sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Suzy Rego

Atriz.
 
Você começou sua carreira como modelo aos 13 anos de idade em um Clube Militar do Rio de Janeiro. Como foi isso?
Era comum as meninas da minha faixa etária participarem do curso de modelo e manequim, a professora era Rita Mancini, que desfilava para grandes nomes da moda carioca, foi uma experiência deliciosa, as pré-adolescentes cheias de sonhos e um curso super competente e divertido. A partir disso comecei a desfilar de forma amadora, para lojas das redondezas, em troca de roupas, era ótimo.
 
Depois de ganhar concursos de beleza, pensava em se profissionalizar como modelo?
Sim, sempre tive esse objetivo, minha meta era juntar dinheiro como modelo para fazer um curso profissionalizante como atriz.
 
Como modelo publicitário foi a mais famosa garota propaganda da loja Le Postiche, de malas, casacos e cintos. Quais as dores e as delicias de “vender” sua imagem para uma marca?
As delícias sempre foram o dinheiro garantido para honrar as contas e ajudar a família além de me presentear com alguns mimos. Mais outra delícia é se tornar conhecida do grande público e assim ser frequentemente chamada para outros eventos remunerados e mordomias em geral, ganhar presentes, viagens, conhecer profissionais excelentes e potenciais contratadores, enfim, muitas vantagens.
 
A única desvantagem (por razões óbvias naquela época, hoje é diferente) é que outros produtos deixaram de me contratar por acreditarem que eu tinha contrato de exclusividade total com a marca, mas era só para produtos da mesma categoria. De qualquer forma, sou toda grata ao período que fui porta-voz da marca.
 
Comercial é importante só pelo dinheiro?
Pelo dinheiro e pela possibilidade de conhecer cineastas, diretores, produtores, apoiadores, patrocinadores e profissionais em geral da nossa área. É uma rica experiência.
 
Em que momento da sua vida decidiu se tornar uma atriz?
Bem jovem, por volta dos 17 anos, sempre quis estudar. No entanto saí de publicidade para a televisão sem nenhuma formação, tenho aprendido desde então com colegas atores, técnicos, diretores, enfim, a melhor escola.
 
Desde o inicio da sua trajetória artística seu trabalho está muito ligado á sua beleza. É necessário ser bela para se tornar uma atriz?
Temos belíssimas atrizes pelo talento, criatividade, arrojo, carga dramática ou humorística e são símbolos de profissionais bem sucedidas que nunca tiveram necessidade da beleza padronizada para se tornarem atrizes, isso é o que enriquece uma produção cênica, caso contrário, esse trabalho só seria feito por modelos femininos e masculinos dotados apenas de estonteante beleza...e?
 
Por que você ficou quase 11 anos afastada das telenovelas?
Fiquei de 1998 a 2009 sem contrato com a Rede Globo pois fui contratada por outras redes, fiz novelas no SBT, Record, Bandeirantes e fiz muito teatro também.
 
Você tem uma identificação muito grande com a TV Globo, como foi trabalhar em ‘Paixões Proibidas’, da Band, com outra estrutura?
A estrutura da Band em "Paixões Proibidas" era muito familiar, pois lá estavam muitos profissionais que conheci em outras emissoras. Quando estamos contratados nos tornamos uma grande equipe e é fundamental que todos se empenhem e reconheçam as diferenças de estrutura entre os canais. Um bom profissional lida com isso com naturalidade e bom senso. Nossa torcida é para que todas as redes tenham a possibilidade de atingir a excelência da Rede Globo e nos traz muita alegria toda vez que uma produção da televisão nacional tem seu trabalho reconhecido mundialmente pelas vendas e por prêmios recebidos.
 
Na época em que você estava no ar numa propaganda de absorventes íntimos, recebeu de Paulo Ubiratan, seu primeiro convite para um trabalho na TV, onde interpretou Alice, na novela O Salvador da Pátria (1989). Como foi a experiência de encarar uma telenovela?
Na verdade fui convidada pelo meu saudoso padrinho de TV Paulo Ubiratan para fazer um teste em São Paulo com outras várias candidatas ao papel. Fiquei extasiada quando soube que faria a novela, tive muita ajuda da Betty Faria, Cecil Thirè e do meu namorado na época, o ator Paulo César Grande, que entre outros, são pessoas que habitam um alto patamar de minha gratidão.
 
