Nádia
Lippi
Atriz
Você
atuou em dois filmes dos Trapalhões:
O Trapalhão na Arca de Noé e O Casamento dos Trapalhões.
Gostaria de saber como e em que circunstâncias surgiu o primeiro
convite para trabalhar como o grupo.
Tive,
sim, esse privilégio! O primeiro convite surgiu de um antigo desejo meu e
também – eu acho – porque estava mais próxima do Renato Aragão, pois minha
filha Thalita sempre foi amiga de Juliana, a filha mais nova de Renato. Foi em
meio a uma “crise trapalhona”,
quando eles se separaram. No elenco também teve Sérgio Mallandro, Fabio Villa
Verde e Gracindo Jr. Lembro bem que Renato se emocionava, com cada conversa
sobre a crise. E todos à volta falavam que era só mais uma crise, e assim foi. Fiquei
muito feliz, quando eles se reuniram novamente.
Quando
acontecia essas conversas sérias? Que Renato falava sobre o rompimento com
Dedé, Mussum e Zacarias?
Bem,
eu sei que posso classificar de papo sério, pois sempre começava, quando alguém
da locação ou do hotel ou do restaurante falava: “Oii, Didi. Cadê o Dedé? Vocês não podem se separar, hem!”
Ou, então, uma criança (elas amavam o Zacarias) dizia: “Oi, Didi... O Zacarias num tá aí? Ele tá de mal de você?”
Eu presenciava essas coisas. E, daí, eu via um Renato cabisbaixo, acho que
pensando na situação e no público principalmente, o infantil... Ele não
verbalizava nomes, e sim situações como essas, que traziam à tona a separação
recente e tão comentada pela mídia, ainda mais com dois filmes paralelos em
andamento.
Diziam
que Renato era mais ligado ao Zacarias e Dedé ao Mussum. Isso procede?
Acho
que não... ou eu nunca soube de fato. De personalidades mais parecidas, talvez
sim, pois Renato na vida real é contido, beira a timidez acredite; e o Mauro (Zacarias)
também era assim. E o Dedé e o Mussum eram duas crianças, quando juntos. E eram
de falar muito; e eu, que também sou, me divertia um bocado! Analisando assim,
talvez esses boatos fossem reais; mas não posso afirmar.
Renato
Aragão disse que O Trapalhão
na Arca de Noé foi inspirado em Os Caçadores da Arca Perdida,
de Steven Spielberg. Você se recorda dessa referência?
Sim.
Lembro bem, mas não acho que foi por esse caminho. Acho que se tentou; mas foi
para outro lado, talvez pela falta de recursos técnicos e a pressa. Sempre a
pressa.
Havia
pressa de entregar o filme e levá-lo ao cinema? A que tipo de pressa se refere?
Tempo curto para filmagem? Pouco dinheiro?
Nãooooo...
Nada disso... Apenas porque num set todos,
todos e sem exceção, todos sempre têm pressa! Mesmo um filme dos Trapalhões é regido
por um roteiro, com datas, custos, como qualquer produção. Tambem a
Mãe-Natureza contribui, pois ela pode surpreender com mudanças de clima
repentinas e, no caso do primeiro filme, com as famosas chuvas do Pantanal e
com a luz de sol que caía atrás das montanhas, lá na fazenda . Não dá pra fazer
uma mesma cena com minutos com sol e depois com sombra! Acho também que nenhum
filme brasileiro tem dinheiro demais! Ao contrário, sempre tem de menos, ou
pelo menos na minha época era assim. Tomara que hoje, com essa explosão do
cinema nacional e investidores, tudo isso tenha mudado! Renato com sua
produtora, a R. A. Producões, deu emprego a muitos na época da “seca” da Embrafilme! Pelo
menos, era o que eu escutava da equipe técnica no set.
Quais
são as suas lembranças dessa produção? Onde foi filmado?
Nossa...
eu tenho mil e muito divertidas.
Poderia
relatar algumas?
Filmamos
em Goiânia, numa pousada cheia de águas térmicas... e sapos!! Pode rir, pois eu
tenho trauma de sapos. E, à noite, o que mais tinha no caminho do bangalô em
que eu ficava até o hotel eram muitos sapos!!!! Lembro da equipe inteira indo e
vindo entre sapos... E também me marcou muito a cena em que eu estava sentada
na porta de um avião lá no céu, amarrada por trás pelas costas, enquanto outro avião
nos filmava. Eu fazia uma paraquedista (eu morria de medo). É claro que havia
uma paraquedista de verdade. Na hora do salto, ela tomava meu lugar. Thalita
estava comigo nessa locação, e foi bem legal. Depois, fomos para o Pantanal, o
que foi uma realização pra mim, que não o conhecia. Ficamos acho eu num lugar
chamado Fazenda Santa Rosa. Uma fazenda à qual só se chegava de avião
(hidroavião) ou barco. Os caminhões de equipamento demoraram semana pra
chegarem lá. Era um lugar lindo e tinha de tudo... Mas também havia grades nas
janelas dos bangalôs, por conta de onças; e telas, por conta de bichos como cobras,
aranhas etc. A comida também era típica... sopa de piranha, espeto de paca,
galinha do mato. Nas filmagens, eu usava um mosquiteiro por debaixo do chapéu,
por conta dos mosquitos. Eu sou alérgica a mosquitos. Enfim, era tudo muito
engraçado. Fui e voltei de avião “pequenino”
com Renato e me divertia porque os dois tinham medo do avião!! Lugar incrível.
