim como para muitas peças de teatro
também. É uma pena. Mas, isso nunca foi um empecilho para a qualidade artística
do trabalho. Pelo contrário, essa condição quase artesanal do fazer resgata os
valores autorais e experimentais na criação. Esse sempre se mostra para mim o
maior valor de fazer curtas. Não fiz muitos curtas, se não me engano foram
seis, a maioria com estudantes de cinema. Foram experiências muito distintas do
fazer teatral. No teatro o diretor se preocupa basicamente com você. Ele sabe
falar a sua língua. Depois ele se relaciona com o cenário, com o figurino, com
a luz. Percebo que no cinema - não só no ambiente de curtas - o diretor se
preocupa basicamente com a fotografia, com a direção de arte, com mil pessoas
do set e outras mil questões técnicas, e depois se relaciona com você. Tive
poucas felicidades de encontrar diretores afim de dirigir os atores. Fui uma
vez num evento de curtas-metragens na PUC onde os jovens diretores falavam
sobre seus filmes e os espectadores faziam perguntas. Foram duas horas de
bate-papo sobre tudo, menos sobre como tinha sido o trabalho com os atores.
Para mim, que sou ator, foi estranho. Fiquei assustado ao perceber que todas
aquelas pessoas que estavam se formando, que podem ser a próxima geração de
cineastas, só falavam sobre o aspecto técnico dos filmes. Acho que cada vez
mais o diálogo com o ator tem sido terceirizado na função de um preparador de elenco.
Acho uma pena. Acho que o diretor perde boa parte da subjetividade que ele pode
explorar no seu filme. Gosto de diretores à moda antiga.
Por que
os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Cara, pra
entender isso acho que temos que pensar de um modo mais amplo. Excetuando-se o
que acontece na televisão, de modo geral a cultura tem pouquíssimo espaço na
mídia. Esse não é um problema exclusivo. Qual é o espaço para as artes
plásticas, para os longas de caráter independente, para o teatro? Nesse caso
particular acompanho de perto o esmagamento do espaço reservado para teatro.
Acho que a pouca atenção da mídia deve ser entendida como um problema anterior.
É um problema que tá na raiz. Há pouco interesse pela cultura. Pouquíssimo. A
mídia não é responsável por isso. Ela vai se interessar em mostrar o que as
pessoas quiserem ler. É uma indústria e ponto. O fato é que ninguém quer ler.
Ninguém está muito interessado em saber o que tá acontecendo com a nova leva de
curtas-metragens ou com as peças autorais do momento. Tirando alguns seres
iluminados que frequentam esses espaços de cultura, boa parte do público tem
sido formado pela própria classe. Nos festivais de curtas, muitos estudantes de
cinema e profissionais do ramo. Nos festivais de teatro a mesma coisa. Às vezes
tenho vontade de dizer no fim de uma peça: Quem é do meio teatral aqui levanta
a mão. É triste. Mas, boa parte dos artistas não se dá conta dessa condição. É
preciso que resgatemos a sociedade. Depois a mídia vai aparecer. Pra isso
precisamos primeiramente rever nossa educação básica. Estudei no Colégio Pedro
II, que é até um bom colégio, e lá todas as artes eram aglomeradas numa única
disciplina. A professora era tratada pela própria instituição como alguém menor,
menos importante. As aulas eram quase café-com-leite e você podia faltar à beça
e no final tirar uma nota alta. Ninguém levava à sério. Isso porque ainda é um
colégio que tem essa disciplina, imagina quando não tem. Só fui descobrir as
artes de fato quando comecei a vida adulta. Então, esse problema de espaço e
atenção infelizmente não será resolvido agora. Claro, temos que buscar
aproximar as pessoas adultas que nunca foram a uma sessão de curtas-metragens,
mas, temos que valorizar o quanto antes o ensino e o contato com as artes desde
a infância se quisermos ter uma cultura potente daqui a algumas décadas. Assim,
enquanto do lado da educação nos cabe cobrar mais iniciativas do governo, do
lado artístico podemos pensar em como melhorar a qualidade e potência de nossos
trabalhos.
