segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Os Trapalhões: Mário Cardoso


Mário Cardoso
Ator


Como surgiu o primeiro convite para trabalhar com Os Trapalhões? Ele se deu devido ao seu trabalho na telenovela Escalada (TV Globo, 1975), na qual interpretou o personagem Ricardo?
O primeiro convite partiu de um produtor de cinema. Ele produziu ...E as Pílulas Falharam, que seria o meu primeiro trabalho como ator. Só que esse filme foi lançado bem depois. Esse produtor foi fazer a produção de Robin Hood, O Trapalhão da Floresta (1974), com a dupla Dedé & Didi, e me sugeriu para o filme. Aí, começou tudo. Escalada foi bem depois, foi meu começo na tevê.

Quais as suas recordações do filme Robin Hood, O Trapalhão da Floresta?
As recordações são ótimas. Tudo novo, tudo desafiador, medo, vontade de acertar, adrenalina a mil, a satisfação de trabalhar com Dedé & Didi. Revi o filme; e isso me trouxe lindas recordações, principalmente por ter sido o primeiro filme, o primeiro trabalho maior.

Recorda-se onde essa produção foi filmada?
Lembro que filmamos no Parque Laje, em Furnas (RJ); mas não me lembro do local do casarão. Afinal, já se passaram muitos anos. E, depois de tantas outras locações, a memória me trai. E a sinopse do filme não me identificou todas.

Lembra-se de algum fato curioso nesse filme?
Acho que o mais curioso é que fui dublado nesse filme. A voz não é a minha. Na época, não tínhamos um bom som direto; e os atores se dublavam. Como eu estava começando, acharam melhor me dublarem, sem me consultar. E o mais curioso é que trabalho com dublagem há uns vinte anos. O ator André Filho, que dublou, entre outros, o sr. Hart da série Casal 20, foi quem me dublou.

Em seguida, você fez O Trapalhão na Ilha do Tesouro, filme baseado no livro A Ilha do Tesouro, escrito pelo britânico Robert Louis Stevenson (1850-1894) no ano de 1883. O curioso do livro é que foi o primeiro a mencionar os famosos símbolos da pirataria: o mapa, o “x” como marca de tesouro enterrado e o pirata como detentor de um papagaio e de uma perna-de-pau. A ideia era seguir à risca essa história?
Esse filme foi feito em 1974, e é claro que a trama central, a história original, serviu de base para a sua realização. Mas a adaptação foi livre, no sentido de inserir Dedé e Didi em outro espaço e tempo.

Esse filme contou com a participação da atriz baiana Zeni Pereira, que foi a primeira a interpretar a personagem Tia Nastácia. O fato aconteceu na primeira versão para televisão de O Sítio do Pica-Pau Amarelo (TV Tupi, 1952). Outro papel marcante de sua carreira foi a personagem Januária em Escrava Isaura (TV Globo, 1976). Quais as lembranças que possui dela?
A saudosa Zeni foi minha grande incentivadora nesse meu começo de carreira. E tive o privilégio de voltar a trabalhar com ela em Escrava Isaura, grande trabalho dela. Cheguei a combinar com ela de que, quando eu fosse pai, ela seria a madrinha. Mas, quando isso aconteceu, estávamos longe um do outro. E, logo depois, eu soube de sua passagem. Eu a considero minha madrinha na televisão. Ela fez força pra eu entrar na tevê. Mulher forte, positiva, autêntica e companheira... Aprendi muito com ela. Desejo amor e luz no caminho dela.

A Ilha das Cabras (onde está o tesouro) descrita no filme é, na realidade, a Ilha de Jurubaíba, local pertencente ao estado do Rio de Janeiro. A gravação foi realizada realmente ali?
Sim. Foi nessa ilha e em Itacuruçá. O veleiro era o Cruz Mar, que, na época, era o maior de sua categoria e que fazia passeios de Itacuruçá até Angra dos Reis.

