Walter
Webb
Diretor de produção
O
senhor trabalhou no filme Simbad, O
Marujo Trapalhão, realizado antes da formação
tradicional. Nesse filme, só Didi e Dedé atuam. Como foi a experiência?
Simbad foi o filme que mais
rendeu da dupla Renato-Dedé... Renato morava no Jardim Botânico, a trinta
metros da Rede Globo, e era completamente ignorado pela mídia da época. Estava
financeiramente equilibrado, mas não era rico. Simbad começou a torná-lo
milionário... A experiência não foi surpresa, pois sempre fiz longa-metragem e
sabia o que fazia..
Os
dois já tinham planos de agregar mais atores na formação?
Nunca
participei desse processo... Sempre imaginei Didi e Dedé uma dupla baseada em
Jerry Lewis e Dean Martin. Transformá-los num quarteto deu problemas.
Por
que imaginava que tornar-se um quarteto daria problemas?
A
briga de egos era incrível, com Renato de paxá contra Mussum, que era realmente
venerado pela massa... Depois, problemas financeiros. Grana sempre pesa na
jogada, pois todos eram contratados do Renato. Daí....
O
roteiro de Simbad foi
escrito por J. B. Tanko, baseando-se em história escrita em parceria com Vitor
Lustosa. Gostaria que falasse de Lustosa.
Josip
Bogoslaw Tanko era um gênio... Ensinou muito diretor que ainda filma por aí.
Vitor Lustosa era um assistente de direção que sempre esteve com Tanko, mas
suas experiência como diretor não foi das mais felizes. Era um cara legal e excelente
profissional...
A
escolha de Tanko era do Renato? Por que outros cineastas começaram a dirigir os
filmes dos Trapalhões?
Todos
os grandes filmes do Renato foram dirigidos e coproduzidos por Tanko, que saiu
quando Renato optou pela Rede Globo para encarregar-se dos filmes... Entraram
novos diretores, que não assimilavam a improvisação que Renato criava nas
filmagens... Resultado, os filmes não transmitiam a força e a graça dos Trapalhões. Tanko,
com Robin Hood e
A Ilha do Tesouro,
fez uma mina entrar na conta do Renato Aragão.
Como
surgiu o convite para trabalhar com Renato Aragão?
Foi
Roberto Bataglin que me apresentou a Tanko. Eu tinha acabado de fazer O Pistoleiro, na Bahia.
O Tanko tinha restrições quanto a mim. Porque eu era também produtor de filme publicitário, e
ele achava que nós gastávamos muito. Resultado:
fiz o filme, antecipamos o cronograma; e ele me convidou logo para o filme seguinte, Os Trapalhões no Planalto dos Macacos.
Como
foi a sua participação no filme Simbad?
Que você fazia nesse filme?
Era
diretor de produção. Tinha toda a liberdade, e fizemos um trabalho
surpreendente.
Que
quer dizer com surpreendente?
Surpreendente,
porque, como usávamos sempre a cartilha de um produtor de cinema, através da
experiência adquirida, pensei que eles iam estranhar meu comportamento. Mas,
para minha surpresa, só foram elogios para o método de trabalho, a decupagem de
filmagem. Haviam planejado seis semanas de filmagem, terminamos em quatro e
meia ou cinco semanas. Isso, em termos financeiros, é referencial.
A
trilha sonora foi de Edino Krieger. Gostaria que comentasse sobre ele.
Edino,
que nunca conheci pessoalmente, era considerado um excelente músico e maestro.
Um mestre... Tanko tinha esse faro de pegar pessoas competentes...
Quais
as lembranças de bastidores do filme?
Um
ambiente profissional, pois o velho Tanko era um protótipo do cinema sério. E
Renato, apesar das piadas e bom humor, mantinha o status de produtor com muita
moral.
Renato
fazia piadas nos bastidores ou em cena?
Muito
trocadilho, brincava sempre nos intervalos. Mas sempre com aquela postura de
que quem mandava era ele... Dizem que, ultimamente, ele mudou o jeito de ser...
Não afirmo nada disso, pois no meu tempo ele era realmente um cara legal para a
equipe.
Que
tem a dizer do ator Carlos Kurt? Ele tem uma participação muito ativa no cinema
dos Trapalhões.
Era
uma figura... sério, mas jocoso. Ótimo profissional, sempre cumprindo as metas e
os cronogramas. Ator de méritos, fez carreira com Antônio Renato Aragão...
Acredita
que falte homenagens a ele? Ele era turrão?
Se
você não conhecesse o Carlos Kurt, iria achá-lo turrão. Com aquela voz espacial
e a mania de atender sempre com o “Senhooooooorrr”,
assustava. Mas, depois, você via que ele era um cara amável, respeitador... Era
um cara legal. Pena que os papéis que deram a ele não lhe davam chances de crescê-los.
Após
Simbad,
o senhor trabalhou em O
Trapalhão no Planalto dos Macacos. Como foi
essa experiência?
Esse
filme, que além de Dedé, tinha o Mussum, foi uma experiência legal. Foi rodado
numa pedreira em Jacarepaguá. E as máscaras foram adaptadas das americanas pelo
Orival Pessini, aquele do Patropi e Fofão. Esse filme lançou na mídia a
carnavalesca Pinah, que, após o filme, ficou famosa... Mas Tanko gostava de lançar
gente nova. No Simbad,
lançou uma portuguesa: Rosina Malbouisson... Linda, talentosa, mas desapareceu
do cinema. Fez poucos filmes. Pena. Tanko fazia o que a Globo faz no seriado Malhação: lançava gente nova
É
nesse filme que Mussum, que entrara no grupo em 1973, fez a sua estreia. Conte
sobre isso.
No
primeiro dia de filmagem, na Praça Seca em Jacarepaguá, todos na rua aplaudiam Renato
e Dedé... Mas, quando Mussum chegou, a filmagem teve que ser interrompida, pois
ele fez um sucesso espetacular. O Renato, pela primeira vez, ficou enciumado.
Pegou seu carro e foi pra casa... Coisas do cinema...
Essa
história diziam que era lenda. Então, isso ocorreu mesmo? Que fizeram para demover
esse ciúme no Renato? Como Mussum reagiu a essa ação do Renato?
Sempre
houve uma guerra de egos... Dedé, que é o grande acrobata do grupo, era
rejeitado até pela família Aragão... Lembre-se de que Renato abandonou Dedé por
alguns anos. Dedé até chegou a passar necessidade. Numa entrevista apelativa, o
público tomou conhecimento disso; e Renato voltou atrás e empregou novamente o
amigo, como um coadjuvantezinho. Pena...
O
título e o roteiro de O
Planalto dos Macacos parodiam o
filme O Planeta dos Macacos,
sucesso continuado no Brasil em função da televisão, que exibia reprises,
lançamentos de séries e desenhos animados baseados na clássica produção original de 1968.
Os Trapalhões sempre
se utilizaram dessas paródias. Que
acha disso?
Tanko
tinha um faro profissional incrível... Aproveitou o sucesso dos Macacos e, antes que alguém
raptasse a ideia, ele a absorveu... Genial.
Acredita
que essa era uma das grandes marcas de Tanko?
Tanko
sempre se aproveitava do sucesso de filmes, para fazer coisas parecidas, sem
plágio, of course,
pois sabia que o público assimilava bem e gostava.
Nas
cenas iniciais, o filme parodiado é outro: Tubarão, de
Spielberg... Por que a referência?
Claro,
Tubarão tinha
estourado. Todos só falavam no filme. Aí, fizemos um tubarão e fomos para
Muriqui-Guaratiba fazer as filmagens. Mesmo com um disco voador, que surgiu de madrugada,
as filmagens correram normalmente. O disco voador foi filmado, mas a
Aeronáutica pegou o filme...
Sério?
Quem filmou esse disco? Como a Aeronáutica teve acesso a ele? O senhor viu esse
disco voador?
Nós
estavamos hospedados no Hotel Kede, na praia de Muriqui. Um dia, às cinco horas
da manhã, acordei com dez ou mais refletores na janela do hotel. Como as
janelas davam para o mar, pensamos ser um navio. Que nada! Era do tamanho do
prédio da Petrobrás, aquele no Largo da Carioca. Estava solto no ar, piscando e
fazendo um barulho horrível... Acordei o Antônio Gonçalves, diretor de
fotografia. E filmamos, durante uns dez minutos ao todo, tal disco, antes de ele
desaparecer em segundos... O dono do hotel ria e falava que aquela nave estava sempre
por ali, naquele horário... Claro que, se nós vimos, milhares de pessoas da redondeza
presenciaram também. Para a Aeronáutica saber, era fácil. Ali também é rota de
aviões da ponte aérea... Só sei que deu um rebu danado. Tivemos que prestar
depoimentos e o cacete... Terrível... Eu, particularmente, já vi discos
voadores mais duas vezes e em locais deferentes. Mas isso é outra história...
Quem
era o maior comediante do grupo?
REInato reinava absoluto.
Desculpa o pleonasmo... Nos quinze minutos finais do filme, só podia aparecer
ele e a mocinha. Veja nos filmes...
Isso
era uma imposição do Renato? Era explícito, no contrato, ou estava nas entrelinhas?
No
final do filme, ninguém tinha dúvida: era Renato sozinho ou com a mocinha. Ponto
pacífico.
Era
fácil lidar com a Embrafilme, tendo um nome tão forte como o dos Trapalhões? Como era a
relação de vocês com a Embrafilme?
A
Embrafilme entrou nesse filme como distribuidora, e Renato bancou oitenta por
cento do filme. Foi o maior recorde de bilheteria na carreira dos Trapalhões, em
proporção às outras produções...
Renato
bancou do próprio bolso? Ele ganhava em cima da bilheteria? Como era distribuído
o lucro entre ele, os atores e os profissionais (diretor, produtor etc.)
Tanko
e Renato levantaram o dinheiro, pois nessa época filme brasileiro rendia grana.
A Embrafilme distribuía e, às vezes, entrava com vinte por cento. O lucro era
de Tanko e do Renato. Todos os outros atores e técnicos recebiam salários – e
bons salários – e nada mais.
Renato
Aragão tem fama de ser super profissional perfeccionista, atento do roteiro ao
cartaz do filme. Isso procede?
Profissional
perfeito. Assina carteira, paga todos os direitos trabalhistas e é de uma
pontualidade doentia. Se as filmagens estavam marcadas para sete da manhã,
cinco e meia ele já estava na locação. Mesmo sozinho, aguardava a equipe...
Sempre de bom humor. Pagava antes do dia. Como produtor, não existia ninguém
igual no Brasil; e olha que fiz vinte e sete filmes.
Acredita
que o cinema era a grande paixão do Renato? Na sua visão, de onde vinha essa
característica tão profissional do Renato? Dedé e Mussum eram preocupados somente
em atuar?
Renato
e Dedé não gozavam de minha intimidade, para eu saber responder a essas
questões. Mas Mussum era comediante de tevê. Tinha um conjunto, Os Originais do
Samba, que deu a ele mais de trinta chalés de aluguel num condomínio em Cabo
Frio. Mussum morreu rico, mas não foi pelos Trapalhões...Tanto
que a maior parte do dinheiro do Atrapalhando
a Suate, produzido pela De- MuZa, foi do
Mussum.
Por
que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados
pelos Trapalhões?
Os Trapalhões eram
considerados anti-cultura... A Globo execrava, os jornais e a crítica falavam
mal. Mas os filmes formaram técnicos, atores, diretores e deram trabalho a
muita gente.....
A
Globo execrava?
Basta
ser concorrente, a poderosa põe de lado. Veja as Olimpíadas transmitidas pela
Rede Record. Nem uma notícia ou comentário da Globo. Imprensa marrom é isso...
Como
classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Cinema
do povo, como fazia Mazzaropi, Ankito, Zé Trindade.
Gostaria
que falasse do cineasta J. B. Tanko, que dirigiu grandes clássicos do quarteto.
Tanko
era um gênio. Seu filme A Sombra da Outra,
realizado na Atlântida e estrelado pela Eliana (era uma canastrona que virou
atriz nas mãos de Tanko), é uma obra-prima de cinema intuitivo. As comédias ele
as realizava com amor e muita dignidade. Era um diretor fantástico. E eu sempre
afirmei que aprendi muito com ele, muito embora quando o conheci e trabalhamos
juntos, eu já havia participado de dezenas de filmes. Uma lenda. E continua
injustiçado, dentre os grandes diretores que filmaram no Brasil.
Por
que, após esses dois sucessos, você não continuou mais trabalhando com o
Renato?
Após
O Trapalhão no Planalto dos Macacos,
encerrou-se a fase da produtora do Renato via Tanko, pois ele iniciava nova
faceta na Rede Globo... Até o Antônio Gonçalves, que era o fotógrafo oficial do
projeto, foi substituído pelos globais... Eu, naturalmente fui desligado, como
todos os demais técnicos anteriores... Coisas do cinema...
Tem
mais alguma coisa que queira dizer?
Quando
o grupo iniciou no cinema, tinha uma dificuldade enorme para exibir seus
filmes, porque Renato e Dedé eram artistas televisivos e a televisão ainda não
controlava a mídia do público... Mazarropi, Golias, Ankito, Oscarito vieram do
cinema, só depois alguns deles fizeram tevê. Com Renato e Dedé foi o contrário.
Saíram da tevê, cujo público é mais bitolado e geralmente não vai ao cinema. Esse
negócio de que os filmes da Xuxa e dos Trapalhões
estouram na bilheteria é balela pura.
Por isso, os filmes deixaram de ser produzidos. Renato vendeu os estúdios dele
para a Rede Record. Vendeu também a a Granja Comary, pois estava precisando de
dinheiro... Desde l998, nenhum filme, nenhum filme brasileiro se pagou.Tenho
todos os borderôs em meu poder e posso mostrar pra quem quiser... Se o negócio
fosse tão bom, eles não parariam de produzir. Há quantos anos Renato não filma?