Ronnie
Von
Ator
Em
que circunstância surgiu o convite para você trabalhar no filme A Filha dos Trapalhões?
Eu
sou amigo do Renato e estava no Rio de Janeiro. Tinha voltado para o Rio de
Janeiro, em função de um casamento e do meu contrato com a Globo. Também tinha
um negócio de família lá no Rio. Nós somos cariocas. Então, havia negócios de
família lá que eu tinha que tocar também. Uma empresa de construção civil junto
com o meu irmão. Mas eu não tinha mais nenhuma identidade com a minha cidade.
Foi no começo dessa degradação que a gente vê hoje. Não era o Rio que eu
deixei, era outra cidade diametralmente oposta. Os meus amigos de infância e
amigos de juventude foram convidados a irem à minha casa. Nós fizemos um jantar
e como o Rio de Janeiro... Você sabe o Rio não é um lugar louvável, em termos
de gastronomia. Eu tinha um chef trabalhando
comigo. Tirei o cara de um restaurante tal e ofereci um jantar para os meus
amigos antigos. Como eu sei como é, eu sou de lá... se marcar às oito, chegam
às onze. Mas, às duas da manhã, eu estava sentado à mesa com minha mulher. E
aquele jantar gigantesco. Então, entrou o chef,
que chorava, porque ninguém foi e... Essas coisas foram somando com uma
depressão... Eu não tinha mais nenhuma identidade com a cidade. Meu casamento
era infeliz... Então, falta de identidade com a minha cidade, o casamento
infeliz, problemas com os meus filhos (principalmente com a minha filha)... A relação
da minha mulher na época com a minha filha não era boa... Enfim, eu estava
profundamente infeliz, deprimido. Tive depressão. Certo, encontrei o Renato. E
começamos a conversar, a trocar ideia... E ele fez isso mais para que eu me
sentisse um pouco mais alegrinho. Tanto que ele nem me contou o que ia fazer
comigo. Ele disse: “Vamos brincar um pouco e fazer
um filme.”
E eu fiz o papel de um delegado. Vi o storyboard,
achei muito divertido, muito divertido. Eu era amigo deles todos, mas era mais
amigo do Renato. Eu não estava emocionalmente bem nessa época; aí, eu fui para
me divertir com eles. Em síntese, foi isso. Ainda mais que uma parte do filme
ia ser feito lá na Granja Comary, que o Renato tinha comprado. E eu topei fazer
o filme, sem saber nem o que que era direito. Mas eu ia estar com eles, com o
Renato principalmente. Aí, eu topei. Então, foi, na verdade uma coisa de
diversão. Claro, é um trabalho, exaustivo. Eu tenho pavor de fazer cinema,
porque você não tem hora para nada. E eu sou muito arrumadinho, sistemático.
Tenho horário para tudo, então eu... Mas, naquela altura nessa altura dos
acontecimentos, quanto mais eu pudesse estar com eles... melhor. Queria ficar
longe do meu cotidiano, dos problemas que me afligiam na época. Foi assim que
eu entrei nessa história. Eu me lembro que trabalhei com a Myriam Rios. Ela,
então, estava casada com o Roberto Carlos. E o Roberto exigiu que não tivesse
beijos e não sei mais o quê. Roberto estava numa fase engraçada. Ele andava com
uns talheres dele dentro do bolso. Era muito engraçado. Só comia um determinado
tipo de comida. A Myriam e eu íamos fazer um par romântico. E eu lembro que a
produção, o Renato falou comigo: “Não pode
ter beijo, não pode ter nada. Roberto não quer.” Eu disse: “Tudo bem. Qual é o problema? Estou aqui para me divertir.”
E foi isso. Não teve assim uma coisa maior, uma coisa artisticamente
importante, comercialmente importante. Falei: “Olha, Renato. Eu não quero receber nada.
Estamos nos divertindo aqui.”
O
que representou na sua carreira artística ter no currículo um filme com Os Trapalhões?