Na sua
opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Sinceramente
não sei. Teria que estudar melhor essa questão para poder falar sobre ela. A
única coisa que me vem a cabeça sempre que penso nisso é que poderíamos ter
curtas exibidos antes dos longas-metragens. Seria muito bom se fossem formadas
parcerias entre curtas e longas. Os curtas teriam mais força para chegar ao
público. Então, sempre que for exibido determinado filme, é exibido antes
determinado curta. Já vi isso algumas vezes em estreias de longas ou em
festivais, mas seria bonito ver uma parceria assim em cartaz. Mas, não sei
dizer se isso é aplicável ou muito romântico. Claro, isso porque estamos
falando sobre exibições em telas de cinema, o que seria maravilhoso. Não
podemos perder de vista a força da internet. Muitos diretores estão lançando
diretamente seus filmes pelo youtube ou outros sites do gênero. O pessoal do
Porta dos Fundos produz conteúdo de humor com muita qualidade e lança sem
depender de nenhum distribuidor. Eles tem mais visibilidade do que muito filme
que passa pelo cinema e já estão tendo retorno financeiro também. Por conta
desses exemplos, as ideias de todo mundo que conheço relativas a conteúdo
audiovisual estão migrando para a internet. É muito libertador não depender de
ninguém, poder se relacionar com o público de forma direta, e ainda ter
perspectivas de retorno monetário.
O
curta-metragem para um profissional (seja ele da atuação, direção ou produção)
é o grande campo de liberdade para experimentação?
Embora perceba que há muito mérito e atenção no circuito de curtas para
experimentalismos, procuro acreditar que todas as plataformas de se produzir
arte podem ser grandes campos para trabalhos mais autorais. O curta-metragem
não é necessariamente um espaço mais flexível para a experimentação. É tanto
quanto. Depende do que o artista quer fazer. Sei que pode parecer subjetiva a
minha resposta. Mas, a arte de hoje é realmente um lugar sem fronteiras.
Subjetivo à beça. Sem cartilhas pré-definidas. Ou pelo menos com limites mais
expandidos. Para o artista interessado qualquer lugar é o grande campo para
experimentação. O Banksy usa as paredes da cidade para fazer arte. Podemos nos
inspirar nesse tipo de acontecimento para dilatar a visão sobre liberdade e
experimentalismo.
O
curta-metragem é um trampolim para fazer um longa?
Acho que
não. Trampolim é muito forte. Pode até ajudar, mas não é determinante. E se for
um trampolim, acho que não deveria ser tratado como tal. Por que senão voltamos
a tratar os curtas como uma espécie menor de cinematografia. Uma espécie de
passagem para algo maior e mais interessante. Para que os curtas sejam
valorizados é importante que eles não sejam encarados como trampolim para lugar
nenhum. Um profissional de cinema deveria escolher fazer um curta ou um longa
não por que o projeto tem mais dinheiro ou menos dinheiro, mais projeção ou
menos projeção, mas porque acredita que seu filme precisa daquele tempo
específico.
Qual é a
receita para vencer no audiovisual brasileiro?
Rapaz que
pergunta difícil. Por duas razões, primeiro porque não estou estabelecido nesse
campo, segundo porque acredito que não tem receita não. Não mesmo. Outro dia,
um primo mais novo de um amigo me mandou uma mensagem dizendo que estava
começando a trabalhar com artes cênicas e se eu poderia ajudá-lo. Disse que não
sabia como ajudá-lo, mas que estava sempre aberto para um bom papo. De qualquer
modo, penso que para ter sucesso em qualquer profissão seja necessário muito estudo
e muito trabalho. Não sou da linhagem que acredita em talento, acredito em
esforço e vontade. O bailarino ensaia durante horas e horas senão a perna dele
não chega aonde tem que chegar, o músico passa o dia inteiro com o violão no
colo, por alguma razão alguns acreditam que o ator é só chegar e resolver.
Nesse meio artístico muitas vezes se atribui determinado sucesso a talento. Não
acredito nisso. Dizem que o Chaplin passava horas e horas repetindo a mesma
tomada até ficar satisfeito. Acredito muito nisso.
Pensa em
dirigir um curta futuramente?
Penso muito! Seria uma experiência bastante estimulante. Será. Com certeza! Por
enquanto na direção só tive experiência com o teatro. Tenho aprendido a amar
cada vez mais os curtas-metragens. É uma paixão recente, de uns poucos anos pra
cá. Chego a pensar muitas vezes em estudar cinema. Mas, a dinâmica da vida do
ator é muito inconstante, e depois de um tempo fica difícil reservar uma parte
do dia para voltar a fazer faculdade. Acabei me tornando autodidata com meus
estudos. É bom e é ruim. Sinto falta do ambiente acadêmico e de ter um
professor pra encher o saco. Acabo fazendo "workshops" por se
adequarem melhor a minha rotina maluca. Sou viciado nesses estudos mais
flexíveis, já fiz dezenas. Naturalmente daqui a pouco vou me sentir confortável
pra brincar de dirigir no cinema. Tenho projeto com uma peça que escrevi e
dirigi - Desconhecidos - de rodá-la num futuro próximo como longa-metragem.