domingo, 1 de julho de 2018

Os Trapalhões: Walter Webb


Walter Webb
Diretor de produção


O senhor trabalhou no filme Simbad, O Marujo Trapalhão, realizado antes da formação tradicional. Nesse filme, só Didi e Dedé atuam. Como foi a experiência?
Simbad foi o filme que mais rendeu da dupla Renato-Dedé... Renato morava no Jardim Botânico, a trinta metros da Rede Globo, e era completamente ignorado pela mídia da época. Estava financeiramente equilibrado, mas não era rico. Simbad começou a torná-lo milionário... A experiência não foi surpresa, pois sempre fiz longa-metragem e sabia o que fazia..

Os dois já tinham planos de agregar mais atores na formação?
Nunca participei desse processo... Sempre imaginei Didi e Dedé uma dupla baseada em Jerry Lewis e Dean Martin. Transformá-los num quarteto deu problemas.

Por que imaginava que tornar-se um quarteto daria problemas?
A briga de egos era incrível, com Renato de paxá contra Mussum, que era realmente venerado pela massa... Depois, problemas financeiros. Grana sempre pesa na jogada, pois todos eram contratados do Renato. Daí....

O roteiro de Simbad foi escrito por J. B. Tanko, baseando-se em história escrita em parceria com Vitor Lustosa. Gostaria que falasse de Lustosa.
Josip Bogoslaw Tanko era um gênio... Ensinou muito diretor que ainda filma por aí. Vitor Lustosa era um assistente de direção que sempre esteve com Tanko, mas suas experiência como diretor não foi das mais felizes. Era um cara legal e excelente profissional...

A escolha de Tanko era do Renato? Por que outros cineastas começaram a dirigir os filmes dos Trapalhões?
Todos os grandes filmes do Renato foram dirigidos e coproduzidos por Tanko, que saiu quando Renato optou pela Rede Globo para encarregar-se dos filmes... Entraram novos diretores, que não assimilavam a improvisação que Renato criava nas filmagens... Resultado, os filmes não transmitiam a força e a graça dos Trapalhões. Tanko, com Robin Hood e A Ilha do Tesouro, fez uma mina entrar na conta do Renato Aragão.

Como surgiu o convite para trabalhar com Renato Aragão?
Foi Roberto Bataglin que me apresentou a Tanko. Eu tinha acabado de fazer O Pistoleiro, na Bahia. O Tanko tinha restrições quanto a mim. Porque eu era também produtor de filme publicitário, e ele achava que nós gastávamos muito. Resultado: fiz o filme, antecipamos o cronograma; e ele me convidou logo para o filme seguinte, Os Trapalhões no Planalto dos Macacos.

Como foi a sua participação no filme Simbad? Que você fazia nesse filme?
Era diretor de produção. Tinha toda a liberdade, e fizemos um trabalho surpreendente.

Que quer dizer com surpreendente?
Surpreendente, porque, como usávamos sempre a cartilha de um produtor de cinema, através da experiência adquirida, pensei que eles iam estranhar meu comportamento. Mas, para minha surpresa, só foram elogios para o método de trabalho, a decupagem de filmagem. Haviam planejado seis semanas de filmagem, terminamos em quatro e meia ou cinco semanas. Isso, em termos financeiros, é referencial.

A trilha sonora foi de Edino Krieger. Gostaria que comentasse sobre ele.
Edino, que nunca conheci pessoalmente, era considerado um excelente músico e maestro. Um mestre... Tanko tinha esse faro de pegar pessoas competentes...

Quais as lembranças de bastidores do filme?
Um ambiente profissional, pois o velho Tanko era um protótipo do cinema sério. E Renato, apesar das piadas e bom humor, mantinha o status de produtor com muita moral.

Renato fazia piadas nos bastidores ou em cena?
Muito trocadilho, brincava sempre nos intervalos. Mas sempre com aquela postura de que quem mandava era ele... Dizem que, ultimamente, ele mudou o jeito de ser... Não afirmo nada disso, pois no meu tempo ele era realmente um cara legal para a equipe.

Que tem a dizer do ator Carlos Kurt? Ele tem uma participação muito ativa no cinema dos Trapalhões.
Era uma figura... sério, mas jocoso. Ótimo profissional, sempre cumprindo as metas e os cronogramas. Ator de méritos, fez carreira com Antônio Renato Aragão...

Acredita que falte homenagens a ele? Ele era turrão?
Se você não conhecesse o Carlos Kurt, iria achá-lo turrão. Com aquela voz espacial e a mania de atender sempre com o “Senhooooooorrr”, assustava. Mas, depois, você via que ele era um cara amável, respeitador... Era um cara legal. Pena que os papéis que deram a ele não lhe davam chances de crescê-los.