Trabalhar
com eles sempre foi uma coisa muito prazerosa para mim. Na televisão, no
comecinho, eu sempre estive com eles. Gostava deles, daquele humor ingênuo, cheio
de cacos, fugindo o tempo inteiro do roteiro. Achava aquilo muito interessante,
divertia-me junto. Quantas vezes eu fui participar do programa deles na
televisão; e tivemos que interromper, cortar, porque eu não parava de rir. Porque
eles punham caco em tudo. Você tinha um roteiro; e, de repente, eles saíam
daquele roteiro. E você ia junto também. Era uma grande diversão. Agora, em
relação à carreira... Você é a primeira pessoa que fala do filme A Filha dos Trapalhões. Ninguém, em
nenhuma época da minha vida, tocou nesse assunto. Não sei se não me
reconheceram no filme ou sei lá o quê. Mas você é a primeira pessoa que toca
comigo nesse assunto comigo. Acredite se quiser.
O
Dedé Santana dirigiu e produziu filmes, inclusive na Boca do Lixo aqui de São Paulo.
E o Renato Aragão, pelas entrevistas que eu fiz, tem fama de ser
perfeccionista, envolvendo-se do argumento à confecção do cartaz. Como é que
foi trabalhar com o Dedé na direção e o Renato transitando ali em todas as áreas?
Nada
conflitante! Eu nunca vi nada que pudesse gerar algum conflito. Eles se entendiam
muito bem. Na época, eles já tinham criado uma empresa chamada DeMuZa, se não
me engano.
Foi
na época em que se separaram. Dedé, Mussum e Zacarias criaram a De-MuZa.
Sim.
Dedé, Mussum e Zacarias estavam numa empresa. Fui conhecer o escritório deles e
tudo. Eu só conhecia as coisas do Renato. Mas nunca houve absolutamente nada
que eu pudesse dizer: “Olha, tiveram uma
discussão.” Eu não vi nada. Foi uma coisa que ocorreu
assim lisa, sem confusão, sem discussão, sem nada. Agora, o Renato é realmente
perfeccionista. E a gente morre de rir com as coisas que ele faz. Cansei de ver
briga. Por exemplo, quebravam a mesa na cabeça do outro, numa briga de bar. Ele
quebrava e olhava para câmera e dizia: “Não se preocupe, que é de isopor.”
Isso ia tudo para o ar. Ele é assim. Era muito divertido. Olha, a gente ria
tanto, a gente se divertia tanto que valia a pena. Eu cheguei a participar do
programa dos Trapalhões,
após ter chegado morto de cansado da Europa. Mas fazia, porque sabia que eu ia
relaxar. Meus filhos adoravam Os
Trapalhões. Eles chegaram a participar uma vez. O
meu filho mais velho, quando conheceu o Mussum, até perdeu a voz de tão
emocionado que ficou. A minha menina gostava do Zacarias. Tudo isso tinha, de
certa forma, um apelo emocional muito grande. Fora a diversão que era, porque a
minha paixão é televisão. Hoje, eu não posso chegar e desdenhar ou dizer alguma
coisa em relação à música, porque tudo que eu consegui emocional e
materialmente foi a música que me deu. Mas o que eu gosto mesmo é de televisão.
Sempre gostei muito mais de televisão. Não gosto de viajar. Eu era obrigado a
fazer isso o tempo inteiro. Viajei durante 35 anos, fazendo quatro viagens
semanais, no mínimo. Viajei para a Europa e por vários países da América
Latina. Às vezes, fazia viagens que duravam quatorze horas. Eu vivia
bombardeado; mas adorava televisão, como adoro até hoje. Era, para mim, o
momento de alienação... Aqui na televisão, eu não trabalho. Só tenho dor de
cabeça do outro lado, como empresário de comunicação. Mas, quando começa o meu
programa, eu esqueço. Eu estou vivendo um momento muito pesado na minha vida
agora. Um momento muito difícil. Estou com o meu pai numa situação dramática de
saúde. Ele está muito velhinho e tudo mais. Então, eu passo o dia muito
derrubado. Estou muito chateado. Isso me dá um estresse emocional muito grande.
Mas basta o programa começar... esqueço tudo. Existe muita coisa na televisão
que eu detesto. Game show eu
não suporto, reality de
enjaulamento de pessoas eu detesto isso; mas eu acho que a televisão é a grande
escola do brasileiro.
