terça-feira, 21 de agosto de 2018

FIM!!!

Nesta data o blog Os Curtos Filmes completa dez anos de idade e se despede com a sensação que cumpriu sua missão. Agora é o momento de direcionar a energia para outros projetos. Avante!!!
Das habilidades que o mundo sabe, essa é a que ele ainda faz melhor: dar voltas!
(José Saramago)

Prezado Rafael Spaca,
companheiro inteligente, talentoso, sensivel, inventivo e visionário!!!
Temos muitas coisas para mostrar. Temos muitas coisas ditas e muitas coisas para dizer. Todos nós.
Saudações artísticas.
Neville D’Alemida, cineasta.

Parabéns pelo blog, dez anos dedicados aos curtas, filmes que nadam contra a corrente do óbvio, do mercado, do clichê, do comum. O cinema nasceu em formas de curta e os curtas são o futuro do cinema, num mundo onde o tempo é a mercadoria mais rara. Os Curtos Filmes cumpriu sua missão, parabéns!
Jorge Furtado, cineasta.

Rafael Spaca, além de ser um agitador cultural, cineasta, escritor, radialista, jornalista, enfim um batalhador pela cultura e o cinema brasileiro, administra o blog Os Curtos Filmes, que aniversaria agora, comemorando seu décimo ano de existência. Uma década de serviços prestados a cultura brasileira. Vai daqui meu abraço e parabéns pelo seu trabalho.
Afranio Vital, cineasta.

ANIVERSÁRIO! Felicidades, esse sentimento vem por admirar esse espaço tão importante para quem estuda e se interessa pelo cinema nacional, pois o curta-metragem serve para experimentar essa linguagem como cineasta ou espectador. Nesse blog encontramos nomes há muito esquecidos e estilos que fazem parte da história, é um espaço que tem as portas abertas para discussões e depoimentos de artistas e fãs. Eu tive essa oportunidade. Parabéns e obrigada.
Monica Nassif, atriz.

O curta-metragem é muito importante para a formação de novos cineastas. Primeiro, por ser uma ferramenta para experimentações. E depois por ser uma produção que pode ser feita com poucos recursos. E é preciso que existam meios de divulgação para dar espaço aos profissionais dos curtas-metragens, como o blog Os Curtos Filmes, do Rafael Spaca. Parabéns!
Gio Mendes, jornalista.

O que talvez mais se sobressaia em Os Curtos Filmes seja o manancial de informações levantadas por Rafael Spaca nesses dez anos. Centenas de entrevistas, material de arquivo (em especial de fotos), entre outros. Começou dedicado ao curta-metragem e se expandiu para a divulgação do cinema brasileiro como um todo. Vale a vasculhada. Como todo grande acervo, é preciso escarafunchar bastante.
Gabriel Carneiro, crítico e cineasta.

Há pessoas que têm este dom: decidem o que querem ser, o que querem fazer e o como fazer. Acho admirável esta capacidade de determinar o próprio destino sem se acomodar em percursos já consagrados. E o mais impressionante é que fazem, em geral, com excelência, fruto da dedicação. O Rafael Spaca é assim: determinado, autor, produtor e diretor de seus desejos, aplicado e capaz. Ele sabe o que e quer e quando quer. Agora se prepara para outros voos, certamente exitosos. Um novo caminho se descortina e, creio, irá trilhar com igual empenho, dedicação e competência.
Imara Reis, atriz.

Como incansável escafandrista da memória cinematográfica nacional, Rafael Spaca encerra uma fase, mas não seu trabalho arqueológico em busca das verdades essenciais que não podem se perder. Alvíssaras, maestro!
Luiz Biajoni, escritor.

Em um país tão carente de debates culturais, saber do encerramento do blog Os Curtos Filmes causa tristeza e decepção. Como pode naufragar uma ideia tão bacana, tocada por um dos maiores conhecedores do gênero no Brasil, o jornalista, radialista, escritor, produtor e pesquisador Rafael Spaca? Será difícil conviver sem os textos instigantes e inteligentes do espaço, que, a despeito do nome, explorou muito mais do que a produção nacional dos curtas-metragens na última década. O trabalho de Spaca resgatou boa parte da história do próprio cinema nacional, especialmente no que diz respeito à Boca do Lixo e aos Trapalhões.
Evaldo Novelini, jornalista.

Rafael Spaca é um audacioso pesquisador da cultura e do entretenimento como poucos ainda existem no Brasil, principalmente por sua vocação de compartilhar histórias que correm risco de desaparecer para banalização da cultura e do conhecimento. Um exemplo de profissional e ser humano que trabalha para prover conteúdo de qualidade de forma simples e acessível.
Denis Feijão, produtor.

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Entrevista


Amanhã vai ao "ar" a entrevista que concedi para o programa do Silvio Brito, onde falo da minha pesquisa a respeito dos Trapalhões.


domingo, 1 de julho de 2018

Os Trapalhões: Vanusa


Vanusa
Atriz, cantora


Pouca gente sabe dessa faceta na sua carreira, até porque a memória é muito fugidia: você integrou Os Adoráveis Trapalhões, na TV Excelsior. Como que aconteceu e em que circunstâncias aconteceu isso na sua vida?
Para mim, é muito legal falar sobre isso. Porque foi um momento de muita importância na minha carreira. Eu havia começado a cantar há muito pouco tempo. Eu era loirinha. Tinha uma franja, essa franja que uso sempre. O Wilton Franco estava passando no corredor. Ele me viu, chegou para mim e perguntou: “Você gostaria de aprender luta, karatê, judô etc.?” Eu fiquei olhando para ele. Bom, eu tinha dezenove para vinte anos e quis saber: “Por quê?” Ele, então, falou: “Porque eu queria te convidar para você participar de um programa.” Aí, eu falei: “Olha, está vendo aquele senhor ali? É o meu pai, vai lá falar com ele, conversa com ele.” Ele foi, conversou com o meu pai. E o negócio era o seguinte: havia o Telecatch na Excelsior, e o astro era o Ted Boy Marino. E, quando o Wilton Franco fez Os Adoráveis Trapalhões, era o Renato, o Ted Boy Marino, o Wanderley Cardoso.

Ivon Curi
Ivon Curi. Eu acho que o Ivon Curi entrou depois do Ted Boy Marino. Porque o Telecatch foi para a Globo, e o Ted Boy saiu. Aí, entrou o Ivon Curi. E eu fui convidada porque o Wilton Franco achou que eu era loirinha. Eu tinha o cabelo com aquela franja, o que me assemelhava ao Ted Boy Marino. Então, o Wilton conversou com o meu pai e ficou tudo acertado. E eu passei três meses no Rio de Janeiro, aprendendo judô, karatê, jiu-jitsu. Aprendi só bater. Não aprendi apanhar, né? Aprendi como cair no chão e tal. E aí eu fui inserida nesse contexto dos Trapalhões. E conheci o Renato Aragão, o Wanderley Cardoso, o Ivon Curi. E foi uma experiência fantástica, porque eu lembro que eu era tão tão imatura. No primeiro dia, quase todo o programa eu fiquei escondida. Era um navio. Metade estava virada para o público. Eles estavam enfrentando piratas. E eu ficava lá dentro. Aí, os piratas entravam. No final, eu apareci e comecei a lutar. Nem sei se tenho foto dessa época, porque as coisas vão se perdendo. Tem bastante tempo. O programa era ao vivo, a gente fazia tudo ao vivo. Não tinha repeteco. Então, entrava e ia do começo ao fim. A convivência da gente era maravilhosa. Os ensaios eram mais divertidos do que o programa, porque nos ensaios o Renato falava o que queria, botava um caco aqui, botava um palavrão ali. A gente se divertia muito. Tornamo-nos muito amigos. Infelizmente, o programa não durou muito... Acho que o Ivon Curi quis sair. Parece que foi esse o motivo. Mas eu fiquei conhecida como a cantora e lutadora de telecatch. Nesse meio tempo, fui convidada pela RCA Victor para gravar um compacto. Eu gravei. E estourou, por causa do programa. Estourou a minha música “Pra Nunca Mais Chorar”, que foi a primeira gravação que eu fiz. Quando acabou o programa, eu senti muito, eu chorei muito. Acho que aprendi muito com o Renato Aragão. Aprendi a arte de falar coisas engraçadas, de ser engraçada. O Ivon era uma pessoa maravilhosa, de um talento incrível... E o Wanderley era uma pessoa fantástica também. A gente se juntava e formava um todo. Foi muito legal essa participação. Eu coloco assim: a minha carreira deslanchou por causa dos Trapalhões, embora tenha sido um pouco difícil depois desvencilhar-me da imagem de lutadora de telecatch. Mas aí veio o primeiro LP; depois, o segundo... Então, minha carreira deslanchou. Mas acho que o meu grande start foram Os Trapalhões.

E você teve a oportunidade de ver depois a outra formação, que é a clássica, com Didi, Dedé, Mussum e Zacarias. Dá para fazer uma analogia entre a formação de Os Adoráveis Trapalhões com essa?
Olha, eu acho que a diferença era que, por exemplo, o Mussum era componente de um grupo, Os Originais do Samba. E aí o Renato despertou nele esse lado cômico, porque ele era muito engraçado. O Zacarias já era um cômico, já era um artista, já tinha uma história. Então, eu acho que eles trabalharam como a gente trabalhava na época, porque o Renato Aragão é uma pessoa extremamente carinhosa. No dia a dia, ele é muito alegre, muito engraçado. Ele não é assim só na hora que liga a câmera. Nos ensaios, a gente chorava de dar risada com o Renato Aragão. Então, eu acho que o meu primeiro insight de fazer teatro e de fazer qualquer outra coisa, como encenar um pouco as músicas, começou, na verdade, com Os Trapalhões.

Eu entrevistei a Monique Lafond. Ela fez alguns filmes com Os Trapalhões. E, no último convite que recebeu, ela recusou, porque ficou com medo de ser conhecida como uma “trapalhona”. Essa questão de ser umTrapalhão... Você acha que isso poderia prejudicar sua carreira?
Não, não. Na época, eu nem tinha consciência de que isso poderia acontecer. Também não fiquei sabendo dessa história da Monique. Eu adorei o período em que a gente fez os programas de televisão. Era um programa semanal. Gravávamos uma semana no Rio, outra em São Paulo, outra no Rio... Era muito divertido viajar para o Rio. Eu estava começando a carreira. Não conhecia o Rio de Janeiro. Então, eu ia. Participava do programa e voltava. Na semana seguinte, fazia o programa aqui. Eu não tinha essa preocupação de ser conhecida, marcada, porque na minha cabeça aquele programa não ia acabar nunca, eu jamais sairia. Entendeu? Porque eu adorava. E eles passaram a ser como se fossem pessoas da minha família. Porque a gente convivia, a gente ensaiava um dia inteiro. No dia, a gente só chegava, arrumava-se, dava uma repassada no texto, entrava e fazia... E, por mais que alguém errasse, tinha o Didi para botar um caco. Tinha o Ivon. Então, tudo corria muito harmonicamente. E o Wilton Franco... Não posso deixar de falar: o Wilton foi um grande mestre para mim, um grande mestre. E eu devo a ele essa participação, que foi fantástica. Eu adorava. Quando o

Renato foi para a Globo... Eu amava eles juntos... o Renato, o Zacarias, o Mussum e o Dedé...

Vocês mantiveram contato?
Não, não, mas eu fazia sempre o programa deles cantando. E, aí, cada vez que eu ia cantar, o Renato montava um esquete. Ele fazia mil malabarismos, mil coisas engraçadas durante a música. Outro dia, eu vi no YouTube um vídeo em que aparecem o Renato e o Zacarias vestidos de mulher e fazendo mil palhaçadas. Então, surge o carteiro e entrega uma carta. Enquanto isso, eu estou cantando: “Quando o carteiro...” Dei muita risada, ao ver isso. Eu nem me lembrava mais dessa cena. Porque foram inúmeros esquetes. Eu amava aquilo. Tenho o maior carinho pelo Renato Aragão, pelo Wanderley Cardoso. Ele foi o meu namorado, meu primeiro namorado. Conheci o Ivon. Para mim, foi uma grande oportunidade na carreira, foi também uma grande oportunidade de conhecer pessoas fantásticas como o Renato Aragão. Depois, quando o vi fazendo sucesso de novo com outro formato na Globo... Sempre que podia, eu assistia ao programa, porque sou a maior fã do Renato. Adoro! Fiquei muito triste, com a partida do Mussum. Você vê que, até hoje, as pessoas falam “cacildis”. Ele marcou muito, porque ele era muito engraçado. O Zacarias também. Então, eu curtia muito. Quando eu ia fazer o programa, era uma festa. Eu chegava lá, eles faziam a maior festa, a maior festa. Era muito legal! Eu sinto muita falta deles.

E por que músico tem tanta facilidade assim para interpretar, trabalhar em televisão e cinema?
Eu não sei. Nem sei se eu sabia disso na época, sabe? Eu não sabia que eu podia ser engraçada. Eu não sabia que eu podia interpretar. Mas o Wilton era um tremendo diretor e ia dando as dicas para mim. Porque eu estava muito crua, né? Eu estreei muito crua. Mas o impacto foi uma mulher loira parecida... quer dizer, com um cabelo parecido com o do Ted Boy Marino. E ela entrava no lugar dele, num programa em que ele batia em todo mundo. Bem, Os Trapalhões não batiam em ninguém, só faziam trapalhadas. E eu não tinha a menor ideia de como isso ia caminhar, mas foi um grande destaque na minha carreira.

Uma coisa que eu queria entender é o seguinte: por que você não fez cinema com Os Trapalhões?
Porque eu nunca recebi o convite. Talvez até porque, quando eles começaram a engrenar um filme atrás do outro, eu estava trabalhando muito. Foi quando deu o boom na minha carreira; e, aí, eu viajava muito. Bem, a produção nunca me procurou. Se me procurasse... Eu lembro que uma vez a Globo passou um filme do Renato. Eu assisti e achei o máximo. Eu falei: “Poxa! Por que que ele nunca me chamou?” Eu não sei a razão, mas penso tenha sido isso. Eu tinha minha agenda, e eles tinham... Você sabe que filme demanda muito tempo, né? Então, eu acho que foi isso. Lembro que, sempre que começavam um filme, chamavam algum famoso do momento para participar. E eu nunca fui chamada, e não sei a razão.

