Em dezembro de 1990 Lucchetti deu uma entrevista para o Ivan
Cardoso, para a revista ‘Interview’. Uma parte foi publicada no número 136,
abril de 1991. A seguir, o que não foi publicado acrescido de outras mais ao
longo desde então.
Sherlock Holmes é
o maior detetive de todos os tempos?
Há alguma dúvida quanto a isso? Basta-nos subir as escadas
de Baker Street nº 221-B, para libertar-nos de todas as preocupações pessoais,
e entrarmos num mundo de névoa flutuante onde passam velhos cabs londrinos,
rodando em silenciosas rodas de borracha, o mundo em que Sherlock Holmes
realiza os seus prodígios de raciocínio dedutivo, enquanto nós (e o fiel, e
inefável dr. Watson) o seguimos num misto de afeto e assombro.
Qual a melhor
aventura de Sherlock Holmes?
“Quando um médico escolhe mal, é o pior dos criminosos. Tem
coragem e conhecimento.”. Este é o comentário que Sherlock Holmes faz ao seu
amigo, dr. Watson, fazendo alusão ao dr. Grimesby Roylott, o sinistro habitante
de Stoke Manor. Refiro-me ao conto “A Aventura da Faixa Pintalgada”. Ao que
acrescento: dos maiores mistérios decifrados pelo genial detetive; não nos
recordamos de nenhum outro que nos mantivesse em expectativa e suspense,
culminando com um fim surpreendente e aterrador. Este era também um dos contos favoritos
do seu criador: Sir Arthur Conan Doyle.
Vários atores
interpretaram no cinema Sherlock Holmes e o Dr. Watson. Na sua opinião qual o
melhor?
Eu já ouvira do meu pai tantas referências a Sherlock Holmes
que passei a conhecê-lo nas suas minúcias, sem querer ter lido nada dele e como
não poderia deixar de acontecer foi se criando em torno desse nome uma mítica
que aguçava minha curiosidade. Mas eis, que, de repente, eu o conheço quase
simultaneamente através da retratação do sr. Watson, nos textos, e na
encarnação de Basil Rathbone nos filmes. E desde então não pude deixar de
associar a imagem desse ator á figura do imortal detetive, como também de Nigel
Bruce a do seu simplório biógrafo. Ambos são os próprios. Lamento que Conan
Doyle não os tenha conhecido.
Você se preocupa
em transmitir alguma mensagem nos roteiros que escreve?
Abomino esse tipo de cinema que quer mostrar o retrato
psicológico da sociedade; o relatório sobre a vida. Isso para mim é
documentário da realidade e como tal, muito maçante. Recordo-me sempre do
conselho que o Samuel Goldquin deu a um jovem aspirante a roteirista: “Filho,
se tiver que dar alguma mensagem, utilize o telefone.”. E hoje temos muitos
outros meios como o fax e o e-mail. Para mim, cinema é diversão, máquina de sonho.
Nos filmes que escrevo procuro dar ao espectador alguns momentos de fuga dos
seus problemas cotidianos. Vivemos num mundo horroroso onde impera a
intolerância e a ganância pelos bens materiais, esquecendo-se que na verdade,
ninguém é dono de nada.
Você diz que
“vivemos num mundo horroroso”. A que atribui isso?
Desde que há registro na História, o homem sempre brigou com
seus semelhantes pelos mais torpes motivos e, na falta de um, rotulam-no de
“guerra santa”, chegando ao absurdo de matar em nome de Deus. E quando não está
guerreando, sua ganância desmedida levam-no a destruir seu próprio meio
ambiente. Estou convicto de que nos encontramos no Cosmo num planeta de
expiação. Uns pagam resignadamente e partem para uma outra morada. Outros,
simplesmente aumentam seu débito e continuam neste campo de concentração até se
conscientizarem de que devem amealhar tesouros dentro de si mesmo e não os
terrenos que na verdade não lhes pertencem. Até mesmo o invólucro que abriga
nossa alma nos é emprestado e um dia será devolvido á terra.
O que quer dizer
que “partem para uma outra morada”?
O próprio Jesus se refere a ela em João, 14,2: “Na casa de meu pai há muitas moradas.”
Você demonstra ter
uma sedução muito grande pela Inglaterra. Por que?
Por muitas razões que não dariam para ser enumeradas aqui.
Citando algumas: na Inglaterra as propriedades têm mais prioridades que as
pessoas. O Canal da Mancha para eles não separa a Inglaterra do resto do mundo.
Separa o resto do mundo da Inglaterra, porém, como estávamos falando de
Sherlock Holmes, sabia que o local de sua residência (221-B, Baker Street)
figura no mapa oficial de Londres, e existem placas na rua indicando-o? Em
memorável artigo na revista ‘O
Cruzeiro’, David Nasser diz que, “os vizinhos de Baker Street, os homens, as
mulheres, toda a agente do mesmo quarteirão de Sherlock Holmes, referem-se a
ele como a um velho do bairro. Existem mesmo, os que ainda se lembram de seu
vulto ligeiro, semblante de águia, olhos penetrantes, maneiras bizarras, de
erstalker, boné trespassado e cachimbo pendente, caminhando por Marylebone
Road, em noites de inverno, de chuva e nevoeiro, rumo ao desconhecido, velando
em silêncio, pela cidade adormecida. “Um povo assim só tem que ser mesmo
admirado. Eles cultuam suas tradições. E Sherlock Holmes, magnetiza ainda não
apenas a compenetrada Inglaterra, porém o resto do mundo.
Por que essa sua
fixação pela Inglaterra? Há algum espirito encarnado de um inglês em você? Você
sente isso?
Fizemos, o Marco
Aurélio e eu, amizade com o Guido Baccelli. Ele é santeiro que se instalou aqui
em Jardinopólis mais ou menos na mesma época em que nos mudamos para cá.
