Roberto
Strada
Compositor
O
senhor trabalhou com os Trapalhões
em três longas-metragens: Os Trapalhões na Guerra dos Planetas,
O Cinderelo Trapalhão e
O Rei e Os Trapalhões. Como e por quem
recebeu o convite para desenvolver as trilhas desses filmes? Como foi a
experiência?
Fui
chamado pelo finado Adriano Stuart, que era o diretor desses filmes. Durante muitos
anos, já vinha criando trilhas para o Adriano. Daí, quando chegou Os Trapalhões
para ele, logo fui avisado. A experiência
foi muito agradável, porque em Os
Trapalhões na Guerra dos Planetas, tive o prazer
de escrever para a antiga orquestra da TV Globo. Eram pelo menos uma dezena de
grandes músicos, entre os quais o Hélio Delmiro, grande guitarrista. Em O Cinderelo, trabalhei
uma country music com
muito banjo e guitarras. Em O Rei e Os Trapalhões,
trabalhei muito na música estilo heroica com algumas pitadas da música
oriental, isso porque o filme foi rodado em Marrocos.
Que
representou para a sua carreira trabalhar em produções estreladas pelos Trapalhões, que eram
fenômenos de bilheteria?
Realmente,
devo dizer que foi muito bom como divulgação. Mas, como trabalho de música de
cinema como sei fazer, ficou muito aquém do que se poderia esperar. Acho
realmente que Os Trapalhões na Guerra dos Planetas é
um dos filmes de que menos gosto. A experiência foi frustrante. Não sei se você
sabe, mas esse filme foi rodado em VT para depois ser passado para a película.
Desastre total. Os efeitos especiais são ruins demais. Mesmo assim, a trilha é
apontada por quem gosta do quarteto como sensacional. Costumo dizer que não
adianta fazer uma grande trilha para um filme ruim. Isso não me deixa feliz. Os
outros filmes já acho que tiveram uma melhor produção.
Você
menciona que Os Trapalhões na Guerra dos
Planetas é um filme ruim com uma trilha boa. Nesse
caso eles “prejudicaram”
seu trabalho?
Meu
trabalho não. O que acontece é que a trilha ficou perdida no filme. O Adriano
queria que eu fizesse uma trilha grandiosa. Daí, eu acho que fiz. Mas o filme é
risível. Não num bom riso, mas jocosamente ridículo.
Num
primeiro momento, parece conflitante um músico com formação erudita se aliar a
artistas populares. Como foi esse processo na sua cabeça?
A
minha formação erudita nunca impediu que eu criasse música que comentasse de
forma jocosa os filmes que musiquei na Boca do Lixo. Com o Adriano, fizemos O Bacalhau, que reputo
como o melhor trabalho do diretor. Fiz também Kung
Fu Contra as Bonecas, que me fez rir muito. O detalhe é que
o Adriano me pedia que a música fosse sempre séria. As comédias rolavam soltas,
e a música fazia o contraponto.
O
melhor em um filme de Comédia não é ter uma trilha engraçada?
Dizia
o Chaplin que a melhor música de Comédia é quando ela faz o contraponto do que
aparece de engraçado. Você viu o filme O Garoto?
A música é dramática. Aliás, ela foi composta pelo próprio genial Chaplin!
Quais
as suas lembranças dessas produções? O senhor teve algum contato com Os Trapalhões?
Meu
contato com Os Trapalhões foi
muito pequeno. Tive algumas conversas com o Mussum, que era o mais engraçado de
todos. E também com o Renato, quando o procurei para saber porque meu nome não
aparecia nos créditos iniciais do filme. Pois pasme: ele me respondeu que tinha
esquecido. Coisas de ser menor.
Sente
mágoa do Renato Aragão?
Eu
não sinto nada pelo Renato. Ele é um comerciante. Desses filmes que musiquei nada
ganhei de direitos.
Como
é a elaboração de uma trilha para um filme?
