quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Nathalia Lorda

 
Atriz formada pela EAD e diretora teatral pela ECA/USP. Como atriz participou dos filmes Garotas do ABC e Bens Confiscados, ambos de Carlos Reichembach; Bodas de Papel, de André Sturm; A Memória Que Me Contam, de Lúcia Murat; e nos curtas Faça Sua Escolha e De Outros Carnavais, ambos de Paulo Miranda. Foi preparadora de elenco no filme Bens Confiscados, de Carlos Reichembach.
 
O que te faz aceitar participar de produções em curta-metragem.
Bom, acho que o fundamental é um bom roteiro e uma equipe de filmagem competente. Também presto atenção à visão e estética que o diretor quer dar a essa estória. E é claro ao personagem. De alguma forma o personagem tem que ser instigante ou ajudar a contar uma estória interessante. Se eu me sentir atraída por essas coisas, aceito sem problemas.
 
Conte sobre a sua experiência em trabalhar em produções em curta-metragem.
Fiz dois curta- metragens profissionais com o diretor Paulo Miranda. O Paulo e sua equipe são profissionais bastante competentes e criativos, portanto a experiência foi muito boa. No primeiro, quase todos os atores do filme eram amigos, o que propiciou um clima de cumplicidade bastante divertido.  Percebi que o diretor não tinha todos os planos de filmagem resolvidos, o que nos dava alguma liberdade (a atores e equipe técnica) para sugerir coisas.  Ele não tinha todas as respostas prontas, o que para mim é excelente. Também soube construir um clima de harmonia entre a equipe em prol de um projeto comum e, sobretudo sabia dirigir atores e confiar neles, coisa que acho fundamental. No segundo projeto, as características essenciais permaneceram as mesmas, mas a equipe era muito maior, assim como o número de locações e o tamanho da produção. Pude perceber maior segurança e maturidade em relação ao diretor, equipe e todo o processo de filmagem.
 
Algumas experiências não satisfatórias estão ligadas a curtas-metragens de alunos de escola de cinema. Dos vários que fiz, raramente tive acesso ao resultado final ou algum contato pós- filmagem para uma avaliação ou troca em relação ao trabalho. Achei frustrante.
 
Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Não sou uma especialista nesse assunto, mas imagino que o curta-metragem, pelo menos no Brasil, é visto como uma experimentação antes de realizar um filme “sério”, ou seja, um longa-metragem. Mesmo nas escolas de cinema, o curta é visto como um grande e talvez o primeiro exercício para fazer cinema, e não como uma linguagem em si, o que verdadeiramente é. Sabemos que para que um diretor realize um longa-metragem ele precisa ter alguns curtas profissionais na bagagem. Para que esta situação se modificasse, precisaríamos criar uma cultura de conceber e entender o curta-metragem como uma linguagem específica, carregada de particularidades e nuances e não apenas como um “trampolim”, treinamento  ou meio para filmar um longa-metragem.
 
Outra questão é a realidade cultural de nosso país, onde a arte não faz parte de nosso cardápio diário e onde o cinema ficou quase dez anos sem possibilidade de realização. Além disso, posso estar equivocada, mas não percebo muito interesse de profissionais destacados da área em dar atenção aos curtas-metragens. Estas podem ser algumas possibilidades, longe de esgotá-las, de que o curta- metragem tenha pouco espaço no cenário comercial.
 
Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Bem, essa questão é um problema do cinema nacional em geral (tirando as produções da Globofilmes), não só de curtas-metragens. Sabemos a batalha que significa manter um filme nacional em exibição nas salas de cinema. Além do mais temos cada vez menos salas fora do grande circuito comercial. Volto a dizer que não sou especialista no assunto, mas imagino que uma política cultural de distribuição e exibição que levasse em conta e favorecesse nossas produções seria um grande começo. Talvez também pudéssemos criar a possibilidade de exibir curta- metragens antes da exibição de outros filmes em circuito comercial, como já feito anteriormente. Músicos e maestros são muito bons agrupando peças eruditas curtas variadas em concertos gratuitos ao ar livre ou em pequenas salas para simples fruição do espectador comum. Talvez pudéssemos nos inspirar neles e democratizar a exibição do curta, tirando-o do circuito quase restrito de festivais. Quem sabe assim criaríamos uma cultura de cinema, independentemente do formato.
 
O curta-metragem para um profissional (seja ele da atuação, direção ou produção) é o grande campo de liberdade para experimentação?
Posso apenas falar da perspectiva da atuação.  Para que o curta-metragem seja um espaço de experimentação para o ator, acho que depende bastante da relação que o diretor estabelece com os atores no set, como ele enxerga o roteiro (se as falas e ações podem ser improvisadas ou não), a importância que personagem ocupa na estória ou ideia a ser passada e qual a linguagem estética adotada.  Mas mesmo com um roteiro e direção autocráticos, ou seja, sem muita liberdade de interferência, penso que a atuação para cinema deve ser sempre um momento vivo, experimental, real e portanto único. Quando isso acontece nada é conhecido ou previsível. Meu grande mestre, Carlão Reichembach, me disse durante a filmagem de “Garotas do ABC” que apesar de todo ensaio, preparação e planos de filmagem estabelecidos, o momento do “ AÇÃO” é o momento do salto no abismo. Levo esse ensinamento sempre comigo independente se faço um curta ou longa-metragem.
 
O curta-metragem é um trampolim para fazer um longa?
Acho que não necessariamente. Entendo o longa e o curta-metragem como linguagens de naturezas diferentes. Pelo menos em minha experiência uma coisa não está ligada à outra.
 
Qual é a receita para vencer no audiovisual brasileiro?
Não acredito em receitas. Acredito na qualidade de ideias e roteiros e também em profissionais criativos. A arte depende do diálogo que estabelece com o contexto contemporâneo e da troca e resposta que obtêm do público, e isso é impossível de prever. Acredito que filmes de sucesso tem algo importante a dizer no momento em que são feitos e tocam a humanidade do expectador de maneira surpreendente e antes não suspeitada.
 
Pensa em dirigir um curta futuramente?
Estou participando de um projeto de curta-metragem colaborativo. Ou seja, os atores criam o roteiro e personagens, juntamente com a diretora, e também sugerem a forma em que as cenas poderiam ser filmadas. É bastante instigante e nos faz participar mais intensamente de todo o processo. Talvez no futuro, com mais experiência, me aventure a dirigir um curta.