Trata-se de uma pessoa culta; e temos conversado sobre os mais variados
assuntos, desde cinema até as dinastias dos faraós. Ele tem uma penalidade
forte, e encanta-nos pela sua modéstia e facilidade de expor seus pensamentos.
É místico, católico apostólico romano e médium. Raramente entramos no terreno
pessoal porque percebemos que ele não gosta de falar de si mesmo. Respeitamos
essa sua atitude. Mas o que eu queria falar sobre o Guido, está relacionado com
essa pergunta que você me faz.
O Guido incorporava o espirito do sr. Pedro. ADORAVAMOS
CONVERSAR COM O SR. Pedro que nos esclareceu muita coisa relacionada com o
mundo espiritual. Essas conversas tinham
lugar no pátio da nossa casa, junto á cozinha.
Numa dessas conversas, referindo-se ao meu medo de água, o
sr. Pedro disse que ele tinha origem na minha última encarnação. Eu era grumete
num navio pirata inglês (essa é igualmente a razão da minha fixação por
aventuras de piratas) e que havia morrido num naufrágio junto á Gilbratar.
Disse ainda que o meu capitão chamava-se Baltazar. Uma coincidência
extraordinária com o nome do meu avô, a quem eu tratava carinhosamente de
nonno. Ele foi a pessoa a mais importante da minha vida, e de quem eu sinto
muita saudade. Seu nome era Baldassarre, mas muitos chamava-o de “Baltazar”. E
o tipo físico do meu nonno correspondia á descrição que o sr. Pedro fez do meu
capitão e também aquela descrita pelo Guido. Isso dá muito o que pensar. Você
não acha?
Como você define a
humanidade?
Em duas categorias distintas: os que abrem caminho e os que
simplesmente caminham.
O que é a vida
para você?
A vida é insipida, a realidade, triste. A biografia de cada
um cabe numa caixa de fósforos. Para mim escrever é lidar com o irreal. Eu
tenho que transferir as sensações que gostaria de viver, para as minhas
histórias. O dia-a-dia de todo o mundo é essa coisa anormal e sempre quis fugir
da rotina, por isso projeto-me nos meus personagens. Quando o homem chega ao
final, vê o vazio de sua existência e, perplexo, dificilmente poderá afirmar
que viveu.
Você é
reencarnacionista?
Se não houvesse a reencarnação como explicar as tendências
de cada um? Se a natureza é sábia e faz todas as coisas exatamente iguais: uma
rosa é sempre uma rosa, como um rouxinol é sempre um rouxinol e uma laranja é
sempre uma laranja, então, como explicar as diferenças entre um ser e outro? O
que faz uma pessoa nascer músico, pintor ou escritor? E outros, desde tenra
idade já demonstrar inclinação para a medicina, matemática, mecânica ou a
astrofísica? Você acha que Albert Einstein em apenas trinta e quatro anos de
existência teria capacidade para criar a Teoria da Relatividade? E o que dizer
de Mozart que, aos seis anos já dava concertos nas cidades de Munique, Viena,
Paris e Londres? Citei apenas dois exemplos excepcionais de iluminados, mas se
você prestar atenção ao nosso redor, verá que existe uma infinidade de
exemplos. Sem a reencarnação nossa existência não teria sentido e Deus seria
injusto e a nossa vida uma piada sem graça.
O que você chama
de iluminado?
Beethoven, Wagner, Platão, Sócrates, Mme.Crurie, León Dinis,
Da Vinci, Fleming, todos são espíritos iluminados que transitaram pela terra
para trazer um pouco de beleza, encantamento, conhecimento ou amenizar
sofrimentos. Eles pertencem a uma outra morada.
Como você define o
Cosmo?
Um mistério dentro de uma charada dentro de um enigma. Aqui
cabe citar Edgar Allan Poe: “Se não podemos compreender Deus nas suas obras
visíveis, como poderíamos compreendê-lo nos seus pensamentos inconcebíveis?”
Sendo um autor
voltado quase que exclusivamente a temas sobrenaturais, você já presenciou
algum fato inexplicável?
Como leitor e autor de temas fantásticos eu estaria
predisposto a presenciar acontecimentos sobrenaturais. Mas, na verdade nunca vi
nada que não tivesse uma explicação racional. O fantástico e o sobrenatural
estão apenas na minha mente. No entanto ocorreram alguns estranhos
acontecimentos numa casa em que morei no Rio.
Você se refere a
casa da Ilha do Governador?
Essa mesma, que você a denominou de mansão hitchcokiana, ela
foi palco de alguns acontecimentos estranhos: ruídos, pancadas... Mas houve um
fato intrigante que envolveram as três fitas K-7 que o Ivan me entregou com as
entrevistas com os atores de “O Segredo da Múmia’ para que eu as copiassem.
Certa noite, quando a Tereza e eu assistíamos TV, ela pensou ver o Marco
Aurélio, nosso filho, entrar na sala de visitas, uma sala reservada, onde
estava o aparelho de som e ao lado dele, eu havia deixado as três fitas K-7. A
Tereza ficou intrigada, uma vez que ele não ascendeu a luz. Pouco depois, viu-o
sair segurando, com uma das mãos, alguma coisa á altura do peito, atravessar a
sala como se dirigisse para a porta da sala que ela não podia ver de onde
estava sentada. A Tereza estranhou esse procedimento do Marco Aurélio e
comentou comigo. Mas onde eu me achava sentado, podia ver nosso filho sentado
junto á mesa da copa. Nessa casa, haviam três salas conjugadas, uma era a de
jantar que ficava no centro.
Dela saíam duas portas ao fundo, a da direita pertencia á
sala de visitas e ao outra a da copa. E uma terceira lateral que era a entrada
social. Uma grande abertura em forma de arco, a comunicava com a sala de TV, na
verdade um grande hall com acesso a um lavabo, ao meu escritório e um corredor
com as portas dos quartos. Eu falei que não podia ser o Marco Aurélio, porque
estivera o tempo todo na copa. “Então entrou alguém aqui!”, exclamou assustada.