Filmagens pelos rios cheios de piranhas... mas foi maravilhoso tudo! Nossa,
falei demais!!
Os
filmes dos Trapalhões sempre
foram um sucesso de público, O
Trapalhão na Arca de Noé teve um
público aproximado de 2.850.000 pessoas. Como eram as expectativas
diante desse filme?
Acho
que muita gente queria saber como era o Didi Mocó sozinho. A mídia alardeou
muito a separação deles! Daí, eu acho que a expectativa não era só de crianças
que os acompanhavam... e sim das famílias inteiras. Devido à separação.
Como
foi para você estar no meio dessa separação? Como se envolveu ou procurou se
afastar dessa polêmica?
Eu ?
Não, eu não participei, não... Longe disso. Apenas fui chamada pra fazer o filme
de Renato sozinho. Aliás, eu tentava nem falar sobre isso. O público é que puxava
isso à tona. Longe de mim me envolver. Até porque, como era um casamento essa
parceria, eu lembrava-me sempre do ditado popular que diz: “Em briga de
marido e mulher, ninguém deve meter a colher.” Mas
foi só uma crise... que passou rápido, ainda bem pra todos nós !
Esse
filme foi feito durante a separação dos Trapalhões, que
durou apenas seis meses. Dedé Santana, Mussum e Zacarias fizeram o filme Atrapalhando a Suate.
Havia competição entre os dois filmes?
Não
chamaria de competição. E sim de tristeza, que detonava um processo de mostrar
que um não precisava dos outros e vice-versa. Eu sempre tive amizade e muito
carinho por todos e não estive com Dedé, Mussum e o Mauro. Mas sei que ninguém
estava feliz. Casamento antigo e parceria de décadas. Foi só uma crise
conjugal.
Houve
mesmo uma competição nesse período?
Competição
eu não diria, mas uma tentativa de mostrar que poderiam se sair bem sozinhos,
sem a parceria. Numa hora dessas, as pessoas ficam “mordidas”; mas lá no fundinho
acredito que batiam incertezas!
Como
sentia o desempenho de Renato Aragão durante as filmagens? Estava abatido, triste,
com a separação?
Renato
nunca é ou era triste. Ele é alto astral sempre. Mas nos papos mais sérios a respeito,
ele se emocionava. Os olhos dele iam pra longe, ao falar sobre o assunto. Fiquei
feliz demais, quando soube da volta!!
Podemos
classificar como tristeza e não raiva o que Renato sentia?
Raiva
nunca sentiu mesmo! Talvez incompreensão, surpresa da situação.
Fale
sobre o trabalho do diretor Del Rangel, nesse filme.
Del
sempre muito calmo e muito atencioso. Ele sabia exatamente o que queria; e eu
só o via irrequieto, quando algo não dava certo em relação ao lugar. Porque, ao
filmar em locação, você tem interferências da natureza. Era um tuiuiú que gritava
demais. Eram mosquitos que entravam na frente da lente. Mas coisas normais de
qualquer set.
Você
trabalhou com o ator Carlos Kurt. Como foi trabalhar com ele?
Nossa!
Eu o conhecia desde criança! Um lorde inglês. Educadíssimo, um verdadeiro gentleman e muito
ligado a cada gesto! Um grande ator que fez carreira também colada à do Renato.
Lembro-me bem dele nos sets e
também o achava tímido. O vilão que ele sempre fazia não existia na vida real.
Renato
Aragão tem como característica o perfeccionismo no seu trabalho. Ele acompanha
todos os detalhes do filme. Como foi trabalhar com ele?
Renato,
pra mim, sempre foi amigo mesmo. Quando filmávamos juntos, era sempre ele que
passava na minha casa pra me pegar. Então, além das filmagens, tínhamos tempo
de papear no trajeto. E eu até frequentava a casa dele como amiga!
O Casamento dos Trapalhões foi
baseado no filme Sete Noivas
para Sete Irmãos, de 1954. Como surgiu,
depois de cinco anos, o convite para trabalhar com o grupo?
Hum.
Esse filme foi incrível de fazer. Mas, quanto ao convite, vamos lá. Nessa época,
eu já estava afastada da tevê, mas a amizade continuava. Na época, escutei que
quem iria fazer o filme na verdade era a Regina Duarte mas que acabou não
podendo. E, aí, sobrou pra mim. E amei. É claro!!! E até me senti lisonjeada,
por ter sido a substituta.
