sábado, 30 de março de 2013

Carla Fioroni

Carla Fioroni é atriz. Tem em seu currículo grandes sucessos teatrais, como ‘Trair e Coçar É Só Começar’, onde interpretou a hilariante empregada Olímpia por seis anos e meio. Iniciou sua carreira na televisão em 1997, na telenovela ‘O Amor Está no Ar’, da Rede Globo.
 
O que te faz aceitar participar de produções em curta-metragem?
Em primeiro lugar a proposta do trabalho, procuro analisar o roteiro, os profissionais envolvidos e se o trabalho condiz com o meu momento artístico. 
 
Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Eu acredito que é uma questão de tempo até que isso ocorra, agora com a internet, as redes sociais, a possibilidade de divulgação dos trabalhos cresceu absurdamente. É preciso sim produzir bons, ou melhor excelentes curtas, para que cada vez mais pessoas se interessem por eles, neste caso a qualidade é fundamental, e será decisiva neste processo de divulgação e reconhecimento por parte das outras mídias, as mais tradicionais.   
 
Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Acho que em parcerias com grandes empresas de entretenimento. Os cinemas, os teatros, a própria TV... é possível buscar parcerias! Já pensou que legal, se antes do meu espetáculo começar, o público pudesse assistir um curta bem bacana! Seria incrível para todo mundo!  
 
É possível ser um cineasta só de curta-metragem? Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa...
O cineasta como todo artista, dificilmente fará uma coisa só... acredito ser da natureza do fazer artístico ser multifacetado, assim naturalmente os cineastas  acabam se envolvendo em vários projetos. O que acho maravilhoso.
 
O curta-metragem é marginalizado entre os próprios cineastas?
Eu espero que não!!!Mesmo!!
 
Pensa em dirigir um curta futuramente?
Com certeza, na verdade já atuei em vários curtas, mas há um bom tempo quero fazer algo meu... assim que outros compromissos permitirem farei um curta meu.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Roberto Alvim

Roberto Alvim é dramaturgo, diretor e professor de Artes Cênicas. Lecionou Dramaturgia e História do Teatro em instituições como a Universidade de Córdoba, a ELT - Escola Livre de Teatro (SP), a CAL - Casa das Artes de Laranjeiras (RJ), a SP Escola de Teatro, além de ministrar oficinas em diversos Estados do Brasil, a convite do Ministério da Cultura - FUNARTE. Foi o primeiro autor brasileiro publicado na mais importante coleção de dramaturgia contemporânea europeia, a Les Solitaires Intempestifs, em 2005.
 
O que te faz aceitar participar de produções em curta-metragem?
O roteiro. É preciso identificar no roteiro questões estéticas que sejam relevantes, que sejam constitutivas. É preciso perceber que se trata de uma visão de mundo singular, que não ecoa idéias e formas hegemônicas.
 
Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Não sei, mas acredito que sites e blogs devem cobrir essa lacuna.
 
Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Devem ser postos na Internet, para serem acessados livremente por quem se interessar; devem ser apresentados em programas de TV, especialmente voltados para dar visibilidade a esta produção; devem ser exibidos nos cinemas, em mostras e festivais.
 
É possível ser um cineasta só de curta-metragem? Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa...
Se o artista perceber que este suporte é o que melhor traduz suas idéias, então deve-se ficar nele, por que não? Analogamente, existem grandes escritores que dedicaram suas vidas ao conto, sem nunca escreverem romances.
 
O curta-metragem é marginalizado entre os próprios cineastas?
Não sei, mas se for, trata-se de uma idiotice, pura e simplesmente. Grandes obras de arte podem ser feitas em qualquer mídia ou formato.
 
Pensa em dirigir um curta futuramente?
Não; meu suporte é o teatro.

terça-feira, 26 de março de 2013

Monica Carvalho

Monica, seu inicio profissional foi como modelo, aos 13 anos. Você foi convidada para ser garota propaganda de uma marca de bronzeadores. Pode nos contar como foi esse momento?
Eu sempre quis ser atriz, e trabalhar como modelo me ajudou no percurso. Até porque nunca fui de passarela, não tenho esse biotipo, sempre fiz comercias e campanhas de foto. Esse convite surgiu quando eu estava na praia e uma modelo bem famosa da época me viu e me chamou para esse comercial, que foi do bronzeador sol de verão. Ela me achou a cara do verão, estava bem morena. E daí comecei a fazer outros comercias, mas sempre tive meu foco como atriz.
 
Logo em seguida realizou outras campanhas publicitárias, sua beleza sempre foi uma aliada para o seu trabalho. Como analisa isso?
Eu acho que a beleza abre portas sim, mas o que mantém a pessoa no caminho é esforço, dedicação e estudo. Nunca se esqueça que vai existir sempre alguém mais jovem e tão bonita quanto você. Então, o que vai manter você no mercado de trabalho é ter algum a mais e não só um rostinho bonito sem conteúdo.
 
Após esses trabalhos você entra para o casting da Ford Models, um dos mais concorridos do mundo. Como foi isso? Quais as lembranças desse período
Eu realmente entrei na agência Ford Models, mas sempre trabalhei com comercias. Como disse, não tenho altura para passarela, e aproveitei bastante as oportunidades que tive, e fiz trabalhos bem bacanas.
 
Em que momento da sua vida você decidiu na carreira de artista de televisão?
Eu sempre tive meu foco na carreira de atriz, então paralelamente eu sempre procurei fazer meus cursos, pois não tinha ideia de como entrar na TV. Então fui estudar. Mas quando eu tinha 6 anos, eu disse a minha mãe que iria trabalhar na televisão. E sou muito persistente quando quero alguma coisa.
 
Você fez cursos de teatro na Faculdade da Cidade e na Casa de Arte das Laranjeiras (CAL), chegando até a estudar interpretação até em Nova York, cidade onde residiu. Qual a importância de fazer esses estudos na sua carreira profissional?
Eu acho que quando você escolhe uma profissão tem que estudar para entender, e ser ator é um estudo permanente, observação sem críticas e ler muito, de tudo um pouco. E quando você entende o que está fazendo, se sente seguro para fazer o seu melhor.
 
Só a vocação não basta para se tornar uma grande atriz?
Vocação é meio caminho, mas trabalhar com arte exige amor à profissão. Não é só glamour como as pessoas pensam, e acho que a vaidade é um grande pecado na nossa profissão. Acredito que quanto mais humilde somos, mais os sentimentos podem aflorar dentro da gente. E ser ator é sentimento puro.
 
Sua estréia profissional viria só em 1993, na peça ‘O Brasil de Cuecas’, como foi esse trabalho?
Essa peça foi uma comédia. Fiquei pouco tempo fazendo, pois logo fui convidada para fazer História de Amor. Acho que teatro sempre é valido, experiência conta muito.
 
Sua projeção nacional da-se nesse mesmo ano onde se destacou participando da abertura da segunda versão da novela Mulheres de Areia. Como foi lidar que essa repercussão?
Foi muito bacana, afinal sempre procurei fazer trabalhos que tivessem o reconhecimento do público, e uma hora acontece. Acho a abertura linda, trabalhei com Hans Donner, e a partir da aí fui fazer a oficina da Globo.
 
Em 1994 você passou pela Oficina de Atores da Globo. Qual é o diferencial dessa oficina em relação ás outras instituições que você estudou?
A diferença é que você trabalha a prática, exatamente como se faz novela. O curso é muito bacana, e dali podemsurgir as oportunidades. Você aprende um pouco de tudo, como dança, voz, entende de câmera e é só fazer bem que a oportunidade vai surgir.
 
‘História de Amor’ e ‘Chocolate com Pimenta’, foram algumas das telenovelas que você trabalhou. Essas novelas eram sempre no período das 18h-19h, que são, de certa maneira, menos “nobres” pelo fato de o sonho dos atores é trabalhar na novela das 21h. Como era isso pra você?
O meu sonho sempre foi fazer televisão, novelas... A novela que mais amo passou às dezoito horas, que foi escrava Isaura. E ser ator pra mim é independente do horário e sim fazer o seu melhor. Se é novela das 18h, das 19h e das 21h é indiferente. Ser ator é muito maior que qualquer rótulo.
 
Em‘Malhação’ você tem duas passagens. A novela é um laboratório para atores mais jovens mas a crítica enxerga que para atores com mais lastro, é depreciativo. Como analisa isso?
Não enxergo dessa forma, até porque se a TV fizer um programa só com atores iniciantes corre o risco de não segurarem a onda pela falta de experiência. E ter a troca com atores que já admiramos pelo talento é fundamental.
Seu maior papel na televisão foi como a Socorrinho em Porto dos Milagres?
Foi o personagem mais popular sim, mas não o maior.Novela das oito sempre tem a personagem sensual e engraçada, e a Socorrinho era assim. Então mexeu com o inconsciente coletivo pela sensualidade e inocência, mas eu tive a Clara, a mudinha de ‘Corpo Dourado’, que foi um aprendizado, e na época recebi muito elogios, foi um desafio. Sempre amei meus personagens.
 
Na Rede Record trabalhou nas novelas Cidadão Brasileiro e Caminhos do Coração.como foi encarar outra dinâmica de trabalho após anos na Rede Globo?
Vejo meu trabalho com muito amor, e me preocupo com minha atuação. Trocar de emissora só me dámais segurança profissionalmente falando, porque realmente é outra dinâmica. E posso falar por que já trabalhei nas três emissoras fazendo novelas, então isso me dá mais experiência. Mas meu trabalho é atuar e estando em qualquer emissora sempre vou fazer meu melhor.
 
A Record tem uma meta de atingiar a excelencia de produção em telenovelas. Você trabalhou na emissora, acha que eles podem chegar lá?
Claro que acho, acredito em trabalho e dedicação. A Globo é pioneira, mas nada impede de termos outras emissoras fazendo tão bem quanto, afinal somos os primeiros do mundo em termos de teledramaturgia, fazemos novelas como ninguém.
 
Você teve uma passagem também pelo SBT, onde fez a vilã Nara Paranhos de Vasconcelos na novela Uma Rosa com Amor. Como foi esse trabalho e como foi trabalhar na emissora?
Tenho autonomia sobre minha vida profissional, e se tem um bom personagem eu aceito. Foi a minha primeira antagonista, queria saber como era ter o peso de levar uma novela, afinal o vilão é que mexe com a história, é a peça chave para movimentar a novela. Eu adorei trabalhar lá, é bem familiar porque só tem uma novela, um produto, então é bem leve.
 
Realizou ensaios sensuais, sendo três vezes capa da revista masculina Playboy em maio de 1993, em julho de 2001 e fevereiro de 2008, além da Sexy em setembro de 1994. Poucas atrizes tiveram a oportunidade de posar para as duas revistas. Você se considera um simbolo sexual?
As fotos são lindas e de bom gosto, agora a revista Sexy, quando eu fiz não era nu. Eu fiz um seminu para a revista, um ensaio bem bacana. Ter rótulos é legal, você se sente lisonjeada , mas eu não me preocupo com esse tipo de elogios, quero muito mais.
 
A maioria dos seus papéis estão ligados á sua beleza, feminilidade e/ou sensualidade. Por que os diretores “exploram” o seu biotipo? Como se sente fazendo esses papéis?
Difícil seria não fazer um personagem com feminilidade, afinal sou mulher, não tem como não ser feminina. Agora discordo do uso da sensualidade explorada, meu primeiro personagem, a Neuzinha, de História de Amor, era empregada, usava roupas abaixo do joelho e vivia de coque. A Clara era uma menina e não explorava a sensualidade. A Maura era uma dona de casa com saias longas e largas. A Socorrinho, sim, explorava a sensualidade, porque o personagem era assim. Meuúltimo personagem, a Glória de ‘Fina Estampa’, não era sensual, era apenas uma mulher bonita. Agora eu, Mônica Carvalho, sou uma mulher naturalmente sensual, mas posso aflorar ou me despir dessa sensualidade, dependendo do personagem. Isso não me preocupa, se meu personagem for sensual, vou explorar ao máximo isso. Como disse,meu foco é na criação do autor, no que ele quer do personagem. E eu faço sem pudor.
 
Sua participação no cinema é tímida, em 1998, atuou em ‘Drama Urbano’, de Odorico Mendes. O filme permanece inacabado. Como foi o trabalho nessa produção?
Eu fiz. Que pena que ficou inacabado, e fazer cinema é meu sonho. Espero que apareçam mais convites.
 
Pretende trabalhar mais em cinema?
Como disse estou à disposição, adoro cinema e pretendo trabalhar muito em TV, cinema...
 
Para finalizar, gostaria de saber de você o que é preciso para vencer na profissão.
Persistência, vontade, vocação, enfim, querer muito, afinal devemos materializar nossos sonhos.

sábado, 23 de março de 2013

Ivo Müller

Ivo Müller com Mayana Neiva no curta "O Tempo que Leva" (em finalização). Foto de Lucas Barros.
 
Ivo Müller é ator, tradutor, produtor e dramaturgo. ‘Tabu’, longa-metragem de Miguel Gomes (Portugal/Brasil/França/Alemanha) e o curta ‘Dicionário’, de Ricardo Weshenfelder são alguns dos trabalhos que ele realizou no cinema.
 
O que te faz aceitar participar de produções em curta-metragem?
Um roteiro que surpreenda já na primeira leitura, uma boa proposta de produção e direção. Acredito no trabalho coletivo.
 
Conte sobre a sua experiência em trabalhar em produções em curta-metragem.
Comecei fazendo curtas, antes de decidir ser ator profissional, antes de fazer teatro. Fiquei um tempo me dedicando ao teatro e nos dois últimos anos tive a chance de voltar a fazer curtas. Posso falar dos dois últimos: o "Dicionário", do Ricardo Weschenfelder e "O Tempo que leva", da Cíntia Domit Bitar. O primeiro, baseado num conto do poeta Lindolf Bell, feito em P&B, com uma pegada de realismo fantástico, ousado. O segundo ainda não ficou pronto, é uma história de personagens no seu limite, uma visão delicada de uma diretora muito talentosa.
 
Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Por uma questão de mercado. O curta que vai para os festivais tem um pequeno espaço, mesmo assim, a mídia segue o mercado. Aliás, cultura em geral tem pouco espaço e nossos jornais e revistas.
 
Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Antes dos longas, seria o ideal, na tela grande, no lugar daqueles comerciais...
 
A internet abriu um grande espaço para os curtas, você pode ver muita coisa, fimes do mundo todo, premiados em Cannes, Berlim...
 
O curta-metragem para um profissional (seja ele da atuação, direção ou produção) é o grande campo de liberdade para experimentação?
O curta pode ser um lugar de aprimoramento, lugar pra burilar técnicas. Mas essa liberdade deve estar presente em todo trabalho artístico, inclusive nos longas. O Kleber Mendonça Filho, por exemplo, fez seu primeiro longa, "O Som ao Redor", com muita coisa já experimentada em curtas. Mas o longa é tão bom, porque continua com o frescor, a ousadia e a liberdade que ele teve nos curtas.
 
O curta-metragem é um trampolim para fazer um longa?
Qualquer profissional (diretor, fotógrafo, ator) que se destaca em um curta pode ser chamado para fazer um longa. Mas trampolim dá a impressão de coisa que acontece muito rápido. O mundo das celebridades gosta de coisas que acontecem de uma hora para a outra. O artista tem seu tempo, que pode ser mais rápido, mais lento.
 
Qual é a receita para vencer no audiovisual brasileiro?
Acho que não existe receita, cada um é que cria seu caminho. Acredito em trabalho, dedicação, loucura e paixão.
 
Pensa em dirigir um curta futuramente?
Tenho dois argumentos escritos, quero dirigir essas histórias um dia.

quinta-feira, 21 de março de 2013

R.F.Lucchetti: Memória Cinematográfica

Dois artigos que falam de R.F.Lucchetti.
Rubens Lucchetti: trajetória (1)
André Setaro
Apesar de nome pouco conhecido, Rubens Francisco Lucchetti (o R.F.Lucchetti dos leitores) é um escritor que prestou valiosas contribuições ao filme de terror no Brasil, tendo assinado dezenas de roteiros que se transformaram em filas de sucesso. Incursionando também pelas histórias em quadrinhos, Lucchetti, homem de mil instrumentos, já escreveu sob pseudônimo mais de três centenas de livros policiais, de ação e de aventuras. Como é roteirista, Luccheti mão leva os louros da vitória, que fica sempre com o diretor do filme, Lucchetti, entretanto, é um nome a ser considerado e citado obrigatoriamente para todos aqueles que queiram se aventurar na história do cinema de mistério e de terror. Para ficar por aqui, em um só exemplo: a badalada revista ‘Suspense’, editada por Alfred Hitchcock, sempre exigente na escolha dos seus contos, publicou um de autoria de Rubens Francisco Lucchetti. Aqui vai a sua trajetória.
Os anos 30 e 340 foram marcados por profundas transformações na vida brasileira. Leis trabalhistas, ameaças comunistas, golpes e ditadura marcaram o país, vigiado severamente pelos órgãos de censura e repressão do Estado Novo, sempre a serviço da moral e dos bons costumes de uma sociedade sustentada de aparências e preconceitos. Diante de tal quadro, o que se poderia esperar de um pai cujo filho abandonaria a escola no primário, sendo considerado um péssimo aluno e, acima de tudo, viciado em revistas pulps (detetive, Mistérios, Suplemento Policial em Revista, X~9, Contos Magazine) e de histórias em quadrinhos na época perigosos veículos deformadores do caráter de nossos jovens?
Que esse garoto viesse a ser o único brasileiro editado por Mr. Alfred Hitchcock, o mestre do suspense? Que escrevesse mais de trezentos livros com mais de cem pseudônimos? Que fosse roteirista de cinema, quadrinhos ou fotonovelistas? Impossível para a cabeça de qualquer pai, mesmo o mais coruja dos corujas.
Mas foi justamente isso que aconteceu ao garoto chamado Rubens Francisco Lucchetti (o R.F.Lucchetti dos leitores). Um escritor nato, daquele que já nasce escritor. Basta passar os olhos no seu invejável currículo para se ter uma idéia disto: é desenhista, teorizador e novelista policial, escritor e roteirista de cinema, televisão e história em quadrinhos. São quase cinquenta anos dedicados à arte, especialmente cinema e quadrinhos, suas grandes paixões.
Por incrível que pareça, mesmo com toda essa bagagem, certamente você, leitor, pouco ou nada ouviu falar dele. Lucchetti vive e convive até hoje o drama – em todos os gêneros literários – de ser escritor no Brasil., às vezes discriminado e obscuro pela mídia num país onde não precisa ser o melhor para alcançar o estrelato, e, esperando por anos, o reconhecimento do público, nem sempre vindo.
Bem-humorado e repetindo “sempre estar fazendo o que gosta”, Lucchetti busca na plena realização pessoal as forças para superar o não reconhecimento e tornar presença constante na cultura brasileira. Mesmo assim ninguém é de ferro, há ocasiões em que a injustiça supera tudo e acaba levando ao desabafo. O mais recente Lucchetti fez ao fanzine ‘Quadrinhos Magazine’, de Salvador-BA: “Tenho urticárias quando leio ‘um filme de’, referindo-se ao diretor, como se ele fosse o senhor absoluto do filme. Esquecem que muito antes do primeiro giro da manivela, tudo começou com o roteirista num trabalho solitário que se arrasta durante meses, até anos. Foi em meados de 50 que um grupo de jovens gozadores tento à frente François Truffaut e Jean-Luc Godard dos Cahiers Du Cinema inventaram a teoria do autor, dando ao diretor a paternidade do filme. Imediatamente os críticos embarcaram nessa ‘canoa furada’. E os roteiristas que imaginam tudo, põem o filme no papel, permanecem absolutamente anônimos. Mas, infelizmente isso não acontece somente com o cinema, raramente vemos a citação de um roteirista de história em quadrinhos. O roteirista é, na verdade, o autor de tudo. O termo ‘um filme de’ está errado e é uma afronta aos demais colaboradores, como o montador, o fotógrafo, o iluminador, o decorador”.
Hoje, com dezenove filmes rodados, quarenta roteiros inéditos, além dos trezentos livros já citados – a maioria escrita sob pseudônimos a fim de escapar da lista negra de escritores malditos perseguidos pela ditadura militar – a biografia de Lucchetti não só serve de injeção de ânimo a qualquer pretendente a escritor, como também oferece argumento para um grande filme. Entre a luta pela sobrevivência e a paixão de escritor, atravessou barreiras das mais variadas. Foi office-boy, auxiliar de almoxarifado, balconista de peças de automóveis, comerciante, gerente de cinema, chefe de escritório, auditor, diretor de reportagens de revista feminina, produtor de fotonovelas, coordenador editorial, diagramador e editor.
Roteiro
Aos interessados em documentar em vídeo ou cinema a vida dessa escritor, a dica é partir da cidade de Santa Rita do Passo Quatro, interior paulista. Foi ali, também terra natal de Zequinha de Abreu, que tudo começou no ano de 1930. desde cedo, o interesse do menino Rubens pela literatura veio nas fantásticas estórias contadas por sua mãe, na hora de dormir. Logo descobriria ser bem melhor aquele mundo fantástico de guerreiros, bruxas e monstros, mais interessantes que os maçantes livros escolares. Começou a colecionar todo tipo de gibi (quadrinhos), iniciando uma gibiteca que atualmente beira os trinta mil exemplares. E é, com apenas dez anos de idade, numa ousadia para poucos, que Lucchetti surpreende a todos mostrando algo mais que um indisciplinado aluno sem futuro: escreve uma estória para a lendária revista ‘Tico-Tico’. Na resposta do editor, a grande recompensa, um recado empolgado sobre seu talento e um conselho: “Não pare nunca de escrever”.
Tribuna da Bahia. 16 de outubro de 1990.
Rubens Lucchetti: trajetória (2)
André Setaro
Um grande fã e amigo de Rubens Lucchetti é o estudante de Comunicação Gonçalo Júnior, que nos forneceu este material sobre o insólito escritor de roteiros terroríficos. Lucchetti, cuja primeira parte de sua trajetória foi publicada ontem, é responsável pelos roteiros de As 7 Vampiras e O Escorpião Escarlate, ambos de Ivan Cardoso.
Lucchetti levaria à risca esse conselho por toda a vida. Aos dois anos sua família muda-se para São Paulo. Lá o futuro “multiescritor” descobriria o rádio – o rádio-teatro, em especial. Começa escrever estórias e sketchs que são radiofonizados por Octávio Gabus Mendes que mantinha um programa na Rádio Tupy e convidado (através do microfone) para que Lucchetti fosse visitá-lo na “cidade do Rádio”. Lucchetti guarda esse momento com profunda emoção. Ouviu do famoso radialista que “em breve a televisão viria e que era necessário formar autores!. Isso queria dizer que Lucchetti estaria em seus planos. Mas essa ligação foi interrompida pela nova mudança familiar para Ribeirão Preto, interior paulista.
Com a cabeça cheia de planos e ideias, Lucchetti viu-se jogado numa terra estranha e sua carreira truncada. Foi difícil sua adaptação longe da capital, onde sabia, residia seu futuro. Sentiu-se como um pássaro que de repente é aprisionado a uma gaiola. Mas, sua mudança para Ribeirão Preto, por um estranho paradoxo, acabaria sendo benéfica para seu futuro, porque todas as noites, após um dia de trabalho como office-boy numa loja de peças para automóveis, ele refugiava-se no cinema. Descobria assim sua nova paixão. Não perdia um filme. Às vezes chegava a ver dois filmes no mesmo dia. O primo Luciano Lupera começava a publicar seus artigos no jornal local “Diário da Manhã”, estendendo-se com o decorrer dos anos a todos os demais jornais da cidade. Era raro um dia em que a imprensa local não publicava um dos seus trabalhos sobre cinema ou crônica literária. Paralelamente começa a escrever para revistas policiais, as mesmas que vinha colecionando desde alguns anos e que já tomavam, juntamente com as de histórias em quadrinhos, um considerável espaço nos móveis da sua família, mas que de forma alguma exasperava Dona Assumpta, sua mãe. São histórias de detetive e mistério que os editores publicavam com os mais variados pseudônimos, escolhidos por eles próprios.
Em 1956, aos 26 anos, a grande façanha: tem um conto publicado na revista norte-americana “Suspense”, editada pelo genial Alfred Hitchcock. Era a gota d’água para emplacar na aventura de ser escritor no Brasil. Torna-se assim o único autor brasileiro aprovado pela autoridade mundial máxima do suspense.
No reino de Zé do Caixão
Quem apostou no talento de Lucchetti foi uma figura impar no meio artístico brasileiro, um sujeito esquisito que usa uma eterna capa preta e unhas gigantes: Zé do Caixão. Isto em 1968. dava-se assim passos importantes como roteirista, que mais tarde transformaria-o em verbete da Grande Enciclopédia Delta Larousse. Até ali a presença de Lucchetti no cinema limitava-se a algumas experiências de animação ao lado de Bassano Vaccarini, no Centro de Cinema Experimental de Ribeirão Preto, no início de 1960. “Tourbillon” lhe deu menção honrosa da V Jornada Internacional de Cinema de Animação, em Annecy, França (1963). Entre 1961 e 1962, ainda com Vaccarini, produziu “Cosmo Vôo Cósmico”, “Viagem à Lua” e “Estudos”, entre outros, num total de onze filmes premiados nacional e internacionalmente.
O primeiro roteiro escrito para o cineasta José Mojica Marins , o “Zé do Caixão”, foi “Trilogia do Terror”, em 1968. daí até 1981 foram filmados onze roteiros e uma nova descoberta para Lucchetti: o sucesso no gênero horror que trouxera dos quadrinhos intercalando produções com José Mojica, roteiriza filmes para Marcelo Motta (“Meu Homem, Meu Amante”, de 1984) e Ivan Cardoso (“O Segredo da Múmia”/1981, “As 7 Vampiras”/1986, vencedor de cinco prêmios no II Rio-Cine Festival) e “O Escorpião Escarlate”/1989). Em 1986, ganha o “Sol de Prata”, troféu de melhor roteiro com “O Despertar da Besta”, de José Mojica Marins, no II Rio-Cine Festival (o filme ficou censurado por dezoito anos). Lucchetti derrotou a si próprio uma vez que concorria também com “As 7 Vampiras”. Talvez sua premiação seja algo inédito, um filme produzido  há quase vinte anos levanta o prêmio de “melhor roteiro”. (Em março deste ano Ivan Cardoso concluiu “O Escorpião Escarlate” com roteiro de Lucchetti inspirado num seriado radiofônico que ele produziu em 1957. O filme é uma homenagem aos próprios seriados de rádio, cinema e histórias em quadrinhos que praticamente moldaram suas tendências. No momento Lucchetti escreve “Naiara, a Filha do Drácula”, uma famosa personagem de histórias em quadrinhos criada pelo mestre Nico Rosso que foi muito popular no final dos anos 60. tinha sua revista e a principal característica como vampira era beber sangue em taças. A história de Lucchetti é totalmente original, aproveitando apenas um tipo físico da personagem.
No Mundo dos Quadrinhos
A paixão pelos quadrinhos quem conta é o próprio Lucchetti, com exclusividade a um fanzine baiano: “Devíamos estar por volta de 1962 e as minhas primeiras HQs não foram praticamente escritas como roteiros. Imaginei-as como argumentos a fim de serem submetidas à apreciação da Editora Outubro para posterior roteirização. Em 1963 fui surpreendido com um pocket book, “Noite Diabólica”, onde estavam inseridos meus argumentos, o mais importante e o que mais me envaideceu foi ele ter a capa e ilustrações de Jaime Cortez”. Mas, Rudolf Piper, em “O Grande Livro do Terror” (Editora Argus, São Paulo, 1978) assim s refere a ele: “Esse volume aparentemente despretensioso, foi o primeiro livro de terror escrito no Brasil”.
Tribuna da Bahia. 17 de outubro de 1990.
Rubens Lucchetti: trajetória (final)
André Setaro
Justiça se faça a Rubens Lucchetti. E Gonçalo Junior tem se esforçado para isso. Merece. E aqui vai a sua última parte de sua trajetória.
Uma dupla diabólica. Somente dois anos depois de ‘Noite Diabólica’ é que Lucchetti conheceria o ítalo-brasileiro Nico Rosso com quem formaria a mais respeitada dupla de quadrinhistas de terror do País responsável por obras inesquecíveis do terror nacional.
Em pouco tempo a dupla Lucchetti/Rosso tornou-se requisitada por muitas editoras. “Com o Nico me identifiquei plenamente, ele me compreendia e eu compreendia-o, um trabalho de integração total”, diz. Das quatro mãos saíram revistas como “A Cripta” (circulou entre 1968 e 70), “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”, onde adaptou para os quadrinhos seus textos de sucesso no cinema e na TV. Essa revista, lançada em 1969, teve vida curta em quatro números, voltando em 1970 com uma nova roupagem: “Zé do Caixão no Mundo do Terror”. A seguir lançam “O Filho de Satã”, um livro totalmente quadrinizado de grande sucesso que daria origem a dois outros – “Carne Fresca para a Mesa” e “Os Vampiros não Fazem Sexo”. Em 1971, pela Edrel, lança “Frantastikon”, que se propunha, a cada número, dissecar um tema fantástico. O primeiro foi Demologia e o segundo Vampirismo. Tanto esses fascículos – saíram dois apenas – como outras publicações foram editados por pequenas editoras que, por absoluta falta de estrutura não suportaram a concorrência das grandes. Outro fator importante foi a  perseguição da censura militar que levou à lona o terror e o erótico.
A parceria com Nico Rosso dura até 1979, quando um ataque cardíaco leva Rosso à morte. Recentemente, 1987, a LePM Editores iniciou a republicação em álbum luxuoso, das HQs de Zé do Caixão produzidas pelos dois.
Com outros artistas – Jaime Cortez, Shimamoto, Rodolfo Zalla, Eugênio Colonnese, Sérgio M.Lima, Edmundo Rodrigues, apenas para citar alguns – Lucchetti publicaria centenas de estórias avulsas nas editoras Outubro, Taika, Prelúdio, Graúna, GEP, O Livreiro, Vecchi, Saber, Sublime, Bloch e tantas outras mais. Sem dúvida, um dos mais prolíficos roteiristas dos quadrinhos brasileiros.
Mas não é só de quadrinhos e cinema que vem o sucesso. Foi na literatura que sua criatividade foi posta à mostra armando tramas consideradas pela crítica superiores a alguns livros de Agatha Christie, a rainha da literatura policial. Obras como “O Crime da Gaiola Dourada” (publicada em 1979 pela Difel e relançada em 1983 e 1985 pelo Circulo do Livro), “O Fantasma do Tio Willian” (Cia Melhoramentos, 1983) trazem tramas repletas de ação e fino humor, onde Lucchetti descreve seus personagens com invulgar habilidade, levando-o a ser incluído entre os melhores do gênero. Num dos seus últimos livros “Carlitos, o Mito Através da Imagem” (Editora Colégio, 1987), ele reuniu parte dos bico-de-penas que fez para a Semana chapliniana (1960). Obra totalmente original em que homenageia Charles Chaplin de modo criativo e pessoal: “Eu queria escrever um livro sobre Chaplin, mas não uma biografia ou um livro crítico porque seria mais um entre milhares!”, justifica o autor.
No papel de chost-write escreveu sob encomenda mais de trezentos livros dos mais variados temas. Desde “Cartas de amor” até métodos de datilografia, “Aprenda a dirigir”, passando por “Interpretações de sonhos”, “Métodos Anticoncepcionais”, “Astrologia”, “Mágicas para iniciantes”, “Planejamento Familiar”, novelas eróticas e livros de piadas. Enfim, “um autor que escreve para fora”, como ele se auto denomina.
Em 1988, Lucchetti fez adaptações para vídeo de alguns clássicos infantis. Dois deles, “O Chapeuzinho Vermelho” e “João e Maria”, vistos por Lucchetti, achou-os abomináveis, uma verdadeira monstruosidade. Seu produtor, que tem veleidades a diretor e ator, transformou seus roteiros em algo inassistível, “produção de fundo de quintal” como Lucchetti os denominou. Quanto ao “Gato de Botas”, terceira adaptação que ele faz, confessa que sem sua autorização, o tal “diretor” pôs nele suas mãos acrescentando no título a palavra “Extraterrestre”. Ele nem sabe no que isso deu porque nem quis ver, desabafa o roteirista.
Atualmente se dedica exclusivamente à literatura e escrever roteiros para filmes. “Free-Lancers” de livros sob encomenda nunca mais: “Cansei de enriquecer editores, rico não vou ficar e me recuso a contribuir para que se enriqueçam às minhas custas”. Agora Rubens Francisco Lucchetti só escreve o que quer, embora saiba que editar no Brasil é difícil, mas jamais voltará a fazer qualquer tipo de concessão. Cansou.
Tribuna da Bahia. 18 de outubro de 1990.
FOLHA DA TERRA
Rio de Janeiro, de 9 a 15 de junho de 1991
Madrugadas
José Edson Gomes
Certa vez recebi de Gramado, no Rio Grande do Sul, uma carta de um amigo querido que fora àquela cidade receber um prêmio como roteirista de cinema.
Lucchetti, que é ou deveria ser conhecido pelos textos base de filmes como a série do Zé do Caixão, O Segredo da Múmia ou As Sete Vampiras, dos realizadores José Mojica Marins e Ivan Cardoso, apaixonados pelo mistério e o terror.
Como o Rubens Lucchetti. Mas não apaixonados por esse terror cotidiano que persegue a Baixada, persegue o Rio, persegue o país. Apaixonados pelo terror fictício (será?) que inclui Múmias, Duendes, Vampiros.
Pois bem, eu dizia ter recebido de Gramado, no Rio Grande do Sul, uma carta de um roteirista de cinema, que estava ali para receber um prêmio. Cidade linda, diferente da maioria ou de todas as cidades bonitas do Brasil, poderia despertar em Rubens a admiração por tudo que de belo existe ali.
E de fato despertou, como vim a saber em cartas posteriores, em conversas ao pé do fogão, nas diversas visitas que fiz a Ribeirão Preto, onde ele mora, ou em São Paulo, onde passeia.
Mas naquela ocasião ele dizia: “... Acordei cedo. A cidade estava recoberta por uma neblina forte, que diluía as formas, alterava os objetos. Estaria em Londres? Não sei. Não estava. Londres, mesmo disfarçada pelo fog, nunca seria tão bela. E então, sem pensar em Gramado, em Londres ou em cidade alguma, saí caminhando sem destino, um pouco à espera de encontrar duendes, descobrir o mistério que se escondia sob a nevoa mas, acima de tudo, esperando que tudo de fantástico que aquele mundo incluía, não se desfizesse. Eu precisava daquela realidade oculta sob a neblina e ao mesmo tempo sabia que o sol a diluiria”.
Qualquer pessoa mais prática – ou menos prática, para falar a verdade – pensaria no seguinte: quando a neblina se desfizesse, a cidade surgiria esplêndida. Mas essas pessoas práticas talvez nunca levem em conta o fato óbvio de que, surgindo a claridade, afastando-se a neblina, o que surgiria  seria uma Gramado visível a todos, bela, belíssima, mas sem os mistérios reservados a poucos olhos, a poucas sensibilidades, a poucos R.F.Lucchetti.
Quantos acordariam em Gramado, na manhã em que receberiam um prêmio importante e no lugar de comemorar procurando pessoas que o elogiassem, dissessem-lhe coisas sobre o triunfo, sairiam procurando formas que se ocultassem sob a névoa?
Isto é bom? Isso é ruim?
Eu diria que nem bom e nem ruim, mas que é disso que se forma a poesia e, mais além, nesse tipo de sensibilidade, nessas ocasiões, nessas descobertas raras que se ocultam as molas básicas que fazem girar o mundo ou, modificando a frase, o conceito, tornam o mundo ideal para viver, para ser observado e sentido.
Quem sabe se todos nós não caminhamos dia a dia levando na alma o desejo de encontrar alguma coisa diferente que surja da realidade e nos emocione?
Você achou. O Rubens achou. Nós achamos. Aquele som de clarinete que surge na noite, a forma que se enrodilha na treva e que pode ser o perigo mas pode ser um pássaro, um corpo de mulher, um afago sensual, um beijo em rosto amado e – é preciso dizer – a existência de nossos filhos que tornam justa a razão de Viver.
Mas para aqui. Estou ficando romântico. Mas reagindo à necessidade de parar, direi: bem-vindo o romantismo.