Vistoriamos a sala de visita, a de janta; abrimos a porta de entrada com acesso
para um patamar externo de onde se seguia um lance de escadas até o portão da
rua. Tudo estava calmo, não constatamos nada de anormal, embora a Tereza
continuasse a afirmar que alguém, havia entrado na sala de visitas e de lá
saído carregando alguma coisa. A confirmação teríamos alguns dias mais tarde,
quando fui em busca das fitas a fim de ouvi-las, não as encontrei no lugar onde
eu as havia deixado. Perguntei ao meu filho, á Tereza, ninguém sabia de nada.
Como não tínhamos empregada e a sala era um lugar reservado, não havia razão de
elas terem sumido. Reviramos toda a sala, não ficou um só recanto sem ser
vistoriado. Tiramos as almofadas dos sofás, desencostamos a discoteca, as
mesinhas laterais com quebra-luzes, até sob as tapetes vermelhos olhamos,
nenhum vestígio das tais fitas. Fiquei apavorado, como iria falar ao Ivan que
as fitas haviam desaparecido! Não falei, na esperança de que elas pudessem
aparecer, embora a cada dia essa possibilidade se tornava mais remota.
E a cada dia, voltava á sala e dava outra vistoria, não me
conformava: como três fitas K-7 podem desaparecer... No entanto tinha “aquela
visão da Tereza: alguém parecido com o nosso filho havia entrado na sala e de
lá saído carregando alguma coisa”... seriam as fitas? Talvez, uns vinte dias
mais tarde, durante os quais eu dizia ao Ivan estar providenciando a cópia das
fitas, após assistirmos a um filme, meu filho e eu preparamos para nos recolher,
quando ouvimos, vindo daquela sala, uma pancada, como se alguém houvesse batido
com algo plano sobre uma superfície sólida. Fomos até lá, acendemos as luzes e
comprovamos que não havia nada de anormal. Passados alguns dias, eu estava
naquela sala, colocando um disco no aparelho de som e ao me voltar, minha
atenção foi chamada para alguma coisa atrás de um quebra-luz sobre uma das
mesinhas laterais, exatamente a que ficava num recanto de difícil acesso. Eram
as três fitas K-7! Se alguém limpando a sala, e inadvertidamente apanhasse as
fitas de sobre o móvel, ao lado do som, jamais iria coloca-las naquele lugar.
Me ocorreu fazer uma experiência: bati as três caixinhas, uma sobre a outra,
contra a superfície de mármore da mesinha. Fora exatamente o ruído que meu
filho e eu havíamos ouvido. Houve um outro episódio estranho, este presenciado
somente pelo Marco Aurélio. Uma tarde, após regressar da faculdade, ele esta
sozinho na sala de TV e três peças de bronze: uma faca, um garfo e uma colher
que serviam de adorno sobre a mesinha . Um outro acontecimento que me recordo,
foi num domingo pela manhã, eu estava encostado no umbral da porta do quarto do
meu filho, conversando com a Tereza, enquanto ela arrumava a cama. O assunto
era nossa próxima mudança e estávamos em dúvida sobre duas cidades: Petrópolis
ou Ribeirão Preto. Recordo-me que no instante em que mencionei Ribeirão Preto,
soou uma forte pancada contra uma prateleira no corredor, sobre a qual haviam
algumas panelas antigas de ferro, que serviam como adorno. A pancada soou sobre
ela, as panelas chegaram a saltar sobre o tampo de madeira. Recebi aquilo como
um aviso, uma advertência, uma vez que essa cidade, onde já havia residido,
nunca trouxera-me sorte. E mais uma vez, com essa nossa mudança, viria se
confirmar. Eu devia ter dado ouvidos àquela advertência... É, na casa da rua
Cambaúba havia mesmo um fantasma.
Outro acontecimento singular iria acontecer alguns meses
mais tarde, por ocasião da nossa mudança do Rio de Janeiro para Ribeirão Preto,
6 de janeiro de 1982. Saímos do Rio embaixo de temporal, obrigando os
carregadores a improvisarem um túnel com encerados para poderem fazer a
mudança, principalmente no que se referiam ás caixas contendo livros. Também
nossa chegada em Ribeirão Preto foi saudada com chuva e aconteceu as mesmas improvisações
com encerados para resguardar móveis e caixas. Mesmo a despeito de todo o
cuidado uma das caixas molhou-se e danificou dois livros de H.P.Lovecraft recém
adquiridos pelo Marco Aurélio, ficando colados um ao outro: capa e contracapa.
Ao descola-los, não conseguimos evitar que ficassem seriamente danificados. Os
livros foram deixados sobre uma mesa numa dependência que havia no fundo do
quintal secarem naturalmente. Alguns dias mais tarde, o Marco Aurélio foi encontra-los
intactos, não demonstravam o menor sinal das rasuras em sua capa e quarta capa,
bem como suas páginas sem a deformidade própria do papel seco depois de
molhados. Os dois paperbacks de
H.P.Lovecraft estavam exatamente como ele os haviam adquiridos da Livraria
Leonardo Da Vinci.
Você é conhecido
como uma pessoa excêntrica, contam algumas histórias nesse sentido, como por
exemplo, o seu casamento num cemitério. É verdade ou folclore?
Em parte é verdade. Quando estava para me casar fui
conversar com o padre na possibilidade do meu casamento ser realizado na capela
do cemitério. Não imagina a cara que o padre fez, olhou-me como seu eu havia
dito a maior heresia do mundo. Argumentei que achava a coisa mais natural,
porque tudo não era igreja? Só que a estranheza do padre – era lógico que eu
sabia – se prendia ao fato de querer me casar na capela de um cemitério! Sempre
o preconceito contra a morte e os mortos. Porque esse preconceito, se um dia
nós também seremos os mortos? Qual a
única verdade que conhecemos tão logo abrimos os olhos para este mundo, por
acaso não é a morte? Então porque temer a morte se ela é exatamente a única
verdade que nos libertará? Por isso adoraria ter me casado na capelinha do
cemitério de Ribeirão Preto, pequena, aconchegante e também uma forma de
homenagear meus mortos queridos ali sepultados.