Eles tinham essa característica de chamar a celebridade do momento, tanto músico quanto artistas: Sérgio Mallandro, Angélica, Monique Lafond, Sílvia Salgado... Você construiu uma carreira fantástica com a música. Foram milhões de discos vendidos, uma reputação consolidada, mas vendo no que Os Trapalhões se transformaram e no que você se transformou, você optou pelo caminho correto da música? Você também poderia ter sido uma “trapalhona” e ficar com eles até o fim?
Por mim, eu ficaria sempre. Só saí, porque o programa acabou simplesmente; e, como eu tinha lançado o meu primeiro compacto, fui trabalhar o meu lado cantora. Fui trabalhar a música. E, quando eles ressurgiram na Globo, já era outro esquema, outra fórmula. E não caberia uma cantora. Mas eu tenho que ser eternamente grata ao Wilton Franco, ao Renato, a todo mundo que participou, ao Wanderley e ao Ivon Curi. Porque foi uma experiência maravilhosa. É um orgulho para mim dizer que eu fiz parte desse quarteto.

Os Trapalhões: Tony Tornado


Tony Tornado
Ator, músico


Você atuou no filme Os Trapalhões e o Mágico de Oróz. Como e em que circunstância recebeu o convite para atuar nesse filme? Como foi a experiência?
O Dedé que lembrou de mim, pois precisavam de um ator que dançasse. Lógico que a experiência foi maravilhosa. Eu já trabalhava com eles. Sendo assim, o clima era totalmente favorável.

Antes de iniciar essa parceria profissional com Os Trapalhões, você já acompanhava os seus filmes?
Claro. Os Trapalhões sempre foram uma grande referência de atores; e os filmes; de bons roteiros.

Quais as suas principais recordações dos bastidores de filmagens com Os Trapalhões?
As nossas brincadeiras e o clima de amizade. Éramos íntimos e grandes amigos. Além disso, o profissionalismo de todos eles.

Os Trapalhões e o Mágico de Oróz é um filme que, antes de tudo, trata das mazelas sociais brasileiras. Fala diretamente da seca nordestina, da manipulação política da seca por um coronel ganancioso e ainda se coloca numa sintonia paródica com um dos maiores clássicos da indústria hollywoodiana. Considera que esse filme foi um desafio complexo, principalmente por ser dirigido às crianças?
Não sei se difícil, mas importante falar sobre o assunto também nos cinemas. Principalmente naquela época, no momento crescente do cinema nacional. Eles foram incríveis, pois conseguiram falar sobre esses temas com muita astúcia e leveza. Tocaram todos os públicos, tanto adultos quanto crianças.

Gostaria que falasse da primeira cena do filme, a brincadeira do caça-urubus. É uma das cenas mais emblemáticas do filme, mais marcantes. Como foi a sua preparação para fazê-la?
Sendo muito sincero, não me preparei muito. A música foi composta; e, sabendo da cena, convidei os dançarinos que já trabalhavam comigo. Após o desenho da direção, foi só se divertir e curtir o balanço. O clima era muito propício para tal comportamento.

Nessa cena, além de Renato Aragão, você contracenou com Arnaud Rodrigues e José Dumont, dois ícones da nossa cultura. Gostaria que comentasse como foi a sensação de trabalhar com eles.
Parceiros de longa data. Eu já tinha gravado no meu disco uma música composta pelo Arnaud e o Chico Anysio. José Dumont também já era um grande companheiro.

Renato Aragão, Dedé, Mussum e Zacarias tinham como característica a irreverência. Até nos bastidores das filmagens, eles brincavam muito. Isso procede? As filmagens eram descontraídas?
O clima era ótimo. Mesmo sendo trabalho, nosso ofício, nós ficávamos muito à vontade e nos divertíamos muito.

Como era o seu contato com o quarteto (Didi, Dedé, Mussum e Zacarias)?
Éramos muito amigos. Na verdade, ainda somos.

Que representava, naquele período, trabalhar num filme dos Trapalhões?
Ora, estávamos trabalhando com os melhores artistas do segmento.

Quem era o maior comediante do grupo?
O Mussum era o maior, mas o Renato não era tão baixo assim. Na verdade, eu era bem maior do que ele.

Renato Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo?
Procede. Sim. Postura fundamental, para que todo o trabalho transcorra da melhor forma possível. Na verdade, não só ele. Todos eram perfeccionistas, buscavam fazer sempre o melhor.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Porque eram filmes feitos diretamente para o povo. Além disso, eles eram muita coisa na televisão e também no cinema. Isso devia incomodar muita gente.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Sensível e respeitoso com seu público. Grandes obras para a cultura nacional.

Gostaria que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha presenciado como testemunha ocular, durante as filmagens de Os Trapalhões e o Mágico de Oróz.
Na verdade, no meu período de filmagem, não aconteceu nada de curioso. Só quero ressaltar que Os Trapalhões são e sempre serão importantíssimos para a tevê e o cinema nacional. Não tinha nenhum melhor ou pior. O conjunto era espetacular. Além de serem seres humanos incríveis. Meus amigos. Seus programas e filmes ainda ensinarão muita gente como é ser comediante, ator. Além disso, seus roteiros passaram e passarão lindas mensagens de amor e respeito ao próximo. Vale a pena sempre assistir a Os Trapalhões.

Os Trapalhões: Walter Carvalho


Walter Carvalho
Diretor de fotografia


Sua trajetória no cinema dos Trapalhões iniciou-se justamente com o filme mais elogiado do quarteto: Os Trapalhões no Auto da Compadecida. Renato Aragão afirmou que fez esse filme para agradar a crítica especializada, que sempre batia muito forte nele. Foi realmente com essa intenção que vocês produziram esse filme?
Tenho a impressão de que também foi por conta de Os Trapalhões trabalharem como atores, ou seja, interpretando personagens. Ou seja, não eram não só comediantes interpretando a si próprios.

Em Os Trapalhões no Auto da Compadecida, Renato Aragão é João Grilo, Dedé é Chicó, Mussum é Jesus e Zacarias é o padeiro da peça de Ariano Suassuna. Personagens bem definidos. Eles tiveram que decorar os diálogos da peça, tarefa não tão rigorosa nos filmes anteriores, quando os textos eram improvisados a partir das ações e dentro das características de cada um.
O Roberto Farias, um grande diretor, exigia mais nesse sentido. Lembro perfeitamente da concentração do Dedé Santana, tentando decorar o texto, porque não estava habituado àquele ritmo de trabalho. Quanto à afirmação de que “foi para agradar a crítica”, já não posso afirmar. Renato nunca comentou isso comigo.

Ariano Suassuna afirmou, certa vez, que esse filme foi o melhor trabalho que fizeram em relação à sua obra. Recorda-se disso?
Sim, recordo-me muito bem. Um tempo depois que fotografei o filme, estive com Ariano em sua casa no Recife, onde sempre o visitava. Ele afirmou orgulhoso o quanto havia gostado do filme. E também Roberto Farias me relatou o encontro dele com o mestre paraibano, quando viram o filme juntos em Recife. Ariano Suassuna se emocionou na sala de projeção, chegando às lágrimas.

Como surgiu o convite para trabalhar com Os Trapalhões?
Eu já havia trabalhado com o Roberto Farias, fazendo televisão no projeto Quarta Nobre, da TV Globo. Fui fotógrafo nesse projeto. Fiz também a fotografia da minissérie A Máfia no Brasil, que foi dirigida pelo Roberto. E fotografei o filme Com Licença, Eu Vou à Luta, dirigido por Lui Farias e produzido pelo próprio Roberto. Portanto, éramos amigos e já havíamos trabalhado juntos. Digamos, já éramos parceiros.

Antes de iniciar essa parceria profissional com Os Trapalhões, você já acompanhava os seus filmes?
Sim. Assistia ao programa dos Trapalhões na televisão, aos domingos. Era um programa certo para as crianças e para os adultos também.