Eu
vou fazer uma analogia com a música. Eu vi aqui a foto dos Beatles, na parede do
seu camarim que, coincidentemente, eram quatro. Os Trapalhões também
eram quatro. Na minha opinião, Os Beatles foram e são Os Beatles porque
trabalhavam harmoniosamente, tinham uma unidade. E Os Trapalhões?
Ah,
era assim também. Era uma coisa harmoniosa. A gente sabia que tinha, sim, uma
liderança, por parte do Renato. Isso é uma coisa clara. Até porque, muitas vezes,
os outros funcionavam como “escada”.
Isso era perceptível. Mas eles de fato tinham uma coisa harmônica. A vida
inteira trabalhei com eles, e por prazer. Honestamente, eu nunca vi nada, nunca
vi confusão, discussão. Nunca vi nada on stage e
no backstage nunca
vi também. Agora, em relação aos negócios, no escritório e tal... eu não posso
falar nada. Mas a experiência cinematográfica que eu tive com eles foi
perfeita.
E
tem alguma curiosidade para contar sobre as filmagens de A Filha dos Trapalhões?
Todos
tiravam sarro com todos o tempo todo! Pregavam peça uns aos outros o tempo
inteiro. Se eu tivesse que lembrar de uma, até iria me confundir. Nunca vi nada
igual. Foi maravilhoso.
Os Trapalhões fizeram
mais de trinta filmes, formaram milhões de espectadores. Muitos, inclusive,
tornaram-se cinéfilos. Eu, por exemplo, tornei-me cinéfilo e pesquisador de
cinema graças aos filmes dos Trapalhões.
Eu
tenho todos os filmes.
Cinco
das dez maiores bilheterias do cinema brasileiro são filmes dos Trapalhões. Apesar
disso tudo, eles sofreram e sofrem ainda com os críticos, que avaliam muito mal
o trabalho deles.
Concordo.
E
esses festivais de cinema que ocorrem no Brasil todo não fazem ou não fizeram ainda
nenhuma menção à trajetória deles.
Injusto.
Acho injusto pelo seguinte: é preciso que se tenha consciência de que esse
humor inocente que eles faziam era uma coisa juvenil, era uma coisa infanto-juvenil. O fato de eu, por exemplo, ter formação acadêmica não impede
que eu goste de desenho animado e eu gosto muito. Hoje, por exemplo, tem no
programa uma menção à Disney. Eu acho o humor dos Trapalhões muito bom, muito
bom. É um humor que atrai. Eles faziam um tipo de humor para as crianças. Sei
disso, porque eu tinha filhos pequenos nessa época. E meus filhos eram fãs ardorosos,
eram apaixonados pelos Trapalhões.
Mas nós, adultos, também de alguma maneira tínhamos neles uma referência de
diversão. O problema é que a crítica é muito feroz. Porque ela confunde tudo. E
o brasileiro é rotulador por excelência. Por exemplo, eu nunca participei da
Jovem Guarda, eu nunca tive nada a ver com Jovem Guarda. Mas eles falam: “O Ronnie da Jovem Guarda.” Porque, se não tiver
rótulo, a coisa não funciona. Então, os filmes dos Trapalhões são
considerados uma coisa menor. E Os
Trapalhões faziam um sucesso estrondoso. Certa vez,
no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, eu encontrei o Tom Jobim numa padaria
(carioca adora uma padaria). E o Tom me disse uma frase que eu nunca mais
esqueci: “Nós vivemos num país que é proibido
fazer sucesso,
porque, de alguma maneira, você vai ser apedrejado.”
Tudo porque ele tinha sido escolhido pela Coca-Cola para fazer um jingle nos Estados Unidos. Chamaram-no
de vendilhão. Bom, eu sou fã dos Trapalhões,
da criatividade deles, da improvisação deles. Tenho todos os filmes deles,
tendo a consciência de que a coisa é infanto-juvenil. Eu não tenho síndrome de
Peter Pan, não; mas acho muito complicado envelhecer.