Porém, além do padre eu teria que acatar a opinião da
Tereza. Isso não foi necessário ante a negativa do padre. Mas voê imaginou
alguém pedir á sua noiva para se casarem numa capela do cemitério? E ainda
havia um outro particular, ela deveria estar vestida de negro e vir montada num
cavalo branco (sua casa distava uns cinco ou seis quarteirões do cemitério)
seguida pelo séquito dos convidados.
Você fez rádio e
TV em Ribeirão Preto. Conte como foi isso.
Quando o Aloysio Silva Araújo, um famoso radialista da
época, assumiu a direção de broadcasting da PRA 7 Rádio Clube de Ribeirão
Preto; em 1956, encomendou-me dois programas, um seriado de aventuras para os
fins de tarde e um outro que fugisse completamente dos que, na época, poluíam
as ondas sonoras. Faça alguma coisa no gênero que você domina, disse-me ele,
uma vez que era leitor da revista ‘X-9’ e gavia lido alguma novela minha.
Foi com certa facilidade que criei ‘O Grande Teatro de Aventuras’
que ia ao ar de segunda a sexta-feira nos finais de tarde e como eu era
fanático pela coleção ‘Terramaear’, da Editora Nacional, as aventuras se
desenvolviam em terra, no mar e no ar, praticamente uma adaptação para o rádio
desses livros. O segundo programa foi ‘Você é o Detetive’, que nada mais era do
que a sua transposição para a linguagem radiofônica aquilo que revistas
policiais e de quadrinhos acostumavam publicar. Eram pequenas histórias
escondendo sempre um culpado, e o leitor era desafiado a encontrar esse culpado
(a solução vinha sempre no final, de cabeça para baixo).
Essa ideia seria aproveitada alguns anos mais tarde na TV
Tupi Canal 3 de Ribeirão Preto, num programa encomendado pelo Silvério Netto,
que era o diretor artístico da PRA 7 por ocasião da apresentação do programa
‘Você é o Detetive’. Para a Tupi da qual o Silvério era diretor, adotei o
título ‘Quem Foi?’, que ra o nome de uma revista de história em quadrinhos
policiais publicada pela EBAL (Editora Brasil-América), do Rio de Janeiro. Se
não cheguei a ter o primeiro programa de radioteatro com a participação do
ouvinte pelo telefone, pelo menos tenho certeza de que fui um dos primeiros, se
não o primeiro, no Brasil a ter o telespectador participando pelo telefone.
Mas para ‘Quem Foi?’ tive de enfrentar um problema que foi
um desafio. A quantidade de cenários no ‘Você é o Detetive’ não havia nenhum
obstáculo. Eu poderia ter quantos a história necessitasse; na televisão isso
era absolutamente impraticável. Os recursos eram escassos e eu poderia ter no
máximo três cenários, na verdade dois porque era um cenário fixo: a sala do
delegado. Mas os obstáculos não paravam aí. Eu tinha unicamente uma só câmera e
assim mesmo refugo da Tupi de São Paulo. Todas as vezes que havia mudança de cenário,
apelava-se para o padrão do programa que ficava no ar. Também havia o recurso
da propaganda do patrocinador. Ela era feita num recanto do estúdio por uma
câmera fixa.
Além dos recursos precários, acrescenta-se que ainda não
havia o videoteipe e tudo tinha de ser feito ao vivo e exigia muita
criatividade. Por exemplo, uma das minhas histórias “pedia” uma janela aberta,
através da qual uma pessoa testemunhava um assassinato praticado no prédio da
frente. Foi uma ingenuidade minha, reconheço, tal ousadia. “Impraticável!”,
disse de pronto o Silvério. “Isso nos custaria uma pequena fortuna!” Lógico,
para se filmar teríamos de fazê-lo em 16mm e mandar revelar em São Paulo, para
um simples detalhe que iria ao ar em apenas poucos segundos. Mas a solução me ocorreu
de imediato. Ao olhar através da janela do escritório do Silvério Netto, vi
parte da fachada do Hotel Umuarama, do outro lado da rua – os estúdios da TV
ficavam no último andar de um dos mais altos edifícios de Ribeirão Preto. “Por
que não usamos um dos apartamentos do hotel?” sugeri. O Silvério riu, balançou a cabeça. “Como você
é ingênuo, Rubens”. Lembro-me bem dessas palavras e da expressão adotada por
ele. “Usar um apartamento do hotel... É isso?!...”
Foi fácil convencer o gerente do hotel de usarmos um dos
apartamentos vagos e de frente para a rua.
E a história pôde ir ao ar exatamente como estava no meu
script: a câmera foi colocada no escritório e serviu para que o personagem
presenciasse o assassinato, do outro lado da rua no apartamento do hotel, para
onde deslocamos os atores.
Eram coisas assim que fazia o encanto de se trabalhar na TV
no longínquo 1961...
Mas você não disse
como era o esquema do programa.
Era apresentada a teatralização de uma história, tanto
poderia ser um roubo como um assassinato. Quando o detetive Reginaldo Varela,
personagem fixo e interpretado sempre pelo mesmo ator, chegava á conclusão de
quem era o culpado, entre os suspeitos , o programa era interrompido e entrava
no ar o apresentador, imagina você, que era eu... sentado á uma mesa com
telefone.
Eu sorteava um telefone, previamente inscrito – o programa
era patrocinado pela Douradinha, um refrigerante ribeirão-pretano; e, para se
inscrever, o telespectador tinha de remeter três rótulos do produto – e a
pergunta que o telespectador tinha de responder era: como foi que o detetive
chegara á conclusão do culpado. O telespectador tinha á sua disposição
alguma(s) pista(s) para saber quem era o culpado do assassinato ou do roubo. O
prêmio era um livro da coleção Sherlock Holmes, das Edições Melhoramentos.