Em seguida, viria o trabalho que lhe deu projeção nacional, no papel de Carla, na novela Top Model, também da Globo. Como foi lidar com um sucesso nacional?
Eu já lidava com um sucesso nacional, rs rs rs, acompanhei muito o ator Paulo César Grande em gravações, ensaios de teatro, estreias, temporadas, viagens, baile de debutantes, publicidade, etc...costumo dizer que o Paulão foi minha "faculdade" na profissão. Convivi com Paulão e o mega assédio que ele sempre teve, a simplicidade com que tratava a todos e a incansável dedicação ao trabalho, além de ser um colega generoso e um ser humano sempre disposto a aprender.
 
Por que, nos anos seguintes, você não conseguiu grandes trabalhos na Globo?
Fiz uma temporada teatral durante 4 anos com o mega sucesso "Caixa 2" de Juca de Oliveira e viajei o país inteiro com essa e outras magníficas peças de teatro, fiz uma temporada espetacular com Antônio Fagundes em "7 Minutos" que teve carreira internacional com temporada gloriosa em Portugal, fiz teatro dirigida 3 vezes por BIBI FERREIRA, trabalhei com Marcos Caruso, Irene Ravache, Rogério Fróes, Juca de Oliviera, Neusa Maria Faro, Fauzi Arap, Nelson Baskerville, André Garolli, Cláudia Mello, Petrônio Gontijo, Eugênia de Domenico, Blota Filho, Jayme Periard, etc etc etc...para uma atriz sem formação catedrática, acadêmica, é ganhar a sorte grande.
 
Você faz parte da memória afetiva de milhares de pessoas no país, como você “trabalha” com essa questão?
Estou viva, faço parte da memória imediata também, rs rs rs.
 
(um dos rostos mais conhecidos da TV brasileira)
 
No teatro são várias as participações: “O Mistério de Gioconda"; "Sete Minutos"; "O Grande Dia"; "Caixa Dois"; "Brasil S.A."; "O Diário de um Mago"; "Procura-se Um Tenor", "Sauna", entre outros. Hoje o teatro é a sua maior paixão?
Sempre será, pois é minha escola, meu aprendizado, meu aperfeiçoamento. Todos os diretores de novela me dizem que trabalhar com atores de teatro nas novelas é um sonho. Concordo, salvo raríssimas exceções, claro.
 
Grande parte dos seus papéis no teatro são voltados para o humor. Qual a razão?
Tenho a tendência a priorizar os convites para comédias, sinto-me muito a vontade com esse gênero.
 
Você trabalhou também no SBT em: "Sangue do Meu Sangue” e "Era Uma Vez". Em 1999, na Rede Record: "Louca Paixão", "Amor e Ódio". Rede Bandeirantes em 2005 e 2006 fez:"Floribella". Como essa experiência, como analisa a produção e o campo de trabalho para atrizes?
A produção tem melhorado em todas as emissoras, a tecnologia avança velozmente, a Internet muda o mundo, a informação chega para todos e permite o surgimento e divulgação de materiais inovadores e surpreendentes e o mercado de trabalho possibilita espaço para várias atrizes (e atores) nas mais diversas mídias...assisto muito o Canal Multishow e o GNT, aprendo e me divirto muito com as produções brasileiras desses canais a cabo...mas amo rever as produções do Canal Viva, aulas magnas para todos com grandes nomes!
 
Por que você fez tão pouco cinema?
Incompatibilidade de horários e oferta desanimadora de cachê, além de roteiros insatisfatórios até agora, lamentavelmente.
 
No cinema a chamada “panela” é mais evidente e mais difícil de ingressar?
Apenas questão de prioridades.
 
O que um produtor de cinema, especificamente de curta-metragem, precisa fazer para te convencer a participar de uma produção?
Convencer-me com um bom roteiro e oferecer-me condições confortáveis para trabalhar e uma remuneração decente.
 
(A atriz na gravação de Morde e Assopra)

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Silvia Mendes

 
Atriz e apresentadora. Nos Trabalhos realizados em cinema tem um curta-metragem (Heitor - O Caipira) e dois longas-metragens (Rio Corrente e Procura-se), um seriado (Os Instigados), na televisão atuou nas novelas (Carrossel e Amor e Revolução), ambas do SBT.
 
O que te faz aceitar participar de produções em curta-metragem.
Primeiramente pelo contato com cinema, os curtas são produções mais "fáceis" do ator participar. Os casting para essas produções são mais divulgados em grupos e nas redes sociais, do que os longas que já requer uma estrutura maior, envolvendo produtoras. Em segundo, a esperança de que algum diretor valorize o meu trabalho artístico e me de oportunidade para participar de um longa. E em terceiro lugar pelo material "portfólio artístico", principalmente se estiver de boa qualidade.
 
Conte sobre a sua experiência em trabalhar em produções em curta-metragem.
Até o momento, só tive uma pequena oportunidade em curta, pois a grande maioria que temos acesso, são produções independentes sem verbas para nada. Aceitei participar de uma delas para ter uma visão deste mercado, mas por ter sido um curta  produzido por alunos de escola técnica que estavam iniciando o curso, infelizmente não ficou com a qualidade boa, depois deste resolvi esperar uma oportunidade melhor.
 
Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Na minha opinião, é porque muitas produções, como eu mencionei acima, são independentes e não tem verba como os longas para se mostrarem no mercado. A população digamos, mais instruída, consegue ter acesso via Youtube! e por informações de amigos, porem isso não chega a grande massa da população, e o que não atinge essa massa não dá lucro e o que não dá lucro, não é vantajoso.
 
Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Acho que, tendo mais apoio e incentivo a este tipo de produção por parte dos órgãos competentes, geraria interesse financeiro da mídia em expor estes curtas em rede nacional de televisão, que é o meio mais fácil e é onde a grande massa da população tem acesso. Ou até mesmo deixando exibirem estes curtas em grande salas de cinema. Por exemplo, quando você comprasse o ingresso do cinema para assistir um longa, antes da sala exibir aquela porção de comerciais, esta sala teria obrigação de exibir um curta-metragem de qualidade. Seria a forma para popularizar os curtas. 
 
O curta-metragem para um profissional (seja ele da atuação, direção ou produção) é o grande campo de liberdade para experimentação?
Sim, sem dúvida. O profissional pode colocar sua cara, sua marca e se esta for de qualidade, pode avançar para novos projetos.
 
O curta-metragem é um trampolim para fazer um longa? 
Com certeza, a experiência vale muito para dar passos maiores. Ou seja, se um profissional faz um curta e este consegue ter qualidade e reconhecimento no seu meio, além da experiência que ele já adquiriu ele terá espaço e oportunidade da alçar voos maiores...vale a pena avançar. 
 
Qual é a receita para vencer no audiovisual brasileiro?
Não sei se existe uma receita pré-moldada, tudo é uma luta neste país, principalmente se tratando da cultura brasileira. Talvez nossos governantes deveriam valorizar mais a criatividade do seu povo. Mas uma certeza eu tenho, existem muitos profissionais e futuros profissionais, loucos para ter seu lugar ao sol, ter seu trabalho reconhecido e conhecido pelo seu povo. Competência, determinação e estudo árduo, são características visíveis em muitos deles.
 
Pensa em dirigir um curta futuramente?
Nunca pensei, nisso...Mas prefiro atuar, cada macaco no seu galho!

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

R.F.Lucchetti: Memória Cinematográfica


MEU AMIGO R. F. LUCCHETTI
Rafael Spaca


Meu primeiro contato com Rubens Francisco Lucchetti foi antes mesmo de assistir aos filmes que ele roteirizou. Certa vez, li uma matéria no jornal O Estado de S. Paulo falando sobre um senhor que não renunciava ao uso da máquina de escrever em seu ofício. A matéria era ilustrada com uma foto dele, tinha a informação do uso da máquina de escrever (chocante, pois estávamos iniciando um profundo processo de expansão tecnológica, com computadores ganhando cada vez mais adesão das classes populares) e contava em poucas linhas sobre sua paixão por Cinema, quadrinhos, histórias policiais e de Horror.

Desde então, aquele nome nunca mais saiu da minha cabeça.

Minha primeira ação foi ir atrás dos filmes que ele roteirizou. Veja bem, conheci R. F. Lucchetti antes mesmo de conhecer a filmografia de ícones como Zé do Caixão e Ivan Cardoso. Antes, não havia me interessado em assistir a esses filmes. Fui pelo Lucchetti, um iconoclasta, um provocador e, além de tudo, uma personalidade muito interessante.

Seus textos são de uma sofisticação ímpar. Os dois diretores são o que são porque foram parceiros deste genial roteirista.

Mojica, à época de completar setenta anos, recebeu uma bela homenagem do SESC. Montamos uma exposição que reproduzia um cemitério, exibimos seus filmes; e, naquela oportunidade, pude conhecer Lucchetti pessoalmente, quando foi lá dar um workshop. Lembro-me dele no ponto do ônibus com seu filho, Marco Aurélio, numa manhã fria, garoando, indo ao SESC. Lembro-me também do seu espanto e tristeza com a falta de informação e cultura dos jovens que estavam ali no workshop.

Daquela data em diante, fizemos amizade e nunca mais deixamos de conversar, seja por correspondência (aderi ao uso da carta), seja por telefone.