Lembra de algum fato curioso nesse filme?
São muitas curiosidades nos filmes com os Trapa, mas uma cena marcou por ter causado uma certa preocupação a todos e a mim principalmente. A cena era no convés do veleiro e foi marcada para que o Dedé me pegasse na murada depois de uma briga. Ele teria que me segurar por uma mão do jeito que se segura no circo, no trapézio, só que não deu certo e tchibum... Mário na água. Tudo bem se não fosse a correnteza da entrada de alto-mar. Foi muita adrenalina e expectativa, até me resgatarem. Fui pescado literalmente.

Como é comum nos filmes dos Trapalhões, nas cenas com tiros dificilmente alguém é atingido. Mas, nesse filme, o pessoal exagerou um bocado. Na cena no trilho do trem, os bandidos (alguns deles são chineses) disparam inúmeras vezes em Zé Cação, Lula e Carlos. Sempre a uma distância mínima e não acertam um tiro sequer neles! Como analisa isso?
Os chineses deviam ser míopes. Não se esqueça de que era um filme infantil; e o que vale nesse tipo de filme é o movimento do bem contra o mal e não a violência real. A situação tinha que ser irreal mesmo. Em vários filmes americanos bem violentos, vemos isso toda hora: passam bom tempo atirando e explodindo, muitas vezes sem ferir ninguém.

Você trabalhou em filmes em que ainda não tinham nem Mussum e Zacarias. Em algum momento, surgiu a possibilidade de se tornar um terceiro Trapalhão?
Os dois primeiros filmes citados anteriormente, ainda não eram os quatro Trapalhões. Mas nunca me passou pela cabeça ser um dos Trapalhões, até porque eu sempre fazia o mocinho que disputava a mocinha com o Didi, marca registrada dos filmes dele. E também porque o “galã” dos Trapalhões sempre foi o Dedé.

O Rei e os Trapalhões foi baseado no filme britânico O Ladrão de Bagdá (1940), uma refilmagem de um filme mudo americano realizado em 1924 e estrelado por Douglas Fairbanks. Ambos os filmes foram inspirados na obra As Mil e Uma Noites. Os Trapalhões sempre faziam paródias de filmes. Que acha dessa linha que eles seguiram?
A marca registrada deles sempre foi parodiar todas as situações. E sempre de uma forma ingênua e cômica. Não tinha como fazer um filme sério com eles. Nós nos divertíamos muito trabalhando. O protocolo e o roteiro eram sempre quebrados.

A produção foi filmada parcialmente no Marrocos. Quais as suas lembranças dessa produção?
Tive o privilégio de fazer os dois filmes internacionais deles (filmados no Marrocos e Estados Unidos). Mas essa produção foi atípica. Aí, já estavam os quatro Trapalhões. Dá para imaginar as condições de se filmar lá, no mês do Ramadã? Tivemos todo o tipo de dificuldade para filmar lá, desde falta de autorização do local que queríamos filmar, porque cada aldeia tinha uma espécie de chefe que tinha autonomia para decidir, invalidando a autorização da capital. Foram vinte e oito dias em Marrakech, para filmarmos quatro ou cinco dias. E acabamos criando o deserto nas dunas de Cabo Frio (RJ). Foi um aprendizado: outra cultura, outro mundo... Grandes recordações.

Conta-se que as filmagens ocorreram durante o mês árabe do Ramadã, o qual, pela religião islâmica, é dedicado ao jejum e fica proibido o consumo de bebidas alcoólicas. No entanto, nos bastidores do filme, o Mussum, convidou todos a beber. É verdade?
As dificuldades foram muitas para podermos filmar, mas aproveitamos ao máximo essa viagem. E uma das muitas risadas que demos foi ver o Mussum tentando convencer o barman do hotel a servir uma cervejinha depois das dez horas da noite, o famoso “mé”. Ele não falava nem Francês e muito menos Árabe. Era cômico.

