R. F. LUCCHETTI, O LOVECRAFT DE RIBEIRÃO PRETO
Ivan
Cardoso
Rubens
Francisco Lucchetti, mais conhecido como R. F. Lucchetti, é um caso único
dentro da cultura brasileira. É um autor cosmopolita e universal – talvez seja
o mais universal dos nossos escritores – que se dedica a escrever sobre temas
considerados, em nosso país , estrangeiros ou malditos. Sua vasta obra é quase
toda de textos dos gêneros Policial, Suspense e Horror. Suas histórias são
povoadas por detetives particulares, lobisomens, monstros, cientistas malucos,
mocinhas ingênuas em constante perigo, mulheres fatais, múmias, plantas
carnívoras, seres deformados e, entre outras figuras, vampiros !
R. F. Lucchetti, também conhecido como o Lovecraft de Ribeirão Preto, é o homem
das mil e uma histórias. É o homem dos mil heterônimos, pois grande parte de
sua fantástica produção está assinada com pseudônimos e heterônimos (Brian
Stockler, Mary Shelby, Terence Gray, Theodore Field, Vincent Lugosi, Peter L.
Brady, Mark Donahue, Frank Luke, Isadora Highsmith, Christine Gray, Helena
Barton, Constance Gray, Frank King e Erich Von Zagreb são alguns desses
pseudônimos e heterônimos).
Lucchetti é o único escritor brasileiro que conhece, com profundidade e
propriedade, toda a mítica que envolve e compõe o rico universo classe B das
surpreendente histórias Noir e de Horror, sendo injustamente
marginalizado por ter passado as suas verdades em veículos que sofrem – por
parte dos nossos intelectuais esquerdofrênicos – preconceitos antiqüíssimos.
Sua instigante obra, mesmo tendo se espalhado por dezenas de fotonovelas,
centenas de histórias em quadrinhos ( muitas delas desenhadas pelo legendário
quadrinhista italiano Nico Rosso, com quem criou A Cripta, uma revista
que inovou os quadrinhos brasileiros de Horror), um incalculável número de
livros de bolso, um sem-número de histórias publicadas nas principais revistas pulp
do nosso país, diversos seriados radiofônicos, vários scripts para a
televisão e quase trinta roteiros cinematográficos, permanece ignorada pela
crítica, que nunca lhe deu atenção, num autêntico crime que lesa a nossa
cultura.
Mas o Lucchetti não está nem um pouco preocupado com o que os críticos pensam a
respeito de sua obra. O que lhe interessa é estar em seu gabinete de trabalho,
criando histórias de Detetive & Mistério ou de Horror. Outra coisa que lhe
interessa é sua monumental biblioteca, onde estão reunidos quase todos os
livros policiais e gibis editados no Brasil e em Portugal.
O Lucchetti é também o homem dos mil segredos, e a cada momento descobrimos
coisas novas a seu respeito. Por exemplo: foi só há poucos meses que descobri
que ele e Nico Rosso realizaram o primeiro graphic novel que se tem
notícia, O Filho de Satã (1). Eu descobri isso lendo a orelha do livro Os
Extraordinários (2. Eu desconhecia por completo esse trabalho do Lucchetti.
Porém, não o culpo por não me ter informado. Culpo nosso críticos de Quadrinhos,
que só sabem falar e escrever sobre comics made in USA.
Para concluir, volto a dizer algo que já disse e escrevi várias vezes: há
poucos escritores como R. F. Lucchetti. Seus disfarces e falsidades são
inumeráveis. Na capa ou no prólogo de qualquer um de seus livros, ele já
apresenta uma mistificação; e o público lê um nome que, na verdade, não
existe... ou melhor, existe apenas na imaginação do seu criador. Isso porque
Lucchetti só se sente bem no pseudônimo, na informação falsa.
NOTAS
(escritas por Marco Aurélio Lucchetti):
(1) O Filho de Satã foi lançado em 1970, isto é oito anos antes da
publicação daquele que é considerado o primeiro graphic novel: Um
Contrato com Deus (A Contract with God, no original), de Will
Eisner.
(2) Nesse livro, publicado pela Opera Graphica Editora na primavera de 2003, R.
F. Lucchetti reuniu erecontou alguns clássicos da chamada literatura de
entretenimento: Drácula, de Bram Stoker; As Minas do Rei Salomão,
de H. Rider Haggard; Vinte Mil Léguas Submarinas, de Jules Verne; O
Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson; “ Os Assassínios da Rua
Morgue”, de Edgar Allan Poe; e “ O Problema Final”, de sir Arthur Conan
Doyle.
Este
texto foi escrito no Rio de Janeiro, em janeiro de 2004.
Ivan
Cardoso é cineasta. Dirigiu os filmes Nosferato no Brasil, Sentença de Deus, O
Universo de mojica Marins, Dr. Dyonélio, HO e O Escorpião
Escarlate, entre outros. Organizou o livro Ivampirismo: O Cinema em
Pânico, no qual foram publicados os roteiros de dois de seus principais
longas-metragens, O Segredo da Múmia e As Sete Vampiras. Tirou,
desde os primeiros anos da década de 1970, mais de 45 mil fotos de pessoas
(brasileiras e estrangeiras) ligadas ao Cinema; e algumas dessas fotos foram
reunidas no livro De Godard a Zé do Caixão, editado em 2002 pela
Fundação Nacional de Arte (FUNARTE).