Em 2008, criei um blog sobre curta-metragem chamado Os Curtos Filmes (http://oscurtosfilmes.blogspot.com/), com o objetivo de debater o curta-metragem nacional. Mas resolvi fazer um adendo neste projeto: queria, de alguma forma, homenagear R. F. Lucchetti, contar sua história para o público do blog.

A partir daí, trocamos correspondências e, generosamente, Lucchetti disponibiliza um tesouro imensurável de textos e histórias que nos encanta e mostra o quão grande é sua obra e sua história.

Ressalto que a homenagem que realizo no blog não é por mera simpatia e amizade que tenho por ele. O que fiz, faço e pretendo fazer é uma justiça histórica.

R. F. Lucchetti paga por ter nascido no Brasil. Um profissional com uma imaginação igual à sua é raro encontrar por aí. Deveria ser cultuado, ouvido e requisitado. Mas não é o que acontece atualmente.

Este texto é para expressar o meu respeito e admiração pelo meu amigo.

Rafael Spaca é radialista e autor do blog Os Curtos Filmes

Este texto foi escrito em São Paulo, em fevereiro de 2012.

Ano 4 - nº 14 - outubro/dezembro de 2012.



terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Renata Zhaneta

 
Professora de interpretação no Curso de Teatro da Universidade Anhembi Morumbi desde 2004, com pós graduação em Ensino Superior realizada nessa mesma instituição. Graduou-se em Psicologia e Pedagogia. No ano de 2014 completa 40 anos de carreira como atriz em teatro. Trabalha também em cinema e televisão. Recebeu inúmeros prêmios ao longo da carreira. O mais recente foi o Prêmio APCA de 2007, pelo conjunto da obra, por suas atuações em ‘Macbeth’ de W. Shakespeare e ‘A Grande Imprecação’, de Tankred Dorst.
 
O que te faz aceitar participar de produções em curta-metragem.
O projeto. 
 
Conte sobre a sua experiência em trabalhar em produções em curta-metragem.
Fiz alguns curtas que eu adorei. Como atriz não faço distinção entre curta ou longa.
 
Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Penso que seja preconceito.
 
Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Como a projeção de longas,.com a mesma dignidade.
 
O curta-metragem para um profissional (seja ele da atuação, direção ou produção) é o grande campo de liberdade para experimentação?
Acho que se pode fazer experimentação em curtas ou longas. Experimentação é uma opção do artista.
 
O curta-metragem é um trampolim para fazer um longa?
Penso que trampolim é uma palavra esquisita. A obra de arte requer acúmulo e experiência. Se fazer curtas te dá experiência para realizar um longa, é importante fazer.
 
Qual é a receita para vencer no audiovisual brasileiro?
Não sei qual é a receita para vencer no audiovisual brasileiro. Pra começar, discuto o conceito  "vencer". Mas se estamos falando em ter uma atividade profissional que seja importante pra você e reconhecida publicamente, acho que trabalhar com ética é o ponto de partida.
 
Pensa em dirigir um curta futuramente?
Nunca dirigi nenhum curta. Mas nunca é tarde. Tenho sempre muitas ideias. Quem sabe, né?

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

R.F.Lucchetti: Memória Cinematográfica


A SECRETÁRIA PERFEITA
R. F. Lucchetti

– Stamford, a próxima estação! – Gritou o fiscal do trem, quando o trem deixou a estação de Darien.
Eram 7h49.

Susan Blair, que embarcara em Bridgeport às 7h15, verificou se dispunha de quantidade suficiente de lápis com ponta. Colocou sua bolsa sobre o assento do lado, para garantir um lugar para Hugh J. Waterman, que, às 7h57, embarcaria em Stamford.

Waterman, diretor da Companhia de Investimentos Waterman, fazia a viagem diária para Nova York. Era um homem metódico e, ao mesmo tempo, um dínamo humano. Todas as manhãs fazia ditados, rápidos e resumidos, durante todo o percurso de Stamford à Rua 125; e repetia a mesma coisa todas as tardes, no trem das 17h2, que partia de Nova York.

Susan se empregara como sua secretária há alguns meses. Raramente o via em seu escritório de Nova York. Lá, ela passava a maior parte do tempo digitando o que ele ditava no trem. Não era um trabalho exaustivo, considerando-se o bom salário que recebia.

De bloco e lápis prontos, Susan tirou um minuto para maquilar-se. O seu espelhinho refletia um rosto pequeno e alerta, olhos vivos, um nariz levemente arrebitado e uma grande mecha solta de cabelos louros. Acertou a pintura dos lábios.