Carlos Kurt fez papel duplo: além de Jafar, interpretou o detetive Azevedo no futuro. Assim como ele, Dino Santana e você também interpretaram dois personagens cada um. Gostaria que falasse sobre Kurt e Dino Santana, sempre presentes na filmografia dos Trapalhões.
Eles faziam muito bem o papel de bandidos, fazendo o contraponto dos Trapalhões. Isso tanto na tevê como nos filmes e shows que faziam pelo Brasil todo. Eram os fiéis escudeiros dos Trapalhões.

Seu último trabalho com os Trapalhões foi em Os Saltimbancos Trapalhões, considerado um dos melhores trabalhos do grupo. Quais as recordações desse trabalho?
Esse foi o inverso do de Marrocos. Foram vinte e oito dias em Los Angeles, com muitas cenas nos estúdios da Universal Pictures. Foi um passeio/trabalho turístico. Com diretor e técnicos americanos. Aprendemos muito.

Lembra de algum fato curioso nesse filme?
Sempre são muitos fatos. Mas uma curiosidade foi encontrar, de manhã cedo, na hora do café, o Dedé. O hotel ficava nos estúdios da Universal. Ele tentava conversar com o ator Telly Savalas, que ficou muito conhecido do público brasileiro por interpretar o Kojak, numa série de tevê. O Dedé se apresentava e pedia um autógrafo ao Telly Savalas, mas por mímica. Aí, interferi e deu tudo certo. Foi hilário.

Gostaria que falasse o que representou para você trabalhar com Os Trapalhões, que carregaram, por muito tempo, o cinema nacional nas costas.
Além de ter sido o marco para o meu início de carreira, representou o reconhecimento do público infantil, que era o carro-chefe deles. Tive esse privilégio de trabalhar com uma turma que trabalhava brincando, com o humor em alta. Não havia estresse, todo o grupo interagia de forma positiva. Fizeram sucesso na tevê. E os filmes nacionais naquele momento não tinham muita aceitação, e os dos Trapalhões bombavam.

Quem era o maior comediante do grupo?
Acredito que cada um deles tinha o seu tipo de humor e o seu tempo de comédia. Mas as tiradas do Mussum eram impagáveis. Ele era muito gaiato.

Renato Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo?
Sempre foi perfeccionista no seu trabalho, e tudo tinha sua aprovação. Como eles aproveitavam todas as situações quando iam gravar uma cena, apesar de haver um texto e um roteiro, muitas das vezes essas cenas eram adaptadas, incluindo novas piadas em cima da hora. Aliás, isso foi o maior motivo de dúvida dos americanos, voltando ao trabalho realizado em Los Angeles. O diretor de lá queria um roteiro pronto pra ser executado, e o Didi queria mudá-lo a todo instante. Por força dessa criatividade dos Trapalhões, os americanos ficaram loucos.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Talvez por serem comerciais, por serem inocentes e sem conteúdo intelectual, talvez pelas altas bilheterias que incomodavam alguns. Quem vai saber? O sucesso do Didi incomodava. Mas a criançada gostava. E é isso que conta. O resto é o resto.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Lúdico, humor inocente e descompromissado politicamente com qualquer facção, com público bem característico e bem definido.

Qual era o diferencial de Renato, Dedé e Mussum?
Três humoristas de características diferentes, mas com uma só finalidade: o entretenimento. Didi introspectivo, Dedé descompromissado, Mussum o gaiato... E o Zacarias, não posso deixar de falar dele, era um doce de pessoa. Era a fórmula perfeita.

Gostaria que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha presenciado como testemunha ocular.
Os fatos desconhecidos continuarão desconhecidos, por serem particulares e pessoais. Cada um tem o seu livre-arbítrio de abrir ao público ou não, e não serei eu que os divulgarei. Não seria ético. Mas uma curiosidade, não tão curiosa assim, mas verdadeira e que sempre presenciei: o brilho intenso nos olhos infantis, quando se deparavam com Os Trapalhões. Isso é impagável