Pedro
Blank
Biógrafo do Zacarias
Como
surgiu o interesse em escrever a biografia do Zacarias?
Desde
os tempos em que trabalhava em jornal diário, sempre gostei da grande reportagem,
um gênero que, em função do momento particular dos grandes veículos de
comunicação, está cada vez mais raro na grande mídia. Quando passei a trabalhar
com comunicação corporativa, consegui ter tempo para desenvolver projetos de
livro-reportagem. Ano passado, lançamos a biografia do Dirceu Lopes, intitulada
O Príncipe,
que conta a trajetória de um craque do Cruzeiro e da seleção brasileira nos
anos1960 e 1970. Com o lançamento do livro aqui, na L5 Comunicação, começamos a
pensar em um personagem que tivesse história para contar. Juntamente com os
jornalistas Fred Wanderley e Jomar Nicácio, chegamos ao Zacarias, nome que
marcou o humor brasileiro de maneira incontestável.
Você
já acompanhava a trajetória dos Trapalhões.
É fã do quarteto?
Sim.
Trago da minha infância a lembrança muito forte dos Trapalhões. Era
praticamente “obrigatório”
terminar o domingo vendo, nos anos 1980, o programa deles antes do Fantástico . Além disso,
nas férias do meio e do final do ano, ir ao cinema assistir aos filmes também
era sagrado. Também tinha contato com Os
Trapalhões por
meio de brinquedos licenciados do grupo, roupa de cama, os copos da Pepsi e
vários outros produtos. E acredito que tal relação aconteceu com a maior parte
das crianças que viveram os anos 1980. Os
Trapalhões, sem dúvida, continuam a trazer ótimas
lembranças para os adultos que estão na faixa dos trinta-quarenta anos.
Zacarias
é um comediante que teve toda a sua trajetória registrada pela imprensa. Isso
irá facilitar seu trabalho?
A
referência em material de época é muito importante para a reconstrução da vida
do biografado da maneira mais fidedigna possível. Afinal, a memória afetiva pode
estar um pouco distante da realidade. Isso é normal. O desafio de uma
biografia, na minha opinião, é costurar tantas falas e lembranças em história.
Costumo falar que as biografias benfeitas têm 95% de verdade e 5% de mentira.
Há
algo a ser descoberto, se tudo já foi mostrado, contado? Qual é o desafio de escrever
uma biografia de um personagem tão conhecido?
Acredito
que há muita coisa a ser descoberta. A trajetória do Zacarias é amplamente conhecida
e pode ser conferida em sites fantásticos,
mantidos por pessoas como o Diego Munhoz e o Lozandres Braga, pessoas que fazem
um trabalho fantástico para preservar a memória dos Trapalhões. Um
desafio que eu vejo para a biografia do Zacarias é desvendar Mauro Faccio
Gonçalves. Como era o homem que estava atrás do personagem? É nessa linha que
queremos trabalhar.
Renato
Aragão, Dedé e Mussum tinham como característica a irreverência. Zacarias, segundo
dizem, era o mais introspectivo do grupo. Isso procede?
Eu
entendo que o Zacarias levou durante toda sua vida a marca da mineiridade. As
raízes de Sete Lagoas sempre estiveram presentes. Como diria o Guimarães Rosa,
ser mineiro é não dizer o que faz, nem o que vai fazer. É falar pouco e escutar
muito, é passar por bobo e ser inteligente. Ser mineiro é ser diferente, é ter marca
registrada, é viver nas montanhas, é ter vida interior, é ser gente. Eu vejo que
o Zacarias comprovava a tese de Guimarães Rosa. Sem a peruca e os dentes pintados,
ele passava despercebido. Esse jeitão introspectivo, sem dúvida, era a mineiridade
do Zacarias que ele nunca escondeu e carregou por toda a vida.
Zacarias
trabalhou muito tempo em rádio. Dizem até que o magnífico trabalho que realizou
como radialista foi eclipsado justamente pela fama dele na televisão. O que tem
a falar do comediante nesse período na rádio?
O
Zacarias deu os primeiros passos como artista na Rádio Cultura, de Sete Lagoas,
e na Rádio Inconfidência, de Belo Horizonte. Ambas existem até hoje. Na capital
mineira, por exemplo, ele foi premiado, ainda conhecido apenas como Mauro
Gonçalves, por sua atuação como rádio-ator, encarnando personagens fortemente
marcados pelas características do interior de Minas Gerais. Esse trabalho abriu
as portas para que entrasse na TV Itacolomi, também de Belo Horizonte e já
extinta. O rádio, sem dúvida, forneceu a base para que o talento de Mauro
Gonçalves fosse lapidado. O Zacarias – embora seja disparado o de maior notoriedade
– era apenas um dos diversos personagens criados pelo sete-lagoano.
Na
sua opinião, quem era o maior comediante do grupo?
Entendo
que não podemos estabelecer um ranking dos
quatro. Na minha opinião, cada um deles possuía um estilo diferente e que completava
o outro. O próprio Dedé já declarou que era o “escada”, nome que se dá para o
artista que prepara a piada para o outro comediante. Tal atuação era
fundamental para Os Trapalhões. Vejo que
a fórmula dos Trapalhões deu
certo porque a química entre Didi, Dedé, Mussum e Zacarias funcionou perfeitamente,
algo raríssimo hoje em dia, principalmente levando em conta que o humor
nacional está cada vez mais voltado para o stand-up.
Por
que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados
pelos Trapalhões?
Acabei
de ler, recentemente, a tese de doutorado do André Carrico sobre Os Trapalhões, feita na
Unicamp. Na pesquisa dele, confirmamos que o grupo é incompatível com o humor “politicamente correto”, ou seja,
faziam piadas de negros, homossexuais e nordestinos. Há um esforço (correto
esforço, sublinhe-se) da Academia brasileira em desconstruir o discurso
preconceituoso que existe na nossa sociedade. Esse conflito entre os valores da
Academia e o conteúdo das piadas dos Trapalhões,
a meu ver, é a origem desse pouco reconhecimento da Academia. Mesmo assim,
alguns dos filmes do quarteto permanecem, até hoje, como recordistas de
bilheteria.
Como
classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Os
filmes dos Trapalhões aconteciam
num momento de profunda crise do cinema nacional. Vejo a filmografia dos Trapalhões em dois
momentos. No primeiro, os quatro (com destaque para Didi) eram protagonistas
das histórias, fazendo grandes obras, como Os
Saltimbancos Trapalhões e Os Trapalhões e o Mágico de
Oróz. No
final dos anos 1980, o quarteto praticamente vira figurante de seus próprios
filmes, com destaque para outros participantes, como Angélica, grupo Dominó,
Supla etc.
Zacarias
era um bom ator no cinema?
O
Mauro Gonçalves era um ator completo, capaz de incorporar diversos personagens.
Embora seu destaque seja com Os
Trapalhões, indiscutivelmente, ele atuou em filmes
solo: Tô na Tua, Ô Bicho,
O Fraco do Sexo Forte e Deu a Louca
nas Mulheres.
Qual
o legado histórico que o cinema dos Trapalhões
deixou para o país?
Volto
a citar, aqui, o trabalho do Carrico. Os
Trapalhões levaram a figura dos palhaços para as
salas de cinema. À exceção de Zacarias, os demais atuavam de cara limpa,
levando para o cinema e também para a tevê aqueles quadros típicos do circo.