Waterman era o que se podia chamar um modelo de equilíbrio, sempre preciso e eficiente.
Eram 7h53, e o trem passou por Glenbrook sem parar. A essa hora, em dezembro, ainda era escuro e as pessoas na plataforma mais pareciam sombras cinzentas.

Dentro do carro, as luzes ainda estavam acesas. Os passageiros que embarcaram em Bridgeport, Norwalk e Darien já tinham se acomodado confortavelmente. O inevitável jogo de bridge já fora organizado. Viajavam corretores, comerciantes e editores. Susan viu o jovem Phil Dodds, mais à frente , lendo um programa de corridas de cavalo. Dodds era um dos sócios da Cia. Waterman; e Susan não o tinha em boa conta, porque, embora sendo um homem casado, era visto freqüentemente almoçando com moças do escritório.

Bem defronte, sentava-se o “antipático”. Ela assim o chamava porque todas as manhãs ele escolhia um lugar defronte ao dela ou o mais perto possível.

Ele era um tipo sombrio e melancólico, que jamais dirigia uma palavra ou um olhar a Susan. Ficava sempre alheio a tudo, até o momento em que Waterman embarcava em Stamford, quando, então, se tornava muito atencioso, não com a moça, mas com o próprio Waterman. Susan Blair era uma observadora incomum. Gostava de classificar as pessoas; e, para ela, o “antipático” era um caçador de informações sobre o mercado de títulos, sempre tentando ouvir o que ditava o perito em investimentos Hugh J. Waterman.

O fiscal do trem pediu a passagem do “antipático”.

– Bom-dia, Conkling.

O fiscal conhecia todos os passageiros pelo nome ou de vista. Tomou, depois, a passagem do passageiro do banco de trás de Susan, mas sem o cumprimentar pelo nome.

Susan olhou por cima do ombro, para ver o estranho. Era um jovem a quem nunca vira naquele trem. Usava um distintivo de desligamento do Exército na lapela do paletó esporte, e as calças eram das que usam os oficiais. Susan deduziu três coisas: que ele era de boa aparência, inteligente e se achava concentrado, não em si, mas no homem que se sentara no banco defronte:

Conkling.

– Stamford! – Gritou o fiscal.

Susan voltou-se para a janela, com grande ansiedade, preparando-se para apreciar o espetáculo apresentado por Waterman tomando o trem. Comumente era uma cena que oferecia momentos de emoção. E, naquela manhã, tornou a acontecer a mesma coisa. Muitos passageiros aguardavam o trem na plataforma, menos Waterman. O seu carro não se achava entre os outros lá estacionados. O fiscal já ia dar o sinal de partida... e nada de Waterman.

O trem reiniciou a marcha. Foi aí que começou o espetáculo. Um sedã chegou correndo à estação. A esposa de Waterman vinha ao volante, agasalhada com um casaco de peles. Susan viu quando ela se despediu de Waterman com um beijo na face; e, então, ele saltou do carro com sua pasta, disparando em direção ao trem. Waterman tinha quarenta anos e pesava quase cem quilos, mas isto não o impedia de correr como um colegial todas as manhãs, exatamente às 7h57, para alcançar o trem. Na manhã escura e fria, com a plataforma cheia de neve, o espetáculo ofereceu emoções mais fortes do que nunca.

Não obstante, num abrir e fechar de olhos como de costume, Waterman agarrou o balaústre do último carro e pulou. Susan respirou aliviada. Temia que um dia ele quebrasse o pescoço. Chegou ofegante, vermelho e apressado. Despiu o casaco, dobrou-o cuidadosamente e colocou-o sobre o bagageiro.

– Bom-dia, Susan – cumprimentou bruscamente, sentando-se ao lado da jovem.

Dirigiu-lhe seu costumeiro sorriso, abriu a pasta e tirou um grande maço de correspondência.

– Responda a estas afirmativamente – e ia passando-lhe algumas cartas. – A estas, negativamente... Mande a essas pessoas as cotações que pedem... Aqui está uma carta cuja resposta merece um tratamento especial. Inicie-a assim: “Caro Senador, com referência aos títulos da Companhia Cord...”

Durante vinte minutos, ele mais parecia uma metralhadora. O lápis de Susan voava sobre o papel.

– Aqui está uma carta de McCoy & Blake, de Chicago: Responda pessoalmente para Bill McCoy, assim: “Caro Bill, compre de qualquer maneira ações da Companhia Fairfax. E não se esqueça da reunião no 18º andar.”
Susan estremeceu ligeiramente. Waterman devia estar enganado, pois ainda no dia anterior havia aconselhado a um de seus clientes que vendesse as ações da Fairfax. Na verdade, o próprio Waterman havia vendido todo o seu estoque daquelas ações. Por que iria aconselhar um amigo como McCoy a comprar tais ações?

