domingo, 1 de julho de 2018

Os Trapalhões: Walter Carvalho


Walter Carvalho
Diretor de fotografia


Sua trajetória no cinema dos Trapalhões iniciou-se justamente com o filme mais elogiado do quarteto: Os Trapalhões no Auto da Compadecida. Renato Aragão afirmou que fez esse filme para agradar a crítica especializada, que sempre batia muito forte nele. Foi realmente com essa intenção que vocês produziram esse filme?
Tenho a impressão de que também foi por conta de Os Trapalhões trabalharem como atores, ou seja, interpretando personagens. Ou seja, não eram não só comediantes interpretando a si próprios.

Em Os Trapalhões no Auto da Compadecida, Renato Aragão é João Grilo, Dedé é Chicó, Mussum é Jesus e Zacarias é o padeiro da peça de Ariano Suassuna. Personagens bem definidos. Eles tiveram que decorar os diálogos da peça, tarefa não tão rigorosa nos filmes anteriores, quando os textos eram improvisados a partir das ações e dentro das características de cada um.
O Roberto Farias, um grande diretor, exigia mais nesse sentido. Lembro perfeitamente da concentração do Dedé Santana, tentando decorar o texto, porque não estava habituado àquele ritmo de trabalho. Quanto à afirmação de que “foi para agradar a crítica”, já não posso afirmar. Renato nunca comentou isso comigo.

Ariano Suassuna afirmou, certa vez, que esse filme foi o melhor trabalho que fizeram em relação à sua obra. Recorda-se disso?
Sim, recordo-me muito bem. Um tempo depois que fotografei o filme, estive com Ariano em sua casa no Recife, onde sempre o visitava. Ele afirmou orgulhoso o quanto havia gostado do filme. E também Roberto Farias me relatou o encontro dele com o mestre paraibano, quando viram o filme juntos em Recife. Ariano Suassuna se emocionou na sala de projeção, chegando às lágrimas.

Como surgiu o convite para trabalhar com Os Trapalhões?
Eu já havia trabalhado com o Roberto Farias, fazendo televisão no projeto Quarta Nobre, da TV Globo. Fui fotógrafo nesse projeto. Fiz também a fotografia da minissérie A Máfia no Brasil, que foi dirigida pelo Roberto. E fotografei o filme Com Licença, Eu Vou à Luta, dirigido por Lui Farias e produzido pelo próprio Roberto. Portanto, éramos amigos e já havíamos trabalhado juntos. Digamos, já éramos parceiros.

Antes de iniciar essa parceria profissional com Os Trapalhões, você já acompanhava os seus filmes?
Sim. Assistia ao programa dos Trapalhões na televisão, aos domingos. Era um programa certo para as crianças e para os adultos também.

Os Trapalhões no Auto da Compadecida foi filmado onde?
A produtora R. F. Farias construiu uma cidade cenográfica no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro. Um projeto fantástico do grande cenógrafo Mário Monteiro. Uma cópia fiel da cidade de Taperoá, no sertão paraibano, onde nasceu Ariano Suassuna. Filmamos também em Maricá, estado do Rio. Aproveitamos as estradas de terra da região e a vegetação árida como se fosse no sertão de Ariano Suassuna.

Quais as suas recordações dos bastidores desse filme?
Muitas. Essa resposta tomaria toda a entrevista. Conviver com Os Trapalhões foi uma maravilha e um aprendizado inesquecível. Sem falar do elenco fantástico de grandes profissionais do cinema. Renato Aragão, nos intervalos de filmagem, estava sempre fazendo alguma brincadeira com a equipe. O divertimento no set de filmagem era inevitável. Muitas vezes interrompíamos a cena, porque o riso sem controle tomava conta de todos nós. Acho que momentos como esses impregnam o resultado final de um filme.

O elenco contava com atores de primeiro nível, entre os quais Raul Cortez, José Dumont, Renato Consorte. A escalação do elenco partiu do Roberto Farias ou dos Trapalhões?
Do Roberto Farias e imagino que tenha tido a participação do Renato. Acho fantástica a ideia do Mussum interpretar Jesus nas cenas do julgamento. Sem falar que Renato Aragão no papel de João Grilo está brilhante. Muitas vezes, com o olho na câmera, eu ficava na dúvida, sem saber onde começava João Grilo e onde terminava Renato Aragão. Um feito para o outro, e ninguém mais poderia interpretar tão bem o humor nordestino em que Ariano foi mestre imbatível. Importante: acho que aqui deveríamos acrescentar os nomes de Cláudia Jimenez (a mulher do padeiro) e Betty Goffman como a Compadecida.

Apesar do sucesso, foi o único filme com direção do Roberto Farias. Quais as razões disso?
Se não me falha a memória, foi o Roberto que teve a ideia de filmar a peça de Ariano Suassuna e chamar Os Trapalhões para fazer os papéis principais. Seria melhor ouvi-lo sobre isso. Foi uma junção das duas produtoras, a R. F. Farias (do Roberto) com a R. A. (do Renato Aragão), para o filme dos Trapalhões daquele ano. Acredito que essa produção dirigida por Roberto Farias saiu completamente fora do modelo ao qual o grupo dos Trapalhões estava acostumado.

Após esse trabalho, você ainda trabalhou nos filmes O Mistério de Robin Hood, Uma Escola Atrapalhada e Os Trapalhões e a Árvore da Juventude.
Sim, uma grande experiência com Del Rangel e depois com José Alvarenga, que dirigiu dois filmes com minha fotografia. Lembro perfeitamente o quanto pude experimentar juntamente com esses diretores, que traziam na sua essência a preocupação com a criatividade.

Uma Escola Atrapalhada foi o último filme com a participação de Zacarias, que faleceu naquele ano. A aparição dele no filme é melancólica, muito magro, abatido, numa cena curta. Como foi o seu contato com ele? Ele já estava doente?
Sim, já estava. Comovente. Era um ser humano raro. De todos eles o Zacarias era o mais calmo e compenetrado. Estava sempre atento, para interpretar suas peripécias.

Ele foi poupado nas gravações?
Nesse filme Os Trapalhões não eram os principais. Tinha um elenco fantástico (foi o primeiro filme de muitos atores, inclusive do Selton Mello). Os Trapalhões faziam uma participação, enquanto os papéis principais eram interpretados por um elenco surpreendente. Tinha a Angélica, Supla em sua estreia como ator. O fantástico é que tinha um grupo do Tablado (escolhido pelo Del Rangel), composto só de jovens que fariam sucesso no futuro. Destaco a participação do extraordinário Selton Mello, um garoto que estava sempre no set, mesmo não sendo escalado para o dia. Ele já trazia com ele a força do ator que hoje é reconhecido pelo talento e sua capacidade de inventar caminhos para os personagens que interpreta. Eu mal podia imaginar que poucos anos depois iria me encontrar com Selton num dos trabalhos mais arrebatadores do nosso cinema: Lavoura Arcaica. E também nunca poderia imaginar que seria o fotógrafo de um filme dirigido por ele: O Filme da Minha Vida, que acabamos de realizar e ainda está em fase de montagem. São os encontros (para sempre) que a vida nos prepara.

Como era o seu contato com o quarteto (Didi, Dedé, Mussum e Zacarias)?
Inesquecível. Durante as filmagens, eles trabalhavam da mesma maneira que brincavam. São muitas histórias...

Que representava, naquele período, trabalhar num filme dos Trapalhões, que eram certeza de sucesso de bilheteria?
Todo filme para mim é como se fosse único. Estou sempre iniciando uma experiência nova a cada filme. Filmar com Os Trapalhões aumentava minha responsabilidade, sabendo do sucesso deles no cinema e na televisão. Todos os dias, durante as filmagens, eu pensava no fato de estar fazendo um filme que tinha pela frente a certeza do sucesso de público. E minha responsabilidade só aumentava. O desafio me colocava em constante estado de descobertas e criatividade.

Quem era o maior comediante do grupo?
A química era dos quatro juntos. Houve uma separação numa época. Mas não durou muito, logo se juntaram novamente. Um completava o outro. Um fenômeno da comunicação... que só acontecia com a química dos quatro juntos.

Renato Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo?
Verdade. Cuidadoso, preocupado, participa de todo o processo. Renato está sempre atento. Possui uma experiência muito bem vivida (ela nasceu com ele, muito antes da formação do grupo). Tem espírito de liderança e uma visão apurada de quem faz comunicação na televisão e no cinema.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Não tenho conhecimento dessa rejeição explícita. Recordo-me das chanchadas, que se tornaram cult. A Chanchada é apenas um exemplo de obras que receberam muitas críticas na época em que foram produzidas e que, com o decorrer dos anos, acabaram merecendo o reconhecimento. A história está repleta de casos assim.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Um cinema para divertir crianças e adultos, sem perder a graça e, sobretudo, o sentido humano. Como Chaplin, como Buster Keaton. Como João Grilo e Chicó. É impossível escrever a história do cinema e da televisão brasileiros, sem mencionar o fenômeno da comunicação conhecido como Os Trapalhões.

Gostaria que falasse: que representou para você trabalhar com Os Trapalhões?
Um aprendizado. Tive um belo momento de experimentação e guardo com muito carinho tudo aquilo que levei comigo.