Nesse
filme você faz o papel da mocinha principal, par com Renato Aragão. Quais as
suas recordações desse trabalho?
Uau!
Esse filme foi uma mega produção e uma alegria! O clima era absurdamente contagiante,
pois, além de Renato muito feliz, Mussum, Dedé e o Mauro. Nossa! Que fase linda
deles.
Eu
ria muito; e a equipe, os atores, todos nós tivemos um real “casamento”. Parecia que
tudo dava certo de primeira, não havia clima ruim. E as cenas eram verdadeiras terapias.
Cada uma delas era curtidíssima! Filmamos também no estúdio onde foi montada
uma cidade!! Um luxo de produção... Um banho mesmo! Foi um mês, eu acho, de
muito prazer. E, no final das filmagens, teve um mega churrasco lá em
Paciência, na Zona Oeste, onde filmávamos. Deixou muita recordação pra nunca esquecer.
Nunca mesmo! Uma aula de convivência em set!
Renato
sempre comemorava com churrasco a finalização de seus filmes?
Acho
que não. Esse churrasco foi oferecido pelo dono da fazenda, que, pra minha tristeza,
matou um boi bem ao lado das filmagens. E eu presenciei... sem querer. Fiquei bem
mal, até! Nem consegui comer. Coisas da vida, eu sei. Mas me chocou. Nos dois
filmes que fiz, só esse teve essa celebração. E eu até levei meus filhos para
conhecerem os garotos do Dominó.
Ele
foi filmado em qual fazenda?
Não
me lembro o nome, mas era em Paciência. E garanto-lhe: era um lugar de sonho e
bem pertinho aqui do Rio.
Fale
sobre o trabalho do diretor José Alvarenga Júnior, nesse filme.
Bem...
o Alvarenga é muito gente boa. E como diretor não foi diferente. Entrou no
clima do quarteto alegria e se divertia muito também. Aliás, ele fez do set uma festa. E tinha,
sim, que brigar com a gente em cena, porque às vezes o riso não dava pra ficar
preso. Foi muito legal trabalhar com ele. Eu amei!!
Nesse
filme, você trabalhou, pela primeira vez, com os quatro integrantes juntos. Como
foi a sua relação de convivência com os quatro atores, durante o período de
filmagem?
Comparando
com a experiência do anterior, tudo foi mais intenso!! Aprendi muito com cada
um. E definiria assim: com Renato, a obstinação e a responsabilidade para com o
público infantil; com Zacarias, o profissionalismo e a capacidade de se
transformar em segundos; com Dedé, doçura e um lado infantil que dava vontade
de pegar no colo; com Mussum, uma lição de alegria constante e amor à música!! Quatro
pessoas, quatro personalidades que se entrelaçavam em nome de um trabalho. Lições
pra vida !
Muito
se fala que havia ciúmes entre Os
Trapalhões. Chegou a detectar isso?
Ciúmes?
Claro que não! Eles competiam, sim; mas na dedicação e na graça!
Esse
foi um dos últimos filmes dos Trapalhões
em sua formação original. Você tinha
planos de continuar a filmar com eles? Apareceram outras oportunidades?
Não.
Planos nunca fizeram muito parte da minha vida. Vivo um dia de cada vez, pois
acho o viver uma bênção divina! O que vier eu traço com a maior gana! Adoro
viver, pra poder usufruir o que a vida me manda de presente!
Quais
são as suas lembranças de trabalho com o grupo Dominó nesse filme?
Nossa!
Meninos encantadores, cada um com suas características. Afonso era um cavalheiro.
Aliás, todos. Nill era o mais espivetado. Todos umas graças e com talento. Não
entendo porque pararam e até gostaria de saber deles.
Como
era a convivência com a equipe (técnicos, atores etc.) fora do set de filmagem?
Ah... eu sempre fui
chegada ao pessoal... simples e super profissionais. Sempre
me dei bem com todos, não só nesse filme, como na TV Tupi, na TV Globo, na
TV Manchete e por onde trabalhei. Eles são os responsáveis por tudo que vai pra
frente das lentes das câmeras. Como não respeitar e valorizar cada um?
Percebia
algum tipo de intimidação por parte de alguns atores diante do quarteto?
Nunca...
Eles faziam de tudo para que isso não rolasse. O quarteto era sabedor de uma
magia que igualava todos... sempre. Não eram “estrelas”!!
Você
mantinha contato com eles, após os trabalhos? Fez amizade com algum deles?
Eu
era mais chegada ao Renato. Mas acabei também me afastando, pois a vida me
mandou pra outro lado. Reencontrei-me há pouco tempo com Marta, a primeira esposa
de Renato e foi uma alegria... Mas, fora isso, nunca mais tive contato algum. Lamentei
muito a partida de Mauro e depois de Mussum... Mas tenho certeza de que, seja
lá onde estiverem, eles ainda se lembram de mim. Os quatro sempre foram um
presente pra mim!