Susan olhou intrigada para seu patrão. Mais adiante, pôde ver Conkling bastante inclinado, com o intuito aparente de escutar o que era ditado. Na opinião de Susan, Waterman havia notado o interesse daquele homem em ouvi-lo; e isso o deixara nervoso. Eis aí a razão de ele haver empregado o verbo errado. Ou não seria isso? Susan sabia que Waterman era um homem astuto. Jamais cometera um erro. Talvez estivesse propositadamente despistando Conkling.

Susan relanceou o olhar sobre o ombro. O jovem de paletó esporte ainda fixava Conkling. Havia um certo ar de desconfiança em seu rosto.

O trem passou por New Rochelle.

Waterman ditou mais meia dúzia de cartas. Quando chegaram à Rua 125, ele fechou a pasta e disse:

– Por hoje é só, Susan.

Foi a primeira pausa para ela. Olhou em torno. As luzes do trem, mais fortes agora que ele entrava no túnel, revelaram a Susan uma leve marca de batom na face de seu patrão. Isso a deixou um tanto embaraçada, pois sabia que devia avisá-lo. No entanto, estava indecisa. Waterman considerava-se perfeito em tudo e talvez se aborrecesse, caso lhe chamasse a atenção para aquilo. Mas o senso do dever fez com que ela mudasse de ideia.

– Sr. Waterman, espero que não se aborreça, por eu dizer isto. Quando sua esposa o beijou, na estação, deixou uma marca de batom no seu rosto.

– Obrigado, Susan. – O financista mais parecia grato do que aborrecido. Tentou tirar a marca do rosto; porém, não conseguia acertar o local.

A moça sorriu.

– Deixe que eu limpo.

Com seu lenço, Susan, de uma só vez, fez desaparecer a mancha vermelha.

– Grand Central! – Avisou o fiscal.

Eram 8h46.

Ao sair da estação, Susan notou que o rapaz de paletó esporte seguia Conkling. Waterman percebeu seu olhar enigmático e explicou:

– Chama-se Scudder. Contratei-o para vigiar aquele tipo.

Susan ficou surpresa.

– O senhor se refere ao homem que senta em frente ao nosso banco? Ele é perigoso?

Waterman, apressando-se em direção a um táxi, deu um sorriso irônico.

– Espero que não; mas acontece que há três dias andaram vasculhando as gavetas da minha escrivaninha, na minha casa em Stamford. Pode muito bem ser o homem que senta defronte a nós e fica à escuta, todas as manhãs. Por isso, encarreguei Scudder de descobrir tudo.

Vinte minutos depois, Susan estava escrevendo cartas. Digitou primeiro a carta para McCoy e levou-a ao escritório de Waterman.

– Isto aqui não está errado? – E apontou para a palavra compre.

– Sim, está errado – respondeu-lhe Waterman, com ar de surpresa, o que fez Susan concluir que o erro não fora cometido deliberadamente.

– Eu queria dizer venda. Pode corrigir.

– Outra coisa. Ontem, o senhor me pediu que eu não o deixasse esquecer que hoje é o seu aniversário de casamento.

– Exatamente. – Fechou os olhos, como se estivesse pensando em alguma coisa. Depois, disse bruscamente: – Telefone para a Joalheria Atlee. Diga que vou ficar com o broche de esmeralda que me mostraram no outro dia.

Peça que o embrulhem para presente e mandem para cá.

– Sim, senhor.

Susan sentou-se em sua mesa e fez o telefonema. Devia ser agradável ter um marido tão generoso, pensou ela. Do mesmo modo, devia ser muito bom ter uma esposa tão devotada como a sra. Waterman. Só mesmo uma esposa amorosa, concluiu Susan, levaria seu marido até a estação todas as manhãs às 7h57 e lá o esperaria à tarde, às 17h52.

Susan terminou o seu trabalho. Gastou apenas meia hora no lanche. Eram quatorze horas, quando Waterman pediu que lhe trouxesse uma determinada pasta.

– Mande Phil Dodds aqui.

Mas Susan não encontrou o jovem sócio. Dodds havia saído para falar com alguns clientes e ainda não tinha voltado.

Pouco depois das dezesseis horas, Susan levou um maço de cartas para Waterman assinar. Esperava que ele terminasse as assinaturas, quando o rapaz de paletó esporte e distintivo do Exército entrou.