Após Simbad, o senhor trabalhou em O Trapalhão no Planalto dos Macacos. Como foi essa experiência?
Esse filme, que além de Dedé, tinha o Mussum, foi uma experiência legal. Foi rodado numa pedreira em Jacarepaguá. E as máscaras foram adaptadas das americanas pelo Orival Pessini, aquele do Patropi e Fofão. Esse filme lançou na mídia a carnavalesca Pinah, que, após o filme, ficou famosa... Mas Tanko gostava de lançar gente nova. No Simbad, lançou uma portuguesa: Rosina Malbouisson... Linda, talentosa, mas desapareceu do cinema. Fez poucos filmes. Pena. Tanko fazia o que a Globo faz no seriado Malhação: lançava gente nova

É nesse filme que Mussum, que entrara no grupo em 1973, fez a sua estreia. Conte sobre isso.
No primeiro dia de filmagem, na Praça Seca em Jacarepaguá, todos na rua aplaudiam Renato e Dedé... Mas, quando Mussum chegou, a filmagem teve que ser interrompida, pois ele fez um sucesso espetacular. O Renato, pela primeira vez, ficou enciumado. Pegou seu carro e foi pra casa... Coisas do cinema...

Essa história diziam que era lenda. Então, isso ocorreu mesmo? Que fizeram para demover esse ciúme no Renato? Como Mussum reagiu a essa ação do Renato?
Sempre houve uma guerra de egos... Dedé, que é o grande acrobata do grupo, era rejeitado até pela família Aragão... Lembre-se de que Renato abandonou Dedé por alguns anos. Dedé até chegou a passar necessidade. Numa entrevista apelativa, o público tomou conhecimento disso; e Renato voltou atrás e empregou novamente o amigo, como um coadjuvantezinho. Pena...

O título e o roteiro de O Planalto dos Macacos parodiam o filme O Planeta dos Macacos, sucesso continuado no Brasil em função da televisão, que exibia reprises, lançamentos de séries e desenhos animados baseados na clássica produção original de 1968. Os Trapalhões sempre se utilizaram dessas paródias. Que acha disso?
Tanko tinha um faro profissional incrível... Aproveitou o sucesso dos Macacos e, antes que alguém raptasse a ideia, ele a absorveu... Genial.

Acredita que essa era uma das grandes marcas de Tanko?
Tanko sempre se aproveitava do sucesso de filmes, para fazer coisas parecidas, sem plágio, of course, pois sabia que o público assimilava bem e gostava.

Nas cenas iniciais, o filme parodiado é outro: Tubarão, de Spielberg... Por que a referência?
Claro, Tubarão tinha estourado. Todos só falavam no filme. Aí, fizemos um tubarão e fomos para Muriqui-Guaratiba fazer as filmagens. Mesmo com um disco voador, que surgiu de madrugada, as filmagens correram normalmente. O disco voador foi filmado, mas a Aeronáutica pegou o filme...

Sério? Quem filmou esse disco? Como a Aeronáutica teve acesso a ele? O senhor viu esse disco voador?
Nós estavamos hospedados no Hotel Kede, na praia de Muriqui. Um dia, às cinco horas da manhã, acordei com dez ou mais refletores na janela do hotel. Como as janelas davam para o mar, pensamos ser um navio. Que nada! Era do tamanho do prédio da Petrobrás, aquele no Largo da Carioca. Estava solto no ar, piscando e fazendo um barulho horrível... Acordei o Antônio Gonçalves, diretor de fotografia. E filmamos, durante uns dez minutos ao todo, tal disco, antes de ele desaparecer em segundos... O dono do hotel ria e falava que aquela nave estava sempre por ali, naquele horário... Claro que, se nós vimos, milhares de pessoas da redondeza presenciaram também. Para a Aeronáutica saber, era fácil. Ali também é rota de aviões da ponte aérea... Só sei que deu um rebu danado. Tivemos que prestar depoimentos e o cacete... Terrível... Eu, particularmente, já vi discos voadores mais duas vezes e em locais deferentes. Mas isso é outra história...

Quem era o maior comediante do grupo?
REInato reinava absoluto. Desculpa o pleonasmo... Nos quinze minutos finais do filme, só podia aparecer ele e a mocinha. Veja nos filmes...

Isso era uma imposição do Renato? Era explícito, no contrato, ou estava nas entrelinhas?
No final do filme, ninguém tinha dúvida: era Renato sozinho ou com a mocinha. Ponto pacífico.