Ainda tem uma curiosidade interessante sobre o ‘Quem Foi?’.
Como o programa era ao vivo a propaganda também era ao vivo. Como expliquei que
sempre quando houvesse a necessidade da mudança de cenário, o padrão do
programa ficava no ar, e quando acontecia de o intervalo ser demasiado longo,
aproveitava-se para fazer o comercial do refrigerante patrocinador. Ele era
feito por uma garota bonita, exuberante e escassamente vestida, e, ao término,
ingeria um pouco de bebida. Ás vezes as histórias pediam várias interrupções; a
coitada bebia tanto refrigerante que acabava ficando enjoada.
Interessante. Uma
ideia original. Mas não foi esse o único programa que você escreveu para a
televisão. Houve outros, não?
Houve. Quando me mudei para São Paulo em 1966, para assumir
a função de chefe de escritório de uma loja de ferragens de uns primos da minha
mãe, escrevi os programas do Mojica: ‘Além, Muito Além do Além’, na
Bandeirantes e ‘O Estranho Mundo de Zé do Caixão’, na Tupi, mas aí a história
foi outra... muito diferente daquela de Ribeirão Preto que tanto me fascinou.
Sei também que
escreveu o libreto para um balé. Fale sobre ele.
Em 1984 fui procurado por uma jovem diretora de uma academia
de dança de Ribeirão Preto. Ela estava com um programa: queria fazer um
espetáculo do qual participariam todas as alunas que concluíram o curso de
dança clássica naquele ano (cerca de quarenta mais ou menos). Tinha até o nome:
SHOCK. Para ele já havia criado também uma série de coreografias com arranjos
musicais que evocavam temas fantásticos, e não sabia que fazer com elas. Não
era seu desejo apresenta-las num único tema. Erra era o problema e por isso
estava recorrendo a mim. Estávamos no mês de setembro e o espetáculo deveria se
realizar no Teatro Municipal de Ribeirão Preto entre os dias 21, 22 e 13 de
novembro (inclusive o teatro já estava reservado e os ingressos sendo vendidos
com antecipação). Eu tinha, portanto, pouco tempo. Mas gosto de desafios e
trabalhar sob pressão. Escrevi o libreto
em cinco dias, integrando todas as danças num único tema.
Numa temporada noite,
o castelo do conde Drácula, erguido nos Montes Carpátos, Transilvânia, está
engalanado para a sua volta. Vlad, o fiel guardião do castelo, organiza a
homenagem reunindo todos os súditos do Reino do Mal. Sentindo-se ameaçada , sua
arqui-inimiga, a Bruxa Évora, enfeitiça Vlad e coloca uma poção mágica no vinho
que será servido aos convidados no amplo salão do castelo. Ao soar as doze
badaladas da meia-noite, é servido o vinho para o brinde, em regozijo á volta
do grande Mestre e Senhor do Reino do Mal. Uma vez ingerido, o vinho começa a
provocar uma estranha metamorfose entre os presentes que passam a recepcionar o
conde Drácula com uma orgia de danças fantásticas. Até que chega o momento aguardado
pela Bruxa Évora que aproveitando-se da dança das máscaras, confunde-se entre
os presentes e destrói o conde Drácula, transpassando-lhe o coração com uma
estaca, a única maneira de matar um vampiro. Dando gargalhadas histéricas,
Évora desaparece em meio a uma explosão, enquanto os presentes assistem
pesarosos a agonia de seu mestre e senhor. Somente Vlad tem o poder de
ressuscitá-lo, uma vez que não é um dos “não-mortos”, portanto não pertence á
legião dos súditos do Reino do Mal, detalhe desconhecido da Bruxa Évora. Vlad
arranca a estaca do peito de Drácula que retorna á vida ante o regozijo dos
seus vassalos.
Já vi muitas definições a seu respeito, uma delas que é um autor
essencialmente de short-story mystery magazine. Isso não o incomoda, sendo
brasileiro, dedicando-se a um gênero não cultivado entre nós?
A principio esse conceito me chocou. Hoje já nem tanto. Essa
foi a forma de dizer as coisas, de escrever aquilo que tinha a dizer. A
imaginação não conhece limitações e nem fronteiras. Sou um ator de ficção,
livre e descompromissado. Cada um busca
seus próprios caminhos. Os textos de um modo geral ficam, os críticos passam.
Por isso dou uma banana para ao críticos e prossigo minha caminhada.
Mas porque não no
Brasil?
Gosto de trabalhar com histórias enigmáticas, cheias de
humor negro e a investigação partindo de pequenos e aparentemente
insignificantes detalhes. Tudo isso seria falso no Brasil, onde as torturas e
os espancamentos nas delegacias é coisa comum e do conhecimento das autoridades
que fazem vista grossa a respeito e desrespeito aos direitos da pessoa humana,
o que torna impossível o desenvolvimento de histórias desse gênero entre nós. Nas
histórias de detetive & mistério o que vale não é a brutalidade dos órgãos
repressivos, mas o jogo de inteligência entre o criminoso, que quer esconder o
seu delito para não ser punido, e o detetive, que, em defesa da sociedade, quer
prender o criminoso.
Independentemente das razões enumeradas quero citar o
próprio Edgar Allan Poe, um norte-americano, ao escrever a trilogia que
inaugurou a novela de detetive & mistério, ‘Os Crimes da Rua Morque’, ‘O
Mistério de Marie Roget’ e ‘A Carta Furtada’, ambientou-as em Paris e o
personagem principal delas é também um francês, o detetive C. Auguste Dupin.
Vários dos contos de horror de Poe não se passam, necessariamente, nos Estados
Unidos, mas na Alemanha, Espanha, Grécia, Itália...
Como foi sua
iniciação literária? Havia muitos livros em sua casa?