– Olá, Scudder – saudou Waterman. – Esta é minha secretária, a srta. Blair. Estou muito ocupado agora. Faça o seu relatório a ela.

Susan encaminhou-se para a sua sala; e Scudder começou a falar, assim que ela se sentou à escrivaninha:

– O relatório resume-se no seguinte: o sr. Conkling tem um álibi perfeito para a noite em que vasculharam as gavetas da escrivaninha do sr. Waterman. Foi outra pessoa, menos Conkling. Ele é um sujeito inofensivo. Sua culpa começa e termina no trem, por ouvir o que o sr. Waterman dita.

Susan anotava o que o rapaz dizia, quando foi interrompida pela campainha do telefone. Atendeu ao telefone e ouviu uma voz áspera:

– Aqui é o chefe de polícia de Stamford. Quero falar com o sr. Waterman.

Como de hábito, Susan respondeu:

– Ele está ocupado, no momento. É muito importante?

A voz do outro lado foi agressiva:

– Claro que é importante! A esposa do sr. Waterman foi assassinada.

O choque de tais palavras petrificou-a. Ainda confusa, fez a ligação e ouviu a voz de Waterman:

– Aqui fala Waterman.

Desligou o telefone e olhou para Scudder, gaguejando:

– É a polícia! Disseram que ela foi assassinada!

– Ela quem? – Indagou Scudder, ansioso.

– A sra. Waterman.

Daí a um minuto, Waterman entrou na sala. Estava pálido.

– Vou para casa – a voz saía com dificuldade. Pegou o sobretudo e correu para o elevador.

Horrorizada com tudo aquilo, Susan ficou muda. Scudder pegou o telefone e falou asperamente:

– Alô, telefonista! Quero falar com a delegacia de polícia de Stamford. – Olhou para Susan e explicou: – Talvez não passe de um truque para afastá-lo daqui. Ou talvez haja relação com o caso que estou investigando. – A ligação foi feita, e Susan ouviu-o dizer: – É o chefe de polícia de Stamford?... Meu nome é Scudder, trabalho para o sr. Waterman... Um assaltante?... Os papéis de sua escrivaninha espalhados?... Obrigado.

– Que sabe eles? – Perguntou Susan ansiosa, quando Scudder repôs o fone no gancho.

– A esposa de Waterman levou-o à estação às 7h57. Umas doze pessoas a viram voltar para casa sozinha. O carro está na garagem. Hoje é quinta-feira, dia de folga da empregada. Uma vizinha, ao visitá-la esta tarde, encontrou-a estrangulada junto à escrivaninha. Estava morta há sete ou oito horas. Deve ter surpreendido o assaltante, ao voltar da estação. Qual o horário do próximo trem?

– 17h2 – o mesmo em que vou para casa todos os dias.

Mecanicamente, Susan começou a juntar as suas coisas. Tinha deixado sua bolsa em algum lugar. Entrou no escritório de Waterman e achou a bolsa sobre a escrivaninha.

– Também vou nesse trem – disse Scudder.

Tomaram um táxi para a Grand Central e chegaram lá às 16h55. Waterman aguardava impacientemente que se abrisse o portão da plataforma.

– É melhor não incomodar – disse Susan. – Nada podemos fazer por ele. Pobre homem!

Permaneceram afastados, no meio da multidão; e, quando o portão se abriu, Waterman foi um dos primeiros a passar. Não o viram mais até se sentarem no trem. Waterman estava no terceiro banco adiante.

– Este é um de meus primeiros casos – disse Scudder, em tom melancólico. – E sinto que fracassei.

– Como assim? – Indagou Susan, sem entender.

– Por não ter apanhado o homem que entrou na residência de Waterman há três noites. Se eu o tivesse prendido, a sra. Waterman estaria viva.

– Você é detetive há bastante tempo?

– Não. Quando servi o Exército, fiz parte do Serviço Secreto. Gostava do meu trabalho. Por isso, ao dar baixa, há um mês, achei que poderia fazer o mesmo tipo de serviço na vida civil.

Susan quase não o ouvia. Seus olhos e pensamentos estavam voltados para Waterman...

“Estaria Conkling naquele trem?” Perguntou a moça a si mesma.

Bem, isso não tinha importância, pois ele não poderia estar em Stamford, logo depois que o trem deixara a estação naquela manhã. Nem ele, nem ela, nem Phil Dodds, nem Scudder, nem qualquer outra pessoa que viajara naquele trem. O crime fora cometido logo após a sra. Waterman voltar da estação.

– Conhecia a sra. Waterman pessoalmente? – Indagou Scudder.

Susan balançou a cabeça.