Estou
musicando meu quadragésimo terceiro filme lá para uns meninos de Brasília. O
sistema é sempre o mesmo. Lê-se o roteiro várias vezes; e, depois de uma
conversa com o diretor, criamos aquele que será o tema principal do filme. A
seguir, passamos para as variações e por aí vai. Amo fazer esse trabalho. Ele
lhe dá uma grande oportunidade de criar livre, desde que a música caia bem nas
sequências. Hoje, além de continuar a fazer trilhas, sou professor de som para
cinema. Criei uma oficina que venho ministrando, com muito sucesso. E vejo o
quanto os estudantes brasileiros nada sabem de som. Infelizmente, o grande
interesse ainda é pelo visual, como se fizéssemos ainda filmes mudos.
O
que era pedido e o que era para ser evitado nestas trilhas?
Nada.
O Adriano confiava muito no meu trabalho, tanto que para ele musiquei quinze
longas.
O
fato de Mussum ser músico, facilitou seu trabalho? Vocês conversaram a respeito
das trilhas?
Não
tive nenhuma conversa com Mussum sobre música. Mesmo porque ele entendia muito
de Samba, música de cinema é outra técnica.
Alguns
filmes dos Trapalhões renderam
discos. Você teve participação nisso?
Os
filmes que musiquei dos Trapalhões não
viraram discos, mas viraram coletâneas em DVDs das produções do Renato Aragão.
E quem só ganha é ele..
Você
não tem direito das trilhas? A venda de DVDs dos Trapalhões não
rendeu nada a você?
Posso
lhe dizer que na primeira semana de exibição de Guerra dos Planetas foram
arrecadados dois milhões daquele dinheiro da época. Sabe quanto recebi de direitos? Zero! O maestro Remo Usai,
meu amigo e que aliás já se foi, moveu um
processo para receber pelos sessenta e quatro longas musicados. Nunca recebeu e parece que só os tataranetos poderão
receber por algo. Quando vi uma caixa
de DVD com os três filmes que musiquei, fui procurar esse cidadão, o Renato Aragão e perguntar sobre meus direitos.
Ele, então, respondeu que eu assinei um
contrato cedendo todos os direitos para ele. Procurei outros compositores; e, como sempre, ninguém vai à luta.
Aconteceu algo igual com Xandu Quaresma, do meu grande amigo Chico de Assis.
Musiquei a peça inteira para o Antônio Fagundes.
Ele não me pagou e ainda disse que deveria ser para mim uma honra ter musicado a peça dele. Claro que tenho de direitos 0,5% de cada
um que entra no cinema de direitos. E
o que contei aqui é para o quanto ganharam e eu não.
Renato
Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo?
Em
toda a minha história com o quarteto, nunca vi Renato em absolutamente nada.
Além do mais, meu assunto era só com o Adriano.
Por
que uma parceria tão vitoriosa como a sua, com Os Trapalhões, não
perdurou mais?
Não
fui chamado para musicar nada para o Renato Aragão, porque nunca tive mesmo
nenhuma ambição em continuar. Quando o Adriano parou, parei também.
No
que uma trilha pode enriquecer um filme de comédia para as crianças?
A
trilha de cinema foi criada para comentar o que acontece nas sequências. Se a cena
é engraçada, a música poderá ou não acompanhar na graça. É um complemento da
ação, como toda música. Ela só emoldura a cena, criando, com isso, emoções no
espectador.
Por
que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados
pelos Trapalhões?
Porque,
na maioria, é tudo muito ruim, mesmo. O Renato não queria saber de muitos
gastos. Imagino que esse seja o problema.
Acredita
que Renato Aragão estava sempre mais preocupado com o lucro do que com a
qualidade dos seus filmes?
Acho
que sim. O que mais curti nessa vida de fazer música para o cinema foi a vivência
na Boca do Lixo. Esse é um tempo de que sinto uma profunda saudade. Sinto
saudade de Antonino Santana, Adriano Stuart, Jean Garrett, Alfredo Palácios... enfim,
do grande Galante. Apesar de pequena estatura, aquilo era bacana. E devo muito
a Adriano Stuart. Ele me ajudou muito e dizia que só me ajudava porque me
achava um bom compositor.
Gostaria
que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha
presenciado como testemunha ocular, durante essa produção em que você trabalhou
com Os Trapalhões.
Eu
diria que ter gravado com a orquestra da TV Globo, que contava com umas oitenta
figuras. Foi, sem dúvida, o melhor momento desse trabalho.