Os Trapalhões no Auto da Compadecida foi filmado onde?
A produtora R. F. Farias construiu uma cidade cenográfica no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro. Um projeto fantástico do grande cenógrafo Mário Monteiro. Uma cópia fiel da cidade de Taperoá, no sertão paraibano, onde nasceu Ariano Suassuna. Filmamos também em Maricá, estado do Rio. Aproveitamos as estradas de terra da região e a vegetação árida como se fosse no sertão de Ariano Suassuna.

Quais as suas recordações dos bastidores desse filme?
Muitas. Essa resposta tomaria toda a entrevista. Conviver com Os Trapalhões foi uma maravilha e um aprendizado inesquecível. Sem falar do elenco fantástico de grandes profissionais do cinema. Renato Aragão, nos intervalos de filmagem, estava sempre fazendo alguma brincadeira com a equipe. O divertimento no set de filmagem era inevitável. Muitas vezes interrompíamos a cena, porque o riso sem controle tomava conta de todos nós. Acho que momentos como esses impregnam o resultado final de um filme.

O elenco contava com atores de primeiro nível, entre os quais Raul Cortez, José Dumont, Renato Consorte. A escalação do elenco partiu do Roberto Farias ou dos Trapalhões?
Do Roberto Farias e imagino que tenha tido a participação do Renato. Acho fantástica a ideia do Mussum interpretar Jesus nas cenas do julgamento. Sem falar que Renato Aragão no papel de João Grilo está brilhante. Muitas vezes, com o olho na câmera, eu ficava na dúvida, sem saber onde começava João Grilo e onde terminava Renato Aragão. Um feito para o outro, e ninguém mais poderia interpretar tão bem o humor nordestino em que Ariano foi mestre imbatível. Importante: acho que aqui deveríamos acrescentar os nomes de Cláudia Jimenez (a mulher do padeiro) e Betty Goffman como a Compadecida.

Apesar do sucesso, foi o único filme com direção do Roberto Farias. Quais as razões disso?
Se não me falha a memória, foi o Roberto que teve a ideia de filmar a peça de Ariano Suassuna e chamar Os Trapalhões para fazer os papéis principais. Seria melhor ouvi-lo sobre isso. Foi uma junção das duas produtoras, a R. F. Farias (do Roberto) com a R. A. (do Renato Aragão), para o filme dos Trapalhões daquele ano. Acredito que essa produção dirigida por Roberto Farias saiu completamente fora do modelo ao qual o grupo dos Trapalhões estava acostumado.

Após esse trabalho, você ainda trabalhou nos filmes O Mistério de Robin Hood, Uma Escola Atrapalhada e Os Trapalhões e a Árvore da Juventude.
Sim, uma grande experiência com Del Rangel e depois com José Alvarenga, que dirigiu dois filmes com minha fotografia. Lembro perfeitamente o quanto pude experimentar juntamente com esses diretores, que traziam na sua essência a preocupação com a criatividade.

Uma Escola Atrapalhada foi o último filme com a participação de Zacarias, que faleceu naquele ano. A aparição dele no filme é melancólica, muito magro, abatido, numa cena curta. Como foi o seu contato com ele? Ele já estava doente?
Sim, já estava. Comovente. Era um ser humano raro. De todos eles o Zacarias era o mais calmo e compenetrado. Estava sempre atento, para interpretar suas peripécias.

Ele foi poupado nas gravações?
Nesse filme Os Trapalhões não eram os principais. Tinha um elenco fantástico (foi o primeiro filme de muitos atores, inclusive do Selton Mello). Os Trapalhões faziam uma participação, enquanto os papéis principais eram interpretados por um elenco surpreendente. Tinha a Angélica, Supla em sua estreia como ator. O fantástico é que tinha um grupo do Tablado (escolhido pelo Del Rangel), composto só de jovens que fariam sucesso no futuro. Destaco a participação do extraordinário Selton Mello, um garoto que estava sempre no set, mesmo não sendo escalado para o dia. Ele já trazia com ele a força do ator que hoje é reconhecido pelo talento e sua capacidade de inventar caminhos para os personagens que interpreta. Eu mal podia imaginar que poucos anos depois iria me encontrar com Selton num dos trabalhos mais arrebatadores do nosso cinema: Lavoura Arcaica. E também nunca poderia imaginar que seria o fotógrafo de um filme dirigido por ele: O Filme da Minha Vida, que acabamos de realizar e ainda está em fase de montagem. São os encontros (para sempre) que a vida nos prepara.

Como era o seu contato com o quarteto (Didi, Dedé, Mussum e Zacarias)?
Inesquecível. Durante as filmagens, eles trabalhavam da mesma maneira que brincavam. São muitas histórias...

Que representava, naquele período, trabalhar num filme dos Trapalhões, que eram certeza de sucesso de bilheteria?
Todo filme para mim é como se fosse único. Estou sempre iniciando uma experiência nova a cada filme. Filmar com Os Trapalhões aumentava minha responsabilidade, sabendo do sucesso deles no cinema e na televisão. Todos os dias, durante as filmagens, eu pensava no fato de estar fazendo um filme que tinha pela frente a certeza do sucesso de público. E minha responsabilidade só aumentava. O desafio me colocava em constante estado de descobertas e criatividade.

Quem era o maior comediante do grupo?
A química era dos quatro juntos. Houve uma separação numa época. Mas não durou muito, logo se juntaram novamente. Um completava o outro. Um fenômeno da comunicação... que só acontecia com a química dos quatro juntos.

Renato Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo?
Verdade. Cuidadoso, preocupado, participa de todo o processo. Renato está sempre atento. Possui uma experiência muito bem vivida (ela nasceu com ele, muito antes da formação do grupo). Tem espírito de liderança e uma visão apurada de quem faz comunicação na televisão e no cinema.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Não tenho conhecimento dessa rejeição explícita. Recordo-me das chanchadas, que se tornaram cult. A Chanchada é apenas um exemplo de obras que receberam muitas críticas na época em que foram produzidas e que, com o decorrer dos anos, acabaram merecendo o reconhecimento. A história está repleta de casos assim.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Um cinema para divertir crianças e adultos, sem perder a graça e, sobretudo, o sentido humano. Como Chaplin, como Buster Keaton. Como João Grilo e Chicó. É impossível escrever a história do cinema e da televisão brasileiros, sem mencionar o fenômeno da comunicação conhecido como Os Trapalhões.

Gostaria que falasse: que representou para você trabalhar com Os Trapalhões?
Um aprendizado. Tive um belo momento de experimentação e guardo com muito carinho tudo aquilo que levei comigo.

Os Trapalhões: Walter Webb


Walter Webb
Diretor de produção


O senhor trabalhou no filme Simbad, O Marujo Trapalhão, realizado antes da formação tradicional. Nesse filme, só Didi e Dedé atuam. Como foi a experiência?
Simbad foi o filme que mais rendeu da dupla Renato-Dedé... Renato morava no Jardim Botânico, a trinta metros da Rede Globo, e era completamente ignorado pela mídia da época. Estava financeiramente equilibrado, mas não era rico. Simbad começou a torná-lo milionário... A experiência não foi surpresa, pois sempre fiz longa-metragem e sabia o que fazia..

Os dois já tinham planos de agregar mais atores na formação?
Nunca participei desse processo... Sempre imaginei Didi e Dedé uma dupla baseada em Jerry Lewis e Dean Martin. Transformá-los num quarteto deu problemas.

Por que imaginava que tornar-se um quarteto daria problemas?
A briga de egos era incrível, com Renato de paxá contra Mussum, que era realmente venerado pela massa... Depois, problemas financeiros. Grana sempre pesa na jogada, pois todos eram contratados do Renato. Daí....

