Ricardo
Karam
Assistente de produção
Você
trabalhou com Os Trapalhões no
filme Os Trapalhões e a Árvore da
Juventude. Como e por quem recebeu o convite para
trabalhar com eles? Como foi
a experiência?
Recebi
o convite do produtor Caíque Martins Ferreira.
Que
representava, naquele período, trabalhar em um filme com Os Trapalhões, que
eram certeza de sucesso de bilheteria?
Certamente,
uma alegria e motivo de orgulho, já que foram meus “heróis” na juventude. Fiquei
honrado e ansioso com o convite. Não via a hora de começar a trabalhar e, mais
ainda, aprender.
No
filme Os Trapalhões e a Árvore da
Juventude, Os Trapalhões são
guardas ambientais que tentam preservar a floresta amazônica da devastação. Em
toda a filmografia de Renato há essa preocupação com o meio ambiente. Nesse
filme, ela é ainda mais explícita. Ele mencionava essa preocupação para vocês?
Sim.
Sempre foi um ser humano preocupado com questões ambientais e mais ainda as
sociais, principalmente o futuro das crianças brasileiras.
Onde
essa produção foi filmada?
Filmamos
grande parte dela na Amazônia mesmo (nos rios, igarapés, floresta, barcos
regionais e tal). E mais um tanto no Rio de Janeiro, em locações e também em
estúdio.
Os
filmes dos Trapalhões eram
bem recebidos pelo público, mas poucos foram premiados. Nesse caso, em
particular, vocês foram premiados no III
Festival de Cine
Infantil de Ciudad Guayana (Venezuela), em 1993.
Qual foi a repercussão entre vocês dessa premiação?
Todos
ficamos muito contentes e orgulhosos. Sempre que algum filme ganha um prêmio ou
algum integrante da equipe é premiado, meio que nos sentimos igualmente premiados
também.
Esse
foi o último filme dos Trapalhões
com o trio remanescente, após a morte de
Zacarias. Foi também o último filme de Mussum, falecido em 1994. Gostaria de
saber se havia, nas filmagens, uma tristeza entre os integrantes (Renato, Dedé e
Mussum) com a ainda recente morte de Zacarias.
O
Mussum era um ponto de convergência entre os quatro. Sempre feliz e zoando tudo
e a todos. Elenco e equipe sempre se divertiam com as brincadeiras e armações
dele. Certamente, nunca mais foi a mesma coisa. Todos sentiram muito a perda.
Que
representou para você trabalhar no filme em que o termo “Trapalhões” foi usado
pela última vez no título?
Até
hoje, quando estamos numa roda de amigos de trabalho, quando comento que fiz Os Trapalhões e a Árvore da Juventude,
os mais novos ficam loucos e me perguntam como era, como eles eram, como era o
dia a dia da equipe e tal. Todos ficam siderados com o fato de eu ter
trabalhado com os caras que foram os ídolos dessa galerinha quando eles eram
crianças. E certamente são até hoje. Respeito total pelo que o Renato Aragão e Os Trapalhões criaram.
Renato
Aragão, Dedé e Mussum tinham como característica a irreverência. Até nos
bastidores das filmagens, eles brincavam muito. Isso procede? As filmagens eram
descontraídas?
Sim,
claro. Estavam sempre brincando. Levavam o trabalho no set muito a sério, mas com
muita descontração. Era um ambiente ótimo de trabalho. Equipe e elenco sempre
muito unidos. Lembro que uma vez o Zacarias estava meio que cochilando em sua
cadeira, aguardando ser chamado para se vestir e maquiar e tal. O Mussum pegou
um balde com água, subiu numa escada bem pertinho da cadeira do Zaca e pronto.
Deu-lhe um balde de água fria no cara. O povo riu muito. O Zacarias tomou um
puta susto, mas levou na brincadeira tudo.
Havia
muita improvisação?
Sim.
Totalmente. Todos eles improvisavam o tempo todo. Principalmente o Renato; e,
daí, os outros três iam na cola dele.
Quais
as recordações que possui do filme?
Essa
que contei do Mussum e o balde de água no Zacarias. Outras situações aconteceram,
como por exemplo, quando o nosso platô, Johnny Catrolli, precisou pegar uma
voadeira (pequena lancha de motor ) e sair do set
para ir buscar mais combustível para os
outros barcos. Ele demorou muito pra voltar, e eu já estava ficando preocupado.