Havia apenas uma velha Bíblia, com a qual minha mãe me
alfabetizou. Grande parte dos autores da literatura universal, tomei
conhecimento através das revistas que eu colecionava. Por isso, muito antes de
chegar aos seus livros, já me eram familiares: Guy de Maupassant, O.Henry, Oscar
Wilde, Honoré de Balzac, Alphonse Daudet, Rudyard Kipling, Aldous Husley, Mark
Twain, entre outros eminentes nomes da literatura e do pensamento universal.
Isto através da leitura de ‘Vamos Ler”!, ‘A Cigarra Magazine’, ‘Eu Sei Tudo’,
‘Carioca’, ‘Revista da Semana’ e também nas revistas pulps: ‘Aventura e
Mistério’, ‘Policial em Revista’, ‘X-9’, entre muitas outras.
Porém, as traduções estavam longe de serem um primor, mas
perfeitamente ao alcance do leitor adolescente ainda com uma baixa
escolaridade. Recordo-me de haver lido na ‘Lupin’, em forma de folhetim, ‘Dois
Vivos e um Morto’, do escritor norueguês, Sigurd Christiansen. Esse romance
impressionou-me e quando ele caiu-me nas mãos, numa edição do Clube do Livro a
impressão que havia tido por ocasião de sua primeira leitura, foi ainda maior,
devido á primorosa tradução de A.Luquet. Porém, resta-nos lamentar a lacuna
deixada por essas revistas populares nas bancas de jornais; uma vez que o
leitor com pouco poder aquisitivo não conta com as mesmas possibilidades que
tiveram os leitores do passado. Hoje o estímulo á leitura é praticamente
nenhum, basta visitarmos uma livraria para constatarmos o preço proibitivo do
livro. As baixas tiragens, o tornam, não um artigo de primeira necessidade,
como seria o de se esperar, mas um artigo de luxo. O livro deveria ser um
produto subvencionado por verbas governamentais. Mas isso no Brasil é uma
utopia, como também não deixa de ser uma utopia o sonho de um dia podermos ter
um governo voltado aos reais problemas da população. Não creio nos políticos.
Não escrevo romances.
Escrevo simples novelas de suspense. Sem necessidade de me aprofundar
nas psicologias dos personagens. Os personagens são mais ou menos superficiais,
apenas os maus que ás vezes tenho necessidade de me aprofundar mais, dando-lhes
psicologias para poder justificar a razão dos seus atos.
Nunca escrevi nada sobre a região em que vivo. Somente agora
estou reescrevendo velhas histórias publicadas nos magazines policiais dos anos
40, 50 e 60 e estou ambientando-as em São Paulo. São Paulo é o meu lar, conheço
a cidade como a palma da minha mão e é natural que registre a cidade nas minhas
histórias. Elas estão sendo ambientadas no inicio dos anos 40. No tempo dos
bondes, da Avenida São João, rua da Conceição (hoje Cásper Líbero), ruas
General Osório, Duque de Caxias, Conselheiro Nébias, Aurora... Eu trabalhava
numa loja de autopeças de uns parentes da minha mãe. Fazia entregas, cobranças
e despachos na Estação da Luz. Cortava o centro de canto a canto. Estou passando
todas essas minhas reminiscências nos meus textos, tendo como fio condutor, o
detetive Reginaldo Varela e seu chefe, o Inspetor Flora.
Mas sempre me sinto bem escrevendo sobre regiões que não
conheço. Os detalhes são retirados de filmes que assisto com muita atenção,
principalmente quando ambientados em Nova York, Londres ou Paris. Vou anotando
todos os pormenores, até mesmo o de um semáforo num cruzamento de ruas ou uma
rua onde está situado um hotel. Me sinto bem fora do meu ambiente. Se estou somente
agora escrevendo histórias passadas em São Paulo é porque a época já está bastante
distante e tudo me parece um filme.
Você revisa o que
escreve?
Dou uma lida rápida e como escrevo á máquina, colo por cima
as rasuras porque sou um péssimo datilografo. Escrevo penas com dois dedos. Mas
não gosto de revisar, porque sou obrigado a ler o que escrevi. E depois de
escrito, um conto, uma novela, raramente me interesso por eles. Nunca me dá
prazer ler o que escrevi. E até chego a me admirar em saber que alguém perde
tempo lendo meus textos. Por isso que dou graças a Deus porque a maioria desses
textos estarem assinados com outros nomes.
Poucos são os textos que estão assinados por mim. Como me
achavam um estranho invadindo seara alheia; publicavam minhas histórias com
pseudônimos, quase sempre escolhidos pelos próprios editores. Não acreditavam
que um nome latino pudesse chamar a atenção dos leitores, acostumados que
estavam com as narrativas do gênero, sempre assinadas com nomes anglo-saxões.
Mas isso não o incomoda?
Afinal não era você que aparecia como autor.
Não. Na verdade nunca me incomodou, porque embora não
estivesse ali o meu nome “eu sabia” que era eu. E isso para mim era o que
bastava. Orgulhava-me de estar ao lado dos mestres do gênero: DOROTHY Sayers,
Conan Doyle, Agatha Christie...
Também os heterônimos foram uma constante nos meus textos e grande parte
de meus pocket-books estão assinados por eles e cada um com sua própria
personalidade, biografia, “foto” ou bico-de-pena retratando-os.
Uma contingência de quem “escreve para fora”: certa vez o
editor de uma grande revista mandou pedir-me uma história. “De terror” –
sublinhou, piscando o olho, o emissário. Eu estava, na ocasião, cheio de
serviço. Queria tempo. E perguntei: “Para quando?”. Imaginei que me dariam um
prazo de 15 dias, 20, um mês. O outro olhou para o relógio de pulso, pensou,
fez cálculo e disse: “Seis horas.”. Repeti esbugalhado: “Seis horas?!”
E, no entanto, ou melhor dizendo, o meu horror não tinha
motivo. O prazo fulminante é uma contingência literária do subdesenvolvido. E
por isso eu costumo dizer para mim mesmo: “Muito dura é a nossa profissão de
escrever para fora” Um estilista vai da primeira estrela da tarde á última da
noite, para escrever duas linhas. Depois de redigi-las, acorda toda a família
aos gritos:
-- Fiz duas linhas! Duas Linhas!
