Não sabemos a origem desta entrevista que R.F.Lucchetti
concedeu, não encontrei nenhum registro, supõe-se que tenha sido publicada na
saudosa ‘Interview’.
De qualquer modo, segue a íntegra:
Quem é R.F.Lucchetti?
Na verdade sou uma pessoa comum, bem comum. Gosto de passar
despercebido e raramente falo o meu trabalho, a não ser com pessoas que
professam o mesmo gosto que eu. Mas isso é tão raro... Detesto morar muito
tempo num mesmo lugar para não tornar-me uma pessoa familiar na vizinhança. É
por esse motivo que saio muito pouco. Meu mundo resume-se nas quatro paredes do
meu gabinete. Ali tenho o Universo ao alcance de minhas mãos.
Como é o seu método
de trabalho?
Eu não tenho uma fórmula ou um método de trabalho. Escrever
tornou-se uma obrigação, não por inspiração, mas por opção, por não saber fazer
outra coisa. E para que o trabalho possa fluir é necessário que eu seja
pressionado por prazos de entrega. Sobre o motivo de eu ter atuado nas mais
variadas frentes, foi porque tudo aconteceu a um só tempo. Em 1967 eu gravitava
em torno de pequenas editoras. Para eles escrevia roteiros de histórias em
quadrinhos e fotonovelas; contos e livros. Estes dos mais variados gêneros,
escritos como ghost-writer. Foi também nesse ano que a televisão e o cinema
entraram na minha vida.
Como nasceu seu gosto
pelo horror?
O gosto pelos temas de horror, só posso dizer que ele é
inato. Nasceu comigo. Desde que me recordo só achava interesse pelo
maravilhoso, principalmente pelos contos de Edgar Allan Poe, Arthur Conan Doyle
e Robert Louis Stevenson. Eles impressionavam-me de tal forma que meus
primeiros textos foