Dois artigos que falam de R.F.Lucchetti.
Rubens
Lucchetti: trajetória (1)
André Setaro
Apesar de nome pouco
conhecido, Rubens Francisco Lucchetti (o R.F.Lucchetti dos leitores) é um
escritor que prestou valiosas contribuições ao filme de terror no Brasil, tendo
assinado dezenas de roteiros que se transformaram em filas de sucesso.
Incursionando também pelas histórias em quadrinhos, Lucchetti, homem de mil
instrumentos, já escreveu sob pseudônimo mais de três centenas de livros
policiais, de ação e de aventuras. Como é roteirista, Luccheti mão leva os
louros da vitória, que fica sempre com o diretor do filme, Lucchetti,
entretanto, é um nome a ser considerado e citado obrigatoriamente para todos
aqueles que queiram se aventurar na história do cinema de mistério e de terror.
Para ficar por aqui, em um só exemplo: a badalada revista ‘Suspense’, editada
por Alfred Hitchcock, sempre exigente na escolha dos seus contos, publicou um
de autoria de Rubens Francisco Lucchetti. Aqui vai a sua trajetória.
Os anos 30 e 340 foram
marcados por profundas transformações na vida brasileira. Leis trabalhistas,
ameaças comunistas, golpes e ditadura marcaram o país, vigiado severamente pelos
órgãos de censura e repressão do Estado Novo, sempre a serviço da moral e dos
bons costumes de uma sociedade sustentada de aparências e preconceitos. Diante
de tal quadro, o que se poderia esperar de um pai cujo filho abandonaria a
escola no primário, sendo considerado um péssimo aluno e, acima de tudo,
viciado em revistas pulps (detetive, Mistérios, Suplemento Policial em Revista,
X~9, Contos Magazine) e de histórias em quadrinhos na época perigosos veículos
deformadores do caráter de nossos jovens?
Que esse garoto viesse a
ser o único brasileiro editado por Mr. Alfred Hitchcock, o mestre do suspense?
Que escrevesse mais de trezentos livros com mais de cem pseudônimos? Que fosse
roteirista de cinema, quadrinhos ou fotonovelistas? Impossível para a cabeça de
qualquer pai, mesmo o mais coruja dos corujas.
Mas foi justamente isso
que aconteceu ao garoto chamado Rubens Francisco Lucchetti (o R.F.Lucchetti dos
leitores). Um escritor nato, daquele que já nasce escritor. Basta passar os
olhos no seu invejável currículo para se ter uma idéia disto: é desenhista,
teorizador e novelista policial, escritor e roteirista de cinema, televisão e
história em quadrinhos. São quase cinquenta anos dedicados à arte,
especialmente cinema e quadrinhos, suas grandes paixões.
Por incrível que pareça,
mesmo com toda essa bagagem, certamente você, leitor, pouco ou nada ouviu falar
dele. Lucchetti vive e convive até hoje o drama – em todos os gêneros
literários – de ser escritor no Brasil., às vezes discriminado e obscuro pela mídia
num país onde não precisa ser o melhor para alcançar o estrelato, e, esperando
por anos, o reconhecimento do público, nem sempre vindo.
Bem-humorado e repetindo
“sempre estar fazendo o que gosta”, Lucchetti busca na plena realização pessoal
as forças para superar o não reconhecimento e tornar presença constante na
cultura brasileira. Mesmo assim ninguém é de ferro, há ocasiões em que a
injustiça supera tudo e acaba levando ao desabafo. O mais recente Lucchetti fez
ao fanzine ‘Quadrinhos Magazine’, de Salvador-BA: “Tenho urticárias quando leio
‘um filme de’, referindo-se ao diretor, como se ele fosse o senhor absoluto do
filme. Esquecem que muito antes do primeiro giro da manivela, tudo começou com
o roteirista num trabalho solitário que se arrasta durante meses, até anos. Foi
em meados de 50 que um grupo de jovens gozadores tento à frente François
Truffaut e Jean-Luc Godard dos Cahiers Du Cinema inventaram a teoria do autor,
dando ao diretor a paternidade do filme. Imediatamente os críticos embarcaram nessa
‘canoa furada’. E os roteiristas que imaginam tudo, põem o filme no papel,
permanecem absolutamente anônimos. Mas, infelizmente isso não acontece somente
com o cinema, raramente vemos a citação de um roteirista de história em
quadrinhos. O roteirista é, na verdade, o autor de tudo. O termo ‘um filme de’
está errado e é uma afronta aos demais colaboradores, como o montador, o
fotógrafo, o iluminador, o decorador”.
Hoje, com dezenove
filmes rodados, quarenta roteiros inéditos, além dos trezentos livros já
citados – a maioria escrita sob pseudônimos a fim de escapar da lista negra de
escritores malditos perseguidos pela ditadura militar – a biografia de
Lucchetti não só serve de injeção de ânimo a qualquer pretendente a escritor,
como também oferece argumento para um grande filme. Entre a luta pela
sobrevivência e a paixão de escritor, atravessou barreiras das mais variadas.
Foi office-boy, auxiliar de almoxarifado, balconista de peças de automóveis,
comerciante, gerente de cinema, chefe de escritório, auditor, diretor de
reportagens de revista feminina, produtor de fotonovelas, coordenador
editorial, diagramador e editor.
Roteiro
Aos interessados em
documentar em vídeo ou cinema a vida dessa escritor, a dica é partir da cidade
de Santa Rita do Passo Quatro, interior paulista. Foi ali, também terra natal
de Zequinha de Abreu, que tudo começou no ano de 1930. desde cedo, o interesse
do menino Rubens pela literatura veio nas fantásticas estórias contadas por sua
mãe, na hora de dormir. Logo descobriria ser bem melhor aquele mundo fantástico
de guerreiros, bruxas e monstros, mais interessantes que os maçantes livros
escolares. Começou a colecionar todo tipo de gibi (quadrinhos), iniciando uma
gibiteca que atualmente beira os trinta mil exemplares. E é, com apenas dez
anos de idade, numa ousadia para poucos, que Lucchetti surpreende a todos
mostrando algo mais que um indisciplinado aluno sem futuro: escreve uma estória
para a lendária revista ‘Tico-Tico’. Na resposta do editor, a grande
recompensa, um recado empolgado sobre seu talento e um conselho: “Não pare
nunca de escrever”.
Tribuna da Bahia. 16 de
outubro de 1990.
Rubens
Lucchetti: trajetória (2)
André Setaro
Um grande fã e amigo de
Rubens Lucchetti é o estudante de Comunicação Gonçalo Júnior, que nos forneceu
este material sobre o insólito escritor de roteiros terroríficos. Lucchetti,
cuja primeira parte de sua trajetória foi publicada ontem, é responsável pelos
roteiros de As 7 Vampiras e O Escorpião Escarlate, ambos de Ivan Cardoso.
Lucchetti levaria à
risca esse conselho por toda a vida. Aos dois anos sua família muda-se para São
Paulo. Lá o futuro “multiescritor” descobriria o rádio – o rádio-teatro, em
especial. Começa escrever estórias e sketchs que são radiofonizados por Octávio
Gabus Mendes que mantinha um programa na Rádio Tupy e convidado (através do
microfone) para que Lucchetti fosse visitá-lo na “cidade do Rádio”. Lucchetti
guarda esse momento com profunda emoção. Ouviu do famoso radialista que “em
breve a televisão viria e que era necessário formar autores!. Isso queria dizer
que Lucchetti estaria em seus planos. Mas essa ligação foi interrompida pela
nova mudança familiar para Ribeirão Preto, interior paulista.
Com a cabeça cheia de
planos e ideias, Lucchetti viu-se jogado numa terra estranha e sua carreira
truncada. Foi difícil sua adaptação longe da capital, onde sabia, residia seu
futuro. Sentiu-se como um pássaro que de repente é aprisionado a uma gaiola.
Mas, sua mudança para Ribeirão Preto, por um estranho paradoxo, acabaria sendo
benéfica para seu futuro, porque todas as noites, após um dia de trabalho como
office-boy numa loja de peças para automóveis, ele refugiava-se no cinema.
Descobria assim sua nova paixão. Não perdia um filme. Às vezes chegava a ver
dois filmes no mesmo dia. O primo Luciano Lupera começava a publicar seus
artigos no jornal local “Diário da Manhã”, estendendo-se com o decorrer dos
anos a todos os demais jornais da cidade. Era raro um dia em que a imprensa
local não publicava um dos seus trabalhos sobre cinema ou crônica literária.
Paralelamente começa a escrever para revistas policiais, as mesmas que vinha
colecionando desde alguns anos e que já tomavam, juntamente com as de histórias
em quadrinhos, um considerável espaço nos móveis da sua família, mas que de
forma alguma exasperava Dona Assumpta, sua mãe. São histórias de detetive e
mistério que os editores publicavam com os mais variados pseudônimos,
escolhidos por eles próprios.
Em 1956, aos 26 anos, a
grande façanha: tem um conto publicado na revista norte-americana “Suspense”,
editada pelo genial Alfred Hitchcock. Era a gota d’água para emplacar na
aventura de ser escritor no Brasil. Torna-se assim o único autor brasileiro
aprovado pela autoridade mundial máxima do suspense.
No
reino de Zé do Caixão
Quem apostou no talento de Lucchetti foi uma
figura impar no meio artístico brasileiro, um sujeito esquisito que usa uma
eterna capa preta e unhas gigantes: Zé do Caixão. Isto em 1968. dava-se assim
passos importantes como roteirista, que mais tarde transformaria-o em verbete
da Grande Enciclopédia Delta Larousse. Até ali a presença de Lucchetti no
cinema limitava-se a algumas experiências de animação ao lado de Bassano
Vaccarini, no Centro de Cinema Experimental de Ribeirão Preto, no início de
1960. “Tourbillon” lhe deu menção honrosa da V Jornada Internacional de Cinema
de Animação, em Annecy, França (1963). Entre 1961 e 1962, ainda com Vaccarini,
produziu “Cosmo Vôo Cósmico”, “Viagem à Lua” e “Estudos”, entre outros, num
total de onze filmes premiados nacional e internacionalmente.
O primeiro roteiro
escrito para o cineasta José Mojica Marins , o “Zé do Caixão”, foi “Trilogia do
Terror”, em 1968. daí até 1981 foram filmados onze roteiros e uma nova
descoberta para Lucchetti: o sucesso no gênero horror que trouxera dos
quadrinhos intercalando produções com José Mojica, roteiriza filmes para
Marcelo Motta (“Meu Homem, Meu Amante”, de 1984) e Ivan Cardoso (“O Segredo da
Múmia”/1981, “As 7 Vampiras”/1986, vencedor de cinco prêmios no II Rio-Cine
Festival) e “O Escorpião Escarlate”/1989). Em 1986, ganha o “Sol de Prata”,
troféu de melhor roteiro com “O Despertar da Besta”, de José Mojica Marins, no
II Rio-Cine Festival (o filme ficou censurado por dezoito anos). Lucchetti
derrotou a si próprio uma vez que concorria também com “As 7 Vampiras”. Talvez
sua premiação seja algo inédito, um filme produzido há quase vinte anos levanta o prêmio de
“melhor roteiro”. (Em março deste ano Ivan Cardoso concluiu “O Escorpião
Escarlate” com roteiro de Lucchetti inspirado num seriado radiofônico que ele
produziu em 1957. O filme é uma homenagem aos próprios seriados de rádio,
cinema e histórias em quadrinhos que praticamente moldaram suas tendências. No
momento Lucchetti escreve “Naiara, a Filha do Drácula”, uma famosa personagem
de histórias em quadrinhos criada pelo mestre Nico Rosso que foi muito popular
no final dos anos 60. tinha sua revista e a principal característica como
vampira era beber sangue em taças. A história de Lucchetti é totalmente
original, aproveitando apenas um tipo físico da personagem.
No
Mundo dos Quadrinhos
A paixão pelos
quadrinhos quem conta é o próprio Lucchetti, com exclusividade a um fanzine
baiano: “Devíamos estar por volta de 1962 e as minhas primeiras HQs não foram
praticamente escritas como roteiros. Imaginei-as como argumentos a fim de serem
submetidas à apreciação da Editora Outubro para posterior roteirização. Em 1963
fui surpreendido com um pocket book, “Noite Diabólica”, onde estavam inseridos
meus argumentos, o mais importante e o que mais me envaideceu foi ele ter a
capa e ilustrações de Jaime Cortez”. Mas, Rudolf Piper, em “O Grande Livro do
Terror” (Editora Argus, São Paulo, 1978) assim s refere a ele: “Esse volume
aparentemente despretensioso, foi o primeiro livro de terror escrito no
Brasil”.
Tribuna da Bahia. 17 de
outubro de 1990.
Rubens
Lucchetti: trajetória (final)
André Setaro
Justiça se faça a Rubens
Lucchetti. E Gonçalo Junior tem se esforçado para isso. Merece. E aqui vai a
sua última parte de sua trajetória.
Uma dupla diabólica.
Somente dois anos depois de ‘Noite Diabólica’ é que Lucchetti conheceria o
ítalo-brasileiro Nico Rosso com quem formaria a mais respeitada dupla de
quadrinhistas de terror do País responsável por obras inesquecíveis do terror
nacional.
Em pouco tempo a dupla
Lucchetti/Rosso tornou-se requisitada por muitas editoras. “Com o Nico me
identifiquei plenamente, ele me compreendia e eu compreendia-o, um trabalho de
integração total”, diz. Das quatro mãos saíram revistas como “A Cripta”
(circulou entre 1968 e 70), “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”, onde adaptou
para os quadrinhos seus textos de sucesso no cinema e na TV. Essa revista,
lançada em 1969, teve vida curta em quatro números, voltando em 1970 com uma
nova roupagem: “Zé do Caixão no Mundo do Terror”. A seguir lançam “O Filho de
Satã”, um livro totalmente quadrinizado de grande sucesso que daria origem a
dois outros – “Carne Fresca para a Mesa” e “Os Vampiros não Fazem Sexo”. Em
1971, pela Edrel, lança “Frantastikon”, que se propunha, a cada número,
dissecar um tema fantástico. O primeiro foi Demologia e o segundo Vampirismo.
Tanto esses fascículos – saíram dois apenas – como outras publicações foram
editados por pequenas editoras que, por absoluta falta de estrutura não
suportaram a concorrência das grandes. Outro fator importante foi a perseguição da censura militar que levou à
lona o terror e o erótico.
A parceria com Nico
Rosso dura até 1979, quando um ataque cardíaco leva Rosso à morte.
Recentemente, 1987, a LePM Editores iniciou a republicação em álbum luxuoso,
das HQs de Zé do Caixão produzidas pelos dois.
Com outros artistas –
Jaime Cortez, Shimamoto, Rodolfo Zalla, Eugênio Colonnese, Sérgio M.Lima,
Edmundo Rodrigues, apenas para citar alguns – Lucchetti publicaria centenas de
estórias avulsas nas editoras Outubro, Taika, Prelúdio, Graúna, GEP, O
Livreiro, Vecchi, Saber, Sublime, Bloch e tantas outras mais. Sem dúvida, um dos
mais prolíficos roteiristas dos quadrinhos brasileiros.
Mas não é só de
quadrinhos e cinema que vem o sucesso. Foi na literatura que sua criatividade
foi posta à mostra armando tramas consideradas pela crítica superiores a alguns
livros de Agatha Christie, a rainha da literatura policial. Obras como “O Crime
da Gaiola Dourada” (publicada em 1979 pela Difel e relançada em 1983 e 1985
pelo Circulo do Livro), “O Fantasma do Tio Willian” (Cia Melhoramentos, 1983)
trazem tramas repletas de ação e fino humor, onde Lucchetti descreve seus
personagens com invulgar habilidade, levando-o a ser incluído entre os melhores
do gênero. Num dos seus últimos livros “Carlitos, o Mito Através da Imagem”
(Editora Colégio, 1987), ele reuniu parte dos bico-de-penas que fez para a
Semana chapliniana (1960). Obra totalmente original em que homenageia Charles
Chaplin de modo criativo e pessoal: “Eu queria escrever um livro sobre Chaplin,
mas não uma biografia ou um livro crítico porque seria mais um entre
milhares!”, justifica o autor.
No papel de chost-write
escreveu sob encomenda mais de trezentos livros dos mais variados temas. Desde
“Cartas de amor” até métodos de datilografia, “Aprenda a dirigir”, passando por
“Interpretações de sonhos”, “Métodos Anticoncepcionais”, “Astrologia”, “Mágicas
para iniciantes”, “Planejamento Familiar”, novelas eróticas e livros de piadas.
Enfim, “um autor que escreve para fora”, como ele se auto denomina.
Em 1988, Lucchetti fez
adaptações para vídeo de alguns clássicos infantis. Dois deles, “O Chapeuzinho
Vermelho” e “João e Maria”, vistos por Lucchetti, achou-os abomináveis, uma
verdadeira monstruosidade. Seu produtor, que tem veleidades a diretor e ator,
transformou seus roteiros em algo inassistível, “produção de fundo de quintal”
como Lucchetti os denominou. Quanto ao “Gato de Botas”, terceira adaptação que
ele faz, confessa que sem sua autorização, o tal “diretor” pôs nele suas mãos
acrescentando no título a palavra “Extraterrestre”. Ele nem sabe no que isso
deu porque nem quis ver, desabafa o roteirista.
Atualmente se dedica
exclusivamente à literatura e escrever roteiros para filmes. “Free-Lancers” de
livros sob encomenda nunca mais: “Cansei de enriquecer editores, rico não vou
ficar e me recuso a contribuir para que se enriqueçam às minhas custas”. Agora
Rubens Francisco Lucchetti só escreve o que quer, embora saiba que editar no
Brasil é difícil, mas jamais voltará a fazer qualquer tipo de concessão.
Cansou.
Tribuna da Bahia. 18 de
outubro de 1990.
FOLHA
DA TERRA
Rio de Janeiro, de 9 a 15 de junho de 1991
Madrugadas
José Edson Gomes
Certa vez recebi de
Gramado, no Rio Grande do Sul, uma carta de um amigo querido que fora àquela
cidade receber um prêmio como roteirista de cinema.
Lucchetti, que é ou
deveria ser conhecido pelos textos base de filmes como a série do Zé do Caixão,
O Segredo da Múmia ou As Sete Vampiras, dos realizadores José Mojica Marins e
Ivan Cardoso, apaixonados pelo mistério e o terror.
Como o Rubens Lucchetti.
Mas não apaixonados por esse terror cotidiano que persegue a Baixada, persegue
o Rio, persegue o país. Apaixonados pelo terror fictício (será?) que inclui
Múmias, Duendes, Vampiros.
Pois bem, eu dizia ter
recebido de Gramado, no Rio Grande do Sul, uma carta de um roteirista de
cinema, que estava ali para receber um prêmio. Cidade linda, diferente da
maioria ou de todas as cidades bonitas do Brasil, poderia despertar em Rubens a
admiração por tudo que de belo existe ali.
E de fato despertou,
como vim a saber em cartas posteriores, em conversas ao pé do fogão, nas
diversas visitas que fiz a Ribeirão Preto, onde ele mora, ou em São Paulo, onde
passeia.
Mas naquela ocasião ele
dizia: “... Acordei cedo. A cidade estava recoberta por uma neblina forte, que
diluía as formas, alterava os objetos. Estaria em Londres? Não sei. Não estava.
Londres, mesmo disfarçada pelo fog, nunca seria tão bela. E então, sem pensar
em Gramado, em Londres ou em cidade alguma, saí caminhando sem destino, um
pouco à espera de encontrar duendes, descobrir o mistério que se escondia sob a
nevoa mas, acima de tudo, esperando que tudo de fantástico que aquele mundo
incluía, não se desfizesse. Eu precisava daquela realidade oculta sob a neblina
e ao mesmo tempo sabia que o sol a diluiria”.
Qualquer pessoa mais
prática – ou menos prática, para falar a verdade – pensaria no seguinte: quando
a neblina se desfizesse, a cidade surgiria esplêndida. Mas essas pessoas
práticas talvez nunca levem em conta o fato óbvio de que, surgindo a claridade,
afastando-se a neblina, o que surgiria
seria uma Gramado visível a todos, bela, belíssima, mas sem os mistérios
reservados a poucos olhos, a poucas sensibilidades, a poucos R.F.Lucchetti.
Quantos acordariam em
Gramado, na manhã em que receberiam um prêmio importante e no lugar de
comemorar procurando pessoas que o elogiassem, dissessem-lhe coisas sobre o
triunfo, sairiam procurando formas que se ocultassem sob a névoa?
Isto é bom? Isso é ruim?
Eu diria que nem bom e
nem ruim, mas que é disso que se forma a poesia e, mais além, nesse tipo de
sensibilidade, nessas ocasiões, nessas descobertas raras que se ocultam as
molas básicas que fazem girar o mundo ou, modificando a frase, o conceito,
tornam o mundo ideal para viver, para ser observado e sentido.
Quem sabe se todos nós
não caminhamos dia a dia levando na alma o desejo de encontrar alguma coisa
diferente que surja da realidade e nos emocione?
Você achou. O Rubens
achou. Nós achamos. Aquele som de clarinete que surge na noite, a forma que se
enrodilha na treva e que pode ser o perigo mas pode ser um pássaro, um corpo de
mulher, um afago sensual, um beijo em rosto amado e – é preciso dizer – a
existência de nossos filhos que tornam justa a razão de Viver.
Mas para aqui. Estou
ficando romântico. Mas reagindo à necessidade de parar, direi: bem-vindo o
romantismo.