Complementando o meu raciocínio, li certa vez o que disse
Isaac Asimov: “Ou você é um escritor perfeccionista ou é um escritor prolifico,
mas não ambas as coisas. Leva tempo para polir as pequenas dificuldades e eu
não tenho esse tempo. Estou sempre ansioso pelo projeto seguinte.”.
E os pseudônimos,
os heterônimos? Sei que teve muitos.
Eu usava unicamente para assinar textos místicos como Shiwan
Khan, para assinar sobre magia e mágicas e que na verdade é o nome do
arqui-inimigo do Sombra. Haviam também os pseudônimos coletivos, que a Editora
Cedibra usava para assinar os pocket-books, estes prefiro não citar, a não ser
o Eric Von Zagreb que eu dividia com o meu amigo Perez Baçan. Essa editora, na
qual também trabalhei, não tinha nenhum respeito pelos seus autores. Esses
“pseudônimos coletivos” a que me referi , eram “marcas registradas” de
propriedade exclusiva da editora. O que significa que os textos assinados por
eles ficavam de propriedade da editora. Comigo aconteceu assinarem pockets com
os nomes: Vincent Lugosi, numa alusão direta a Vincent Price e Bela Lugosi;
Brian Stockler, numa derivação de Bram Stoker, o autor de ‘Drácula’. Mas o
maior descaramento mesmo ficou por conta de Peter L. Brady para assinar a minha
novela “O Exorcista do Demônio” que me foi encomendado a fim de aproveitar o
grande sucesso do livro e do filme “O Exorcista” de William Peter Blaty. Nesse
mesmo ano de 1974, o José Mojica Marins estava lançando o filme “Exorcismo Negro”,
tendo como base um roteiro de minha autoria, mas que não me foi creditado.
Essa profusão de
pseudônimos e heterônimos não causavam alguma confusão?
Já pareceram textos meus em antologias na qual sou citado
como um autor estrangeiro. Nem se deram ao trabalho de pesquisarem para
descobrirem que por trás daquele nome alienígena estava um brasileiro. Houve o
caso de uma revista portuguesa publicar um conto meu transcrito do ‘Policial em
Revista’. Só que foi inventada uma nota dizendo que “aquele conto fora premiado
num concurso em Londres”. Há também um fato curioso: uma história minha
apareceu assinada por Loretta Slavaski. Como imaginei tratar-se de mais um
pseudônimo criado pelos editores, e por acha-lo bonito e sonoro, cheguei até
repeti-lo num outro conto. Mas, mão imagina meu susto, quando, certa vez, ao
folhear uma revista deparei com esse nome assinando um conto! Levei cerca de
trinta anos para descobrir que Loretta Slavaski não era um pseudônimo que me
pertencia e sim o nome verdadeiro de uma escritora que realmente existia.
Também já aconteceu o inverso: estar o meu verdadeiro nome assinando textos que
não eram meus. Infelizmente, é como eu disse anteriormente, esse gênero de
publicação era feita sem nenhum cuidado editorial; foi exatamente por esse
motivo que esses erros ocorreram e não por eu estar usando mais de um
pseudônimo.
P.S. – depois de ter
dado esta entrevista ao Ivan Cardoso, descobri que o meu conto ‘O Crime da
Vitrola’ (posteriormente reescrito com o título de ‘Ventou Aquela Noite’, e não
republicado) publicado na revista ‘X-9’ com o nome de Helen Reilly, não se
tratava de um novo pseudônimo, como imaginava – uma vez, que, na maioria das
vezes eram dados pelos editores ou secretários de redação --, trata-se de uma
escritora norte-americana. Imagino que o texto de Helen Reilly deva ter saído
com um outro nome, porque não me lembro de havê-lo visto citado a não ser
recentemente, ao ler uma resenha de livros e ver seu nome mencionado como
autora de um livro “policial”. Agora, fico imaginando quantos nomes devem ter
saídos trocados nas revistas pulps.
E como é que fica
a sua cabeça vivendo tantas personalidades. Na verdade cada “autor” passar a
ser um desdobramento da sua personalidade.
Como você mesmo diz: sou obrigado a me desdobrar em várias
personalidades e isso agora, igualmente uma tremenda confusão no meu espirito,
uma vez que cada personalidade tem atitudes e pensamentos próprios. Dos quais,
muitas vezes não compartilho. Por exemplo, a “autora” Medora Field é uma
burguesa direitista! Duas coisas que nada tem a ver comigo.
E sua mulher, o
que pensa convivendo com uma pessoa com tantas personalidades diferentes? Ela
não fica baratinada, sem saber com quem está lidando?
Isso depende do trabalho que estarei escrevendo.
Mas como é que fica
a cabeça dela com toda essa confusão?
Talvez ela até se divirta com isso. A Tereza está casada
comigo há quarenta e três anos e deve me conhecer bem.
Será?
Vou perguntar a ela.
E os femininos?
Sei que usou também nomes femininos.
Os femininos, em sua maioria foram para assinar novelas de
horror e góticos. Segundo os editores, eles têm um certo fascínio sobre os
leitores. Talvez essa tradição tenha se iniciado no século dezoito com Clara
Reeve, autora de “O Velho Barão Inglês”; com Ann Radcliff, cujos romances
fizeram do horror e do suspense uma voga e Mary W. Shelley, com o imortal
“Frankenstein”.
E os pseudônimos?
Repetiu-se com os pseudônimos femininos o mesmo que
aconteceu com os masculinos. A Cedibra era uma editora sem um mínimo de
escrúpulo. O meu pasticho sobre Frankenstein apareceu assinado por Mary Shelby
e algumas novelas policiais, por Isadora Highsmith, numa alusão despudorada a
Patricia Highsmith, autora inglesa, na minha opinião muito superiora á Agatha
Christie. Esse tipo de liberdade era tomada á minha revelia, o que me obrigou a
deixar de escrever para essa editora, embora o que eu ganhava com esses
freelancers, ajudavam muito no meu orçamento doméstico. Mas nunca deixei de
escrever. O ato de escrever para mim é uma necessidade fisiológica. É um
exercício que pratico sempre, publicando ou não.