Era fácil lidar com a Embrafilme, tendo um nome tão forte como o dos Trapalhões? Como era a relação de vocês com a Embrafilme?
A Embrafilme entrou nesse filme como distribuidora, e Renato bancou oitenta por cento do filme. Foi o maior recorde de bilheteria na carreira dos Trapalhões, em proporção às outras produções...

Renato bancou do próprio bolso? Ele ganhava em cima da bilheteria? Como era distribuído o lucro entre ele, os atores e os profissionais (diretor, produtor etc.)
Tanko e Renato levantaram o dinheiro, pois nessa época filme brasileiro rendia grana. A Embrafilme distribuía e, às vezes, entrava com vinte por cento. O lucro era de Tanko e do Renato. Todos os outros atores e técnicos recebiam salários – e bons salários – e nada mais.

Renato Aragão tem fama de ser super profissional perfeccionista, atento do roteiro ao cartaz do filme. Isso procede?
Profissional perfeito. Assina carteira, paga todos os direitos trabalhistas e é de uma pontualidade doentia. Se as filmagens estavam marcadas para sete da manhã, cinco e meia ele já estava na locação. Mesmo sozinho, aguardava a equipe... Sempre de bom humor. Pagava antes do dia. Como produtor, não existia ninguém igual no Brasil; e olha que fiz vinte e sete filmes.

Acredita que o cinema era a grande paixão do Renato? Na sua visão, de onde vinha essa característica tão profissional do Renato? Dedé e Mussum eram preocupados somente em atuar?
Renato e Dedé não gozavam de minha intimidade, para eu saber responder a essas questões. Mas Mussum era comediante de tevê. Tinha um conjunto, Os Originais do Samba, que deu a ele mais de trinta chalés de aluguel num condomínio em Cabo Frio. Mussum morreu rico, mas não foi pelos Trapalhões...Tanto que a maior parte do dinheiro do Atrapalhando a Suate, produzido pela De- MuZa, foi do Mussum.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Os Trapalhões eram considerados anti-cultura... A Globo execrava, os jornais e a crítica falavam mal. Mas os filmes formaram técnicos, atores, diretores e deram trabalho a muita gente.....

A Globo execrava?
Basta ser concorrente, a poderosa põe de lado. Veja as Olimpíadas transmitidas pela Rede Record. Nem uma notícia ou comentário da Globo. Imprensa marrom é isso...

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Cinema do povo, como fazia Mazzaropi, Ankito, Zé Trindade.

Gostaria que falasse do cineasta J. B. Tanko, que dirigiu grandes clássicos do quarteto.
Tanko era um gênio. Seu filme A Sombra da Outra, realizado na Atlântida e estrelado pela Eliana (era uma canastrona que virou atriz nas mãos de Tanko), é uma obra-prima de cinema intuitivo. As comédias ele as realizava com amor e muita dignidade. Era um diretor fantástico. E eu sempre afirmei que aprendi muito com ele, muito embora quando o conheci e trabalhamos juntos, eu já havia participado de dezenas de filmes. Uma lenda. E continua injustiçado, dentre os grandes diretores que filmaram no Brasil.

Por que, após esses dois sucessos, você não continuou mais trabalhando com o Renato?
Após O Trapalhão no Planalto dos Macacos, encerrou-se a fase da produtora do Renato via Tanko, pois ele iniciava nova faceta na Rede Globo... Até o Antônio Gonçalves, que era o fotógrafo oficial do projeto, foi substituído pelos globais... Eu, naturalmente fui desligado, como todos os demais técnicos anteriores... Coisas do cinema...

Tem mais alguma coisa que queira dizer?
Quando o grupo iniciou no cinema, tinha uma dificuldade enorme para exibir seus filmes, porque Renato e Dedé eram artistas televisivos e a televisão ainda não controlava a mídia do público... Mazarropi, Golias, Ankito, Oscarito vieram do cinema, só depois alguns deles fizeram tevê. Com Renato e Dedé foi o contrário. Saíram da tevê, cujo público é mais bitolado e geralmente não vai ao cinema. Esse negócio de que os filmes da Xuxa e dos Trapalhões estouram na bilheteria é balela pura. Por isso, os filmes deixaram de ser produzidos. Renato vendeu os estúdios dele para a Rede Record. Vendeu também a a Granja Comary, pois estava precisando de dinheiro... Desde l998, nenhum filme, nenhum filme brasileiro se pagou.Tenho todos os borderôs em meu poder e posso mostrar pra quem quiser... Se o negócio fosse tão bom, eles não parariam de produzir. Há quantos anos Renato não filma?