Estávamos filmando nos igarapés no meio do Rio Negro. Peguei um dos jet ski que tínhamos na produção
e fui atrás dele. Quando eu estava lá no meio do Rio Negro, o jet pifou; e fiquei à
deriva e não conseguia ligar o motor de jeito nenhum. Caí na água, para tentar
resolver o problema e verificar o que houve. Tudo estava silencioso, e só se
ouvia o som das águas batendo no jet.
Senti que não estava sozinho; e, quando olhei em volta, tinha um bando de botos
me circundando. Cara, foi tenso pra caramba. Porque eu tentava descobrir se
eram botos vermelhos (que são bem dóceis) ou botos tucuxi (que são muito
bravos) e não conseguia. Ainda bem que eram os vermelhos, porque, se fossem os
tucuxis, eu ia ter que negociar muito com eles pra não me partirem em dois.
Quais
as lembranças da direção do cineasta José Alvarenga Júnior, nessa produção?
O
Alvarenguinha, como nós o chamamos, era uma doce criatura, além de um
profissional da melhor qualidade. Sempre conseguia harmonia entre equipe
técnica, elenco e o pessoal de apoio. Era um cara muito educado e focado no
trabalho.
Tião
Macalé era considerado o quinto Trapalhão.
Quais as lembranças dele?
Estive
apenas uma vez perto dele. Pareceu-me uma pessoa séria, quando não entrava no
personagem. Não tive muita convivência... para falar muita coisa.
Por
que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados
pelos Trapalhões?
Talvez
porque nunca seriam capazes de criar algo tão simples e ao mesmo tempo tão
verdadeiro, que fala de coisas simples para pessoas simples. Assim como a vida
deveria ser. Acho que, como não conseguem explicar o sucesso disso, preferem rejeitar.
Como
classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Filmes
de entretenimento e muito educativos, sempre com temas sociais, ambientais e
éticos levantados em suas histórias.
Gostaria
que contasse alguma curiosidade ou fato que tenha presenciado como testemunha
ocular.
Estávamos
filmando num braço do Rio Negro, em uma diária que prometia ser cheia de
agitação e perigos. Era uma cena em que um avião sobrevoava bem baixinho um
grande iate que pertencia ao malvados da história. Toda a cena foi marcada pelo
diretor e tudo pensado e conversado milhares de vezes. Era uma cena que
teríamos que filmar apenas uma vez. Esse avião que é daqueles que pousam em rio
deveria iniciar seu procedimento de decolagem ao comando da assistente de
direção de “ação, avião”.
E ele estava posicionado lá no final desse braço de rio e bem distante, pois
precisava de grande espaço até conseguir pegar força e decolar. E, na outra
ponta do braço desse mesmo rio, havia o tal iate com os atores e figurantes,
todos armados de pistolas e metralhadoras, porque deveriam atirar em direção ao
avião. Quando todos estavam prontos pra rodar, a assistente de direção deu pelo
rádio o famoso “vamos rodar e ... ação”.
Eu estava mais afastado um pouco, junto às câmeras em cima de um dos jet ski da produção (o jet ski nos era bem útil nas
filmagens em rios e igarapés); e, de repente, vi a uns cem metros à minha
direita uma família dentro de uma dessas canoas ribeirinhas. Ela saiu do
nada... de um dos igarapés e ia em direção a outra margem, com intenção de
cruzar o braço do rio. Era uma família inteira, pai, mãe e seus três filhos.
Cara, eu gelei. Liguei o jet ski e
sai voando em direção à família e estava desesperado, porque o avião já havia partido
e estava a mil por hora para ganhar força e decolar. Ou seja, se eu não tirasse
aquela família dali, o avião iria partir a todos ao meio, inclusive a mim. Ninguém
entendeu nada porque eu saí à toda em direção ao avião que vinha no sentido oposto.
Só depois é que repararam no que estava acontecendo. Consegui chegar até a
canoa. Gritava pra eles voltarem. Mas não entendiam nada e ficaram assustados.
Como vi que não iria adiantar, simplesmente tirei uma corda que ficava sempre numa
espécie de “porta-malas”
do jet,
prendi a corda na canoa deles e saí puxando à toda com meu jet ski, voltando pra margem
de onde vieram. O pai estava assustado. As crianças também; e a mãe não parava
de gritar comigo, xingando-me com sotaque típico dos caboclos da região. mas eu
nem ouvia. Só queria tirar a família de lá. E consegui, para alívio de todos.
Foi aos quarenta e quatro e meio do segundo tempo, como dizem. Eu estava quase
chegando à margem. O avião passou riscando a água, e todos ficaram com os olhos
arregalados e bocas abertas de pavor. Daí, nessa hora, entenderam o que eu estava
fazendo. Final feliz, como em todas as histórias dos Trapalhões.