Por várias vezes
você tem se referido a revistas pulps. O que vem a ser pulp?
Sua origem remonta ás Dime Novels e nos folhetins. Eram
revistas impressas em papel produzido com a polpa das árvores, daí a origem da
denominação pulp. As histórias publicadas nesses magazines populares possuíam
uma característica muito peculiar que tem em Raymond Chandler sua melhor
definição: “nem sempre o enredo era o mais importante e sim, as cenas neles
descritas.” Realmente, ainda guardo muito vivas na minha lembrança cenas que li
há mais de cinquenta anos. Mas não me recordo quase nada dos seus enredos.
E no Brasil, quais
foram as revistas pulps?
Entre nós, elas circularam a partir dos anos trinta. Tivemos
muitas, porém as mais conhecidas foram: ‘Detective’, ‘Lupin’, ‘Mistérios’, ‘Suplemento Policial’, que mais tarde se
transformaria na ‘Policial em Revista’, ‘Contos Magazine’ e ‘X-9’. A que mais
durou foi a ‘X-9’, de 1941 a 1970. E elas também possuíam uma plêiade de
autores bem característicos: Maxwell Grant, Norman A. Daniels, George Bruce,
para citar apenas alguns. Mas, muitos escritores começaram publicando nas
pulps, como é o caso de Edgar Rice, Paul Gallico, Louis Lamour, são os que me
ocorrem no momento. Elas também possuíam uma extensa e memorável galeria de
heróis: ‘O Aranha’, ‘Detetive Fantasma’, ‘Doc Savage’, ‘Morcego Negro’ que
deveria dar origem ao Batman. E, na minha concepção, o maior de todos: ‘O
Sombra’. Eles povoaram meu universo juntamente com os seriados de rádio, cinema
e as histórias em quadrinhos.
E nos quadrinhos,
quais os seus heróis preferidos?
Brucutú, Agente Secreto X-9, Dick Tracy, Brenda Starr
Repórter, O Sombra (com exceção de quando ele ficava invisível), Tim e Tom, Dan
Dun, Bronco Piller, Jim Gordon, Capitão César, e algumas histórias do Fantasma.
Você não citou
nenhum super-herói.
Nunca gostei de super-heróis. A palavra “super” já me soa
antipática. Nessas histórias eu ficava penalizado com quem se opunha a eles.
Nelas, geralmente, os vilões eram uns pobres diabos.
Dê uma definição
de Literatura Policial.
O que entre nós se denomina de Literatura Policial, prefiro
chama-la de Detetive & Mistério, por que a denominação de policial se
subentende, histórias sobre a polícia* e a sustentação do gênero está na figura
do detetive amador cujas bases foram criadas por Edgar Allan Poe a partir de
1841 com sua trilogia ‘Os Crimes da Rua Morgue’, ‘O Mistério de Marie Roget’ e
‘A Carta Furtada’ na qual ele criou o detetive particular C. Auguste Dupin,
modelo de todos os outros. Não é muito fácil dar uma definição do gênero; mas
pode-se dizer que ele se desdobra na procura do esclarecimento de um mistério,
quase sempre um crime. O conto e a novela detetive & mistério não
investigam ou fixam o drama moral do crime, mas o drama do seu desenvolvimento,
de sua punição, de sua descoberta. Daí o conto e a novela detetive &
mistério serem tanto mais bem realizados, quanto mais intricados problemas
oferece ás suas soluções. O crime perfeito é o grande momento do gênero e,
pode-se dizer, o seu virtuosismo que é um exemplo extraordinário o livro ‘O
Caso dos 10 Negrinhos’, de Agatha Christie que foi filmado por René Clair e
exibido no Brasil com o título de ‘O Vingador Invisível’.
Concluindo: a literatura de Detetive & Mistério têm suas
normas; procurar fazer “melhor” do que elas pedem, significa “pior” e quem
procura “embelezá-la”, faz “literatura”, não romance de detetive &
mistério.
*Esse gênero denomina-se ‘Police Procedural’.
Você lê o que
escrevem a seu respeito?
Sim. E guardo também. Tanto os que falam bem como os que
falam mal. Mas nem um e nem o outro me influencia ou me envaidece. Escrevo
porque tenho necessidade de dizer as minhas verdades e imagino os que falam bem
porque gostam de mim e os que falam mal porque não gostam. Logo, não dou a
mínima nem para um e nem para o outro. Na verdade, é tudo inútil. Daqui a cem
anos nada disto existirá, o que acho uma maravilha. Porém, o Sol, a Lua e a
Terra, e as estrelas estarão exatamente como as vemos hoje.
Você evoluiu na
sua maneira de escrever?
Acho que a gente evolui em tudo quando se faz. Apenas o
fritar um ovo, fazer uma omelete requer prática. Meus livros com o meu nome são
um desastre. Já com nomes estrangeiros vendem muito. Sei de alguns que me
teriam enriquecido se os direitos fossem meus.
E não são?
Não. Porque esse tipo de livro escrito sob encomenda, os
direitos são cedidos totalmente.
Para encerrar. Me
dê dois exemplos: um de mistério e outro de terror.
Quer uma história de maior suspense e mistério do que a
nossa própria existência? Não estamos, por acaso, como aqueles personagens
ilhados numa grande mansão, aguardando quem será a próxima vítima do misterioso
“assassino da foice”?
A mulher, prestes a dar a luz, ao invés de entrar num
hospital, enganou-se e entrou num manicômio. Os loucos amarram-na á uma cadeira
e transpassam seu ventre com uma espada... no mesmo instante ouviu-se o grito
do feto.