O roteiro de Simbad foi escrito por J. B. Tanko, baseando-se em história escrita em parceria com Vitor Lustosa. Gostaria que falasse de Lustosa.
Josip Bogoslaw Tanko era um gênio... Ensinou muito diretor que ainda filma por aí. Vitor Lustosa era um assistente de direção que sempre esteve com Tanko, mas suas experiência como diretor não foi das mais felizes. Era um cara legal e excelente profissional...

A escolha de Tanko era do Renato? Por que outros cineastas começaram a dirigir os filmes dos Trapalhões?
Todos os grandes filmes do Renato foram dirigidos e coproduzidos por Tanko, que saiu quando Renato optou pela Rede Globo para encarregar-se dos filmes... Entraram novos diretores, que não assimilavam a improvisação que Renato criava nas filmagens... Resultado, os filmes não transmitiam a força e a graça dos Trapalhões. Tanko, com Robin Hood e A Ilha do Tesouro, fez uma mina entrar na conta do Renato Aragão.

Como surgiu o convite para trabalhar com Renato Aragão?
Foi Roberto Bataglin que me apresentou a Tanko. Eu tinha acabado de fazer O Pistoleiro, na Bahia. O Tanko tinha restrições quanto a mim. Porque eu era também produtor de filme publicitário, e ele achava que nós gastávamos muito. Resultado: fiz o filme, antecipamos o cronograma; e ele me convidou logo para o filme seguinte, Os Trapalhões no Planalto dos Macacos.

Como foi a sua participação no filme Simbad? Que você fazia nesse filme?
Era diretor de produção. Tinha toda a liberdade, e fizemos um trabalho surpreendente.

Que quer dizer com surpreendente?
Surpreendente, porque, como usávamos sempre a cartilha de um produtor de cinema, através da experiência adquirida, pensei que eles iam estranhar meu comportamento. Mas, para minha surpresa, só foram elogios para o método de trabalho, a decupagem de filmagem. Haviam planejado seis semanas de filmagem, terminamos em quatro e meia ou cinco semanas. Isso, em termos financeiros, é referencial.

A trilha sonora foi de Edino Krieger. Gostaria que comentasse sobre ele.
Edino, que nunca conheci pessoalmente, era considerado um excelente músico e maestro. Um mestre... Tanko tinha esse faro de pegar pessoas competentes...

Quais as lembranças de bastidores do filme?
Um ambiente profissional, pois o velho Tanko era um protótipo do cinema sério. E Renato, apesar das piadas e bom humor, mantinha o status de produtor com muita moral.

Renato fazia piadas nos bastidores ou em cena?
Muito trocadilho, brincava sempre nos intervalos. Mas sempre com aquela postura de que quem mandava era ele... Dizem que, ultimamente, ele mudou o jeito de ser... Não afirmo nada disso, pois no meu tempo ele era realmente um cara legal para a equipe.

Que tem a dizer do ator Carlos Kurt? Ele tem uma participação muito ativa no cinema dos Trapalhões.
Era uma figura... sério, mas jocoso. Ótimo profissional, sempre cumprindo as metas e os cronogramas. Ator de méritos, fez carreira com Antônio Renato Aragão...

Acredita que falte homenagens a ele? Ele era turrão?
Se você não conhecesse o Carlos Kurt, iria achá-lo turrão. Com aquela voz espacial e a mania de atender sempre com o “Senhooooooorrr”, assustava. Mas, depois, você via que ele era um cara amável, respeitador... Era um cara legal. Pena que os papéis que deram a ele não lhe davam chances de crescê-los.

Após Simbad, o senhor trabalhou em O Trapalhão no Planalto dos Macacos. Como foi essa experiência?
Esse filme, que além de Dedé, tinha o Mussum, foi uma experiência legal. Foi rodado numa pedreira em Jacarepaguá. E as máscaras foram adaptadas das americanas pelo Orival Pessini, aquele do Patropi e Fofão. Esse filme lançou na mídia a carnavalesca Pinah, que, após o filme, ficou famosa... Mas Tanko gostava de lançar gente nova. No Simbad, lançou uma portuguesa: Rosina Malbouisson... Linda, talentosa, mas desapareceu do cinema. Fez poucos filmes. Pena. Tanko fazia o que a Globo faz no seriado Malhação: lançava gente nova

É nesse filme que Mussum, que entrara no grupo em 1973, fez a sua estreia. Conte sobre isso.
No primeiro dia de filmagem, na Praça Seca em Jacarepaguá, todos na rua aplaudiam Renato e Dedé... Mas, quando Mussum chegou, a filmagem teve que ser interrompida, pois ele fez um sucesso espetacular. O Renato, pela primeira vez, ficou enciumado. Pegou seu carro e foi pra casa... Coisas do cinema...

Essa história diziam que era lenda. Então, isso ocorreu mesmo? Que fizeram para demover esse ciúme no Renato? Como Mussum reagiu a essa ação do Renato?
Sempre houve uma guerra de egos... Dedé, que é o grande acrobata do grupo, era rejeitado até pela família Aragão... Lembre-se de que Renato abandonou Dedé por alguns anos. Dedé até chegou a passar necessidade. Numa entrevista apelativa, o público tomou conhecimento disso; e Renato voltou atrás e empregou novamente o amigo, como um coadjuvantezinho. Pena...

O título e o roteiro de O Planalto dos Macacos parodiam o filme O Planeta dos Macacos, sucesso continuado no Brasil em função da televisão, que exibia reprises, lançamentos de séries e desenhos animados baseados na clássica produção original de 1968. Os Trapalhões sempre se utilizaram dessas paródias. Que acha disso?
Tanko tinha um faro profissional incrível... Aproveitou o sucesso dos Macacos e, antes que alguém raptasse a ideia, ele a absorveu... Genial.

Acredita que essa era uma das grandes marcas de Tanko?
Tanko sempre se aproveitava do sucesso de filmes, para fazer coisas parecidas, sem plágio, of course, pois sabia que o público assimilava bem e gostava.

Nas cenas iniciais, o filme parodiado é outro: Tubarão, de Spielberg... Por que a referência?
Claro, Tubarão tinha estourado. Todos só falavam no filme. Aí, fizemos um tubarão e fomos para Muriqui-Guaratiba fazer as filmagens. Mesmo com um disco voador, que surgiu de madrugada, as filmagens correram normalmente. O disco voador foi filmado, mas a Aeronáutica pegou o filme...

Sério? Quem filmou esse disco? Como a Aeronáutica teve acesso a ele? O senhor viu esse disco voador?
Nós estavamos hospedados no Hotel Kede, na praia de Muriqui. Um dia, às cinco horas da manhã, acordei com dez ou mais refletores na janela do hotel. Como as janelas davam para o mar, pensamos ser um navio. Que nada! Era do tamanho do prédio da Petrobrás, aquele no Largo da Carioca. Estava solto no ar, piscando e fazendo um barulho horrível... Acordei o Antônio Gonçalves, diretor de fotografia. E filmamos, durante uns dez minutos ao todo, tal disco, antes de ele desaparecer em segundos... O dono do hotel ria e falava que aquela nave estava sempre por ali, naquele horário... Claro que, se nós vimos, milhares de pessoas da redondeza presenciaram também. Para a Aeronáutica saber, era fácil. Ali também é rota de aviões da ponte aérea... Só sei que deu um rebu danado. Tivemos que prestar depoimentos e o cacete... Terrível... Eu, particularmente, já vi discos voadores mais duas vezes e em locais deferentes. Mas isso é outra história...

Quem era o maior comediante do grupo?
REInato reinava absoluto. Desculpa o pleonasmo... Nos quinze minutos finais do filme, só podia aparecer ele e a mocinha. Veja nos filmes...

Isso era uma imposição do Renato? Era explícito, no contrato, ou estava nas entrelinhas?
No final do filme, ninguém tinha dúvida: era Renato sozinho ou com a mocinha. Ponto pacífico.

Era fácil lidar com a Embrafilme, tendo um nome tão forte como o dos Trapalhões? Como era a relação de vocês com a Embrafilme?
A Embrafilme entrou nesse filme como distribuidora, e Renato bancou oitenta por cento do filme. Foi o maior recorde de bilheteria na carreira dos Trapalhões, em proporção às outras produções...

Renato bancou do próprio bolso? Ele ganhava em cima da bilheteria? Como era distribuído o lucro entre ele, os atores e os profissionais (diretor, produtor etc.)
Tanko e Renato levantaram o dinheiro, pois nessa época filme brasileiro rendia grana. A Embrafilme distribuía e, às vezes, entrava com vinte por cento. O lucro era de Tanko e do Renato. Todos os outros atores e técnicos recebiam salários – e bons salários – e nada mais.

Renato Aragão tem fama de ser super profissional perfeccionista, atento do roteiro ao cartaz do filme. Isso procede?
Profissional perfeito. Assina carteira, paga todos os direitos trabalhistas e é de uma pontualidade doentia. Se as filmagens estavam marcadas para sete da manhã, cinco e meia ele já estava na locação. Mesmo sozinho, aguardava a equipe... Sempre de bom humor. Pagava antes do dia. Como produtor, não existia ninguém igual no Brasil; e olha que fiz vinte e sete filmes.

Acredita que o cinema era a grande paixão do Renato? Na sua visão, de onde vinha essa característica tão profissional do Renato? Dedé e Mussum eram preocupados somente em atuar?
Renato e Dedé não gozavam de minha intimidade, para eu saber responder a essas questões. Mas Mussum era comediante de tevê. Tinha um conjunto, Os Originais do Samba, que deu a ele mais de trinta chalés de aluguel num condomínio em Cabo Frio. Mussum morreu rico, mas não foi pelos Trapalhões...Tanto que a maior parte do dinheiro do Atrapalhando a Suate, produzido pela De- MuZa, foi do Mussum.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Os Trapalhões eram considerados anti-cultura... A Globo execrava, os jornais e a crítica falavam mal. Mas os filmes formaram técnicos, atores, diretores e deram trabalho a muita gente.....

A Globo execrava?
Basta ser concorrente, a poderosa põe de lado. Veja as Olimpíadas transmitidas pela Rede Record. Nem uma notícia ou comentário da Globo. Imprensa marrom é isso...

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Cinema do povo, como fazia Mazzaropi, Ankito, Zé Trindade.

Gostaria que falasse do cineasta J. B. Tanko, que dirigiu grandes clássicos do quarteto.
Tanko era um gênio. Seu filme A Sombra da Outra, realizado na Atlântida e estrelado pela Eliana (era uma canastrona que virou atriz nas mãos de Tanko), é uma obra-prima de cinema intuitivo. As comédias ele as realizava com amor e muita dignidade. Era um diretor fantástico. E eu sempre afirmei que aprendi muito com ele, muito embora quando o conheci e trabalhamos juntos, eu já havia participado de dezenas de filmes. Uma lenda. E continua injustiçado, dentre os grandes diretores que filmaram no Brasil.

Por que, após esses dois sucessos, você não continuou mais trabalhando com o Renato?
Após O Trapalhão no Planalto dos Macacos, encerrou-se a fase da produtora do Renato via Tanko, pois ele iniciava nova faceta na Rede Globo... Até o Antônio Gonçalves, que era o fotógrafo oficial do projeto, foi substituído pelos globais... Eu, naturalmente fui desligado, como todos os demais técnicos anteriores... Coisas do cinema...

Tem mais alguma coisa que queira dizer?
Quando o grupo iniciou no cinema, tinha uma dificuldade enorme para exibir seus filmes, porque Renato e Dedé eram artistas televisivos e a televisão ainda não controlava a mídia do público... Mazarropi, Golias, Ankito, Oscarito vieram do cinema, só depois alguns deles fizeram tevê. Com Renato e Dedé foi o contrário. Saíram da tevê, cujo público é mais bitolado e geralmente não vai ao cinema. Esse negócio de que os filmes da Xuxa e dos Trapalhões estouram na bilheteria é balela pura. Por isso, os filmes deixaram de ser produzidos. Renato vendeu os estúdios dele para a Rede Record. Vendeu também a a Granja Comary, pois estava precisando de dinheiro... Desde l998, nenhum filme, nenhum filme brasileiro se pagou.Tenho todos os borderôs em meu poder e posso mostrar pra quem quiser... Se o negócio fosse tão bom, eles não parariam de produzir. Há quantos anos Renato não filma?

Os Trapalhões: Vera Bungarten


Vera Bungarten
Fez still em O Cangaceiro Trapalhão e em O Trapalhão e a Arca de Noé


Como surgiu o convite para trabalhar com Os Trapalhões?
Eu já trabalhava há bastante tempo como still e era bem conhecida no meio. No final de 1982, eu estava na equipe do Bar Esperança, O Último Que Fecha, do Hugo Carvana. O Daniel Filho fazia um papel no filme e nos contou que tinha sido convidado para dirigir o filme seguinte dos Trapalhões, O Cangaceiro Trapalhão. A produtora do Renato Aragão, a R. A., fazia dois filmes por ano: um para lançamento nas férias de inverno e outro nas férias de verão. A maior parte da equipe era fixa; e a empresa era familiar, ocupando alguns parentes do Renato, como o irmão, Paulo Aragão na produtora, e o filho, Paulo Neto na produção. A direção da maior parte dos filmes era do J. B. Tanko, e a fotografia ficava a cargo de Antônio Gonçalves. Os filmes eram campeões de bilheteria, blockbusters mesmo. Com um orçamento relativamente baixo, eram realizados de forma simples e despretensiosa, o que gerava um retorno comercial vultoso. Na época, as produções brasileiras voltadas para o público infantil eram poucas; mas os filmes dos Trapalhões rivalizavam em sucesso com as produções americanas. A geração mais nova da produtora e da família sugeriu então ao Renato realizar um produto mais elaborado, investindo numa produção de alto nível e numa equipe técnica mais renomada, visando obter maior qualidade artística e técnica dos filmes. Renato topou apostar nesse investimento e convidou o Daniel Filho para dirigir, dando a ele carta branca para compor a equipe. O Daniel estava há anos fazendo televisão e não estava muito atualizado em relação aos profissionais de cinema. A equipe que ele conheceu no filme do Carvana foi muito do seu agrado e, assim, convidou grande parte dos técnicos para fazer O Cangaceiro Trapalhão. Além disso, ele levou os colaboradores mais diretos, como assistentes de direção, da sua prática de trabalho na TV Globo.

Antes de iniciar essa parceria profissional com Os Trapalhões, você já acompanhava os seus filmes?
Antes desse trabalho, eu nunca tinha visto um filme dos Trapalhões.

Quais as suas principais recordações dos bastidores de filmagem com Os Trapalhões?
O trabalho no set de filmagem e tudo que envolve a produção de um longa-metragem é uma atividade que foi, para mim, sempre prazerosa e instigante, variada. Como trabalho em equipe, valoriza a integração e o inter-relacionamento, onde cada um faz a sua parte e confia no trabalho do outro, compondo no final uma obra coletiva de apuro artístico e técnico. Então, para mim, esse trabalho não era apenas um meio de sobrevivência; mas uma forma de colaborar com o meu trabalho, de participar de debates sobre o filme que estava sendo realizado, de relacionamentos de amizade e fonte de diversão e prazer. Mas é preciso afirmar que fazer cinema é um trabalho duro, que demanda um grande comprometimento de tempo e energia. O Cangaceiro foi um dos filmes mais divertidos que fiz, em especial pelas pessoas que conheci e com as quais estabeleci relações de amizade duradouras. Algumas dessas pessoas trabalhavam sempre nas produções dos Trapalhões: Del Rangel, Caíque Martins Ferreira, Paulinho Aragão, Denise Romita (na época, esposa do Paulinho Aragão), Carlinhos Rangel, entre outros. A integração com a equipe que veio do Bar Esperança e do pessoal da Globo

(Marcos Paulo e João Paulo Carvalho) foi imediata. Começamos o filme na locação de Quixadá, no Ceará, no alto verão do sertão nordestino. Algumas curiosidades, próprias de filmagem em locações como essas, merecem ser contadas. A pequena cidade de Joatama, onde foi feita a praça e a estação de trem, é, na realidade, pouco mais que um arraial. Os moradores participaram de várias formas, ora como figurantes, ora como ajudantes gerais. A filmagem virou a atração do lugar, e a população assistia à filmagem com muita curiosidade. Muito hospitaleiros, como costumam ser os nordestinos, convidavam para tomar um refresco nas suas casas e bater um papinho. O calor, no verão sertanejo, era intenso; e nós jogávamos água mineral na cabeça, para refrescar. O consumo desmedido de copinhos de água mineral pela equipe num lugar seco, onde há uma falta de água frequente, foi motivo de comentários. Os meninos juntavam os copinhos vazios. Um dia, chamaram-me para registrar em foto uma pirâmide de copinhos que ia do chão ao teto na sala/cozinha de uma das casas. A máquina de fumaça dos técnicos em efeitos especiais não funcionou direito; e eles apelaram para uma antiga técnica improvisada, queimando pó de café. O cheiro é horrível, e o consumo de café enorme. Num lugar pobre e onde o café é artigo de luxo, isso foi quase uma afronta. Um dos pontos de destaque do filme é o efeito de Didi andando nas paredes e no teto da casa da bruxa. A concepção e a realização da casa que gira, construída em estúdio, foi muito bem solucionada, tanto do ponto de vista técnico como artístico. Os figurinos concebidos para o personagem Fada Bruxa (interpretado pela Bruna Lombardi) também são muito criativos e apropriados para a característica fantasiosa da personagem. Nesse filme, a experiência do trabalho em si e o convívio com a equipe foram especialmente importantes para mim. Como acontece frequentemente, estabeleci uma relação de compartilhamento e amizade que foi muito gostosa. Foi um trabalho que deu muito prazer. Além disso, é preciso dizer que na produtora R.A. Produções os técnicos sempre foram muito respeitados no seu trabalho profissional e também muito bem tratados pessoalmente.

Você fez o still desse filme. Conte como é esse trabalho e quais as particularidades desse trabalho no cinema dos Trapalhões.
A fotografia de cena, ou still (fotografia fixa) tem o objetivo de produzir um amplo material fotográfico para a divulgação e a comercialização do filme. Tem a função de divulgar o filme na mídia e entrar nos produtos de divulgação como cartaz, folder, catálogo, flyer, convites, banners etc. Antigamente, servia também para a coleção de fotos de porta de cinema, coisa do passado. Cada produtor dá destinações próprias para esse material. As fotos também entram em extras de DVD. As cenas são clicadas da maneira mais próxima possível da imagem registrada pela câmera. Algumas vezes, em planos com movimentos em que os atores entram e saem de campo. É interessante compor as fotos, para dar um sentido de conjunto, já que alguns recortes dos movimentos acabam não fazendo sentido. Algumas vezes, valem também fotos de detalhes, com um olhar diferente. Essas opções se dão de acordo com o tipo de filme e das demandas do produtor. Além disso, são feitos registros documentais da filmagem, que servem bem para as revistas especializadas, para a divulgação e para os extras de DVD, por exemplo. É um trabalho que depende exclusivamente da sensibilidade e criatividade do fotógrafo. No caso da produtora R. A., o próprio Renato cuidava da seleção do material de divulgação. Ele dava uma grande importância a esse trabalho. Nas filmagens, estava sempre atento às fotos e me dava tempo e espaço, criando eventualmente poses especiais, quando a ação era muito rápida. Além disso, havia uma demanda extra de fotos para servirem de modelo para os desenhos do cartaz, que ficava sempre a cargo do artista gráfico Benício, famoso criador de cartazes no cinema brasileiro.

Lampião é um personagem polêmico da História. Uns o amam e outros o odeiam. Como foi trabalhar nessa linha tênue?
Os filmes dos Trapalhões são, geralmente, paródias de histórias conhecidas, que são subvertidas, transformadas, descaracterizadas e, principalmente, investidas de humor. Esse humor não é irônico, é bem ingênuo, mas tem uma função crítica, mesmo que não óbvia. No fundo, tudo serve de pretexto para as gags tipicamente circenses do Renato e dos outros três Trapalhões. O Dedé também tem origem no circo. O Zacarias e o Mussum são comediantes histriônicos. Os filmes se caracterizam por um humor bem ingênuo, com toques românticos. Uma linha bem infantil, saudável. Coisas difíceis de achar, atualmente.

Nelson Xavier e Tânia Alves parecem que nasceram para os respectivos papéis. Que tem a falar sobre eles? Seguindo a ideia de pegar carona no sucesso da literatura, cinema e televisão brasileira para compor paródias, o grupo Os Trapalhões chegou em 1983 ao mundo do cangaço. A fórmula foi tão pensada que aproveitaram até mesmo Nelson Xavier e Tânia Alves para repetir o casal Lampião e Maria Bonita, que haviam interpretado no ano anterior na minissérie da Rede Globo. Isso foi proposital?
Sim, foi. Foi uma opção bem óbvia, me parece. Reforça esse viés da paródia ainda mais. Nelson e Tânia são grandes atores. Fizeram inúmeros outros papéis bem diferentes desses. Nelson vem desde o Cinema Novo. Fez Os Fuzis. Tânia é mais jovem, mas é uma atriz versátil, canta, dança, enfim...

Conte sobre a participação da Bruna Lombardi e Regina Duarte no filme.
Penso que os papéis não dão muita oportunidade, não fornecem riqueza dramática que o ator possa aproveitar. Os filmes dos Trapalhões sempre contam com atores e estrelas, que servem para abrilhantar a produção. É o caso das duas. A Regina faz o par romântico com o Renato. A Bruna é a Fada Bruxa, está muito bonita. Chamo a atenção para o figurino e a caracterização, principalmente da bruxa, que foram muito felizes.

Um dos profissionais que trabalharam no roteiro foi Doc Comparato. Como foi trabalhar com ele?
Normalmente não tenho qualquer interação com os roteiristas, trabalho apenas no set. E, nesse caso, o roteirista não estava presente no set.

Conte um pouco sobre sua formação. E o que achou do trabalho do Mário Monteiro em O Cangaceiro Trapalhão?
Como a minha área é a imagem, gostaria de frisar que o trabalho do diretor de arte Mário Monteiro foi extraordinário. Ele foi o primeiro profissional brasileiro a adotar essa denominação, que equivale ao production designer no cinema americano. Ele assinou também a direção de arte do Bar Esperança, outro trabalho maravilhoso. O filme contou com muitos efeitos especiais para reproduzir um clima mágico próprio dos filmes infantis mais bem produzidos da época. Teve efeitos como a casa que gira, realizado no estúdio, os ovos de ouro da Pedra da Galinha... e algumas citações a filmes clássicos, idealizadas pelo Daniel, como as cenas da Bruna Lombardi na piscina que fazem referência a filmes da Esther Williams, por exemplo, quando ela emerge da água linda, maquiada, cabelo feito, com uma tiara de luzes na cabeça. Gostaria de acrescentar ainda algumas informações sobre minha vivência pessoal que conduziu uma trajetória no cinema focada na questão da imagem. Tive uma formação bastante eclética e diversificada. Fiz a graduação em Design na ESDI, que, na época, era uma escola independente e inovadora. A experiência vivida nessa escola, onde ingressei em 1968, foi extremamente rica. Foi um momento político conturbado; mas, ao mesmo tempo, extremamente profícuo e criativo do ponto de vista cultural e artístico. O regime militar estava se consolidando no Brasil e ficou mais rígido a partir de 1967; o que se via era uma situação de protestos e de repressão. Mas, paralelamente, surgiam novas propostas de representação nas artes, como forma de expressar a liberdade de pensamento. Estudantes e professores da ESDI logo aderiram a esse espírito de experimentação. O que se evidencia nesses anos entre 1968 e 1972 é a multiplicidade de temas, áreas de interesse e atividades que permeavam o nosso dia a dia, independente das propostas diretas do curso. O ambiente da escola e a atmosfera geral reinante na época favoreciam o engajamento, a simpatia pela contracultura e a participação em movimentos culturais, que englobavam as artes plásticas, a música, o teatro, o cinema, a poesia em vivências e práticas transdisciplinares e globais. Após algum tempo trabalhando com projetos gráficos, passei a exercer a fotografia como principal ofício. Pouco tempo depois, apresentou-se a possibilidade de empregar a fotografia fixa no cinema, na forma de fotografia de cena. Isso gerou um longo período de trabalho em produções de filmes de ficção, brasileiros e estrangeiros, proporcionando-me uma vivência intensa de set de filmagem. Durante trinta anos, a fotografia de still foi a minha atividade principal. Essa prática proporciona interações em maior ou menor grau com todos os integrantes da equipe. Acima de tudo, a função pressupõe um intercâmbio intenso com o diretor de fotografia. As conversas e trocas sobre as questões conceituais da fotografia (iluminação, enquadramento, movimentos, texturas, cores) com esses profissionais são constantes. Uma observação curiosa das nuances desse trabalho e as singularidades de cada profissional me levaram a refletir sobre construção das imagens que eu registrava nas minhas fotos. Comecei a investigar as referências pessoais e os significados que resultava, daquela elaboração, o que acabou tornando- se tema das minhas pesquisas acadêmicas posteriores.

Que tem para falar a respeito do racha dos Trapalhões?
Pelo que sei, não houve motivação artística ou dramática na cisão dos Trapalhões. A separação ocorreu por discordâncias em relação a dinheiro e atribuições de poder. Mas, como se viu rapidamente que essa cisão não rendeu bons frutos, eles resolveram retomar a parceria. Nunca me passou pela cabeça que eu estaria tomando partido de um lado ou de outro. E, pelo que eu saiba, nenhum outro membro da equipe pensou assim. Tenho vários amigos que participaram do filme Atrapalhando a Suate, produção dos outros três Trapalhões e que ocorreu simultaneamente a O Trapalhão na Arca de Noé, realizado pelo Renato Aragão. Isso só gerou comentários bem-humorados entre nós; e, até hoje, lembramos com risadas desse tempo. Nesse meio, somos livres colaboradores. Recebemos convites para trabalhar num determinado filme e aceitamos ou não. O filme acaba, e partimos para o próximo. Na época, havia muitas produções boas e muita oferta de trabalho para os bons profissionais.

Fale sobre o filme O Trapalhão na Arca de Noé.
No que diz respeito à imagem, houve um trabalho muito cuidadoso e elaborado do Carlos Egberto da Silveira, diretor de fotografia. Mas em alguns momentos a imagem fotográfica sofre de algumas precariedades, por conta das condições que eu mesma presenciei no set. Durante as filmagens, choveu muito. Nas locações externas em Jacarepaguá, predominava uma mata fechada; e o tempo chuvoso não favorecia uma imagem com mais contraste. Não havia quantidade suficiente de equipamento de luz para dar o realce necessário nos planos gerais. Por esse motivo, a imagem nessas sequências é bastante “empastelada”. A direção de arte não oferece a mesma unidade conceitual que marcou o anterior O Cangaceiro Trapalhão, que tinha um conceito geral de linguagem imagética que perpassa todo o filme. Mas toda a equipe técnica do filme é de alto nível: o já mencionado diretor de fotografia Carlos Egberto é um profissional renomado e realizou um trabalho bem mais elaborado do que era usual nos outros filmes dos Trapalhões. Também outros profissionais da equipe estavam entre os mais destacados da época, como Juarez Dagoberto, técnico de som, e toda a equipe da direção de arte. A direção ficou a cargo do Del Rangel, que, durante muito tempo foi o (excelente) diretor de produção dos filmes da R. A. Era sua estreia na direção, e ele se dedicou muito. Como tinha pouca experiência, estudava e preparava muito bem as decupagens. Chegava ao set sabendo bem o que iria fazer. Pelo que sei, a sua participação na elaboração do roteiro é pequena. O story-line desse, como dos outros filmes, é do Renato Aragão. Os créditos do roteiro são do Doc Comparato, do Aguinaldo Silva, mas incluem o Del. A meu ver, o filme, apesar ter seus méritos, tem algumas questões complicadas, tanto na temática como na realização. Havia, sim, uma ambição de produção hollywoodiana. Mais uma vez o filme se afasta da simplicidade, da produção despretensiosa e da narrativa ingênua dos filmes anteriores. Dessa vez, entrando na onda do politicamente correto, da temática ecológica (a proteção dos animais, no caso). São os temas que entraram em moda na época, No filme, isso acaba virando um clichê. As questões não são aprofundadas, e o assunto fica raso. Tecnicamente, a proposta de incluir um animal fictício à la Spielberg acabou resultando num desastre. O Papangu foi um fiasco. O personagem, que deveria ser um “sauro” simpático e indefeso, ficou inconsistente. Mas sofrível mesmo foi a realização técnica do bicho. A equipe responsável não tinha competência nem experiência. E a pretensão de fazer efeitos com nível de cinema americano, sem recursos nem capacidade técnica suficientes, deu um resultado lamentável. A precariedade técnica já ficou clara para todos durante a filmagem, mas não se encontrou uma solução para evitar o indisfarçável desastre. A linha narrativa básica é a mesma de todos os filmes: histórias rocambolescas, que servem como gancho para as brigas coreografadas e as palhaçadas circenses que tanto sucesso fizeram ao longo da carreira dos quatro. E o personagem do atrapalhado Didi sempre acaba compondo um par romântico pouco provável com uma bela heroína. Mas o que funcionava num esquema de dramaturgia, narrativa e produção menos pretensiosa... acabou ficando ridículo e chato.