– Eu a via, naturalmente, duas vezes por dia, na estação. Na semana passada, eu a vi no escritório. Veio almoçar com o marido. Ela sorriu para mim...

Susan interrompeu a narrativa nesse ponto, notando um movimento estranho de Waterman: viu o homem abrir a janela ao lado do banco onde estava sentado e arremessar alguma coisa para fora.

O estranho, no gesto de Waterman, foi ela ter reconhecido o objeto jogado fora. Mas não podia ser! O objeto era dela e estava na bolsa, ainda há pouco!

Para certificar-se, abriu a bolsa e procurou. Não estava mais!

Susan Blair sentiu um calafrio percorrer seu corpo da cabeça aos pés. Um pensamento invadiu sua mente, como um raio... As conclusões que tirava pareciam todas coincidir. Até mesmo a contratação de Scudder para vigiar Conkling. E aquele sorriso gracioso da sra. Waterman, na semana passada, no escritório! Um tipo de mulher grande, robusta, quase masculina!

À medida que o trem avançava, os pensamentos de Susan eram invadidos pelos fatos. Tudo coincidindo. As gavetas da escrivaninha de Waterman vasculhadas... Aquele caríssimo broche de esmeralda, o erro no ditado da manhã! E aquele objeto que deveria estar em sua bolsa, mas que, ao invés disso, foi jogado fora por Waterman!

Agora estava certa de tudo. Um senso de realidade a fez ficar calada diante de Scudder. A noção de responsabilidade, porém, exigia que ela falasse. Scudder, além de tudo, era um detetive criterioso. Voltando-se para Susan, ele perguntou:

– Que aconteceu? Você parece estar vendo fantasmas. Posso ajudar em alguma coisa?
– Sim. Você poderá me dizer se estou errada.
– Errada em quê?
– Em pensar que o assassino da sra. Waterman é o próprio marido.
– Claro que você está errada! – Respondeu Scudder. – Ela o levou à estação hoje de manhã. Eu a vi; e cinqüenta outras pessoas também a viram, inclusive você!
– Diariamente, durante anos, cinqüenta pessoas têm visto aquela mulher levar o marido à estação – concordou Susan. – Todos apreciam, ainda, a ginástica que faz o sr. Waterman para apanhar o trem. E foi o que novamente aconteceu na manhã fria e escura de hoje. Eu mesma a vi. Mas noventa e nove por cento de minha atenção se concentravam no sr. Waterman, a fim de ver se ele conseguia pegar o trem; e apenas um por cento olhou para a sua esposa, uma mulher enrolada em agasalhos, de xale na cabeça e vista através do vidro molhado do para-brisa.

Os olhos de Scudder brilharam

– Vamos! Continue!

– O sr. Waterman pode muito bem ter inventado essa história de haverem vasculhado as gavetas de sua escrivaninha. Isso justificaria o emprego de você para vigiar Conkling e daria a impressão de que suspeitava de alguém interessado em informações sobre o mercado de títulos. Você, portanto, seria mais uma testemunha a jurar que viu sua esposa levá-lo de automóvel à estação.
Susan esperou por um instante que Scudder discordasse de suas suposições. Mas ele apenas disse, ansioso:

– Continue. O detetive agora é você, não eu.

– Então, quando ela o beijou, ao despedir-se na estação, deixou no rosto dele a marca de batom. Limpei-a com o lenço. Mais tarde, ele se lembrou desse detalhe e tirou de minha bolsa o lenço manchado que acaba de jogar pela janela.

– Só isso? – Indagou Scudder.

– Sua esposa não usava batom, no dia em que eu a vi no escritório. E a mulher que o trouxe à estação usava.
Scudder refletiu por um momento. Waterman poderia ter assassinado sua esposa às 7h40, antes de sair de casa; e, mesmo que outra mulher o tivesse levado à estação, cinquenta pessoas jurariam que era sua esposa.


– Prove-me que estou enganada – implorou Susan.

– A prova está nos lábios da mulher assassinada – disse Scudder, sacudindo negativamente a cabeça. – Se não houver batom, Waterman é o assassino. Aquele beijo o traiu.
Scudder levantou-se de seu lugar.


– Aonde vai? – Perguntou Susan, com voz fraca.

– Dizer a Waterman que sei quem é o assassino.

Scudder avançou três bancos adiante.

Susan viu quando Waterman voltou-se e encarou Scudder.

A secretária notou o medo que se estampou nos olhos de seu patrão, quando o ex-militar sentou a seu lado.

Nesse instante, a porta do carro se abriu e o fiscal gritou com voz forte:

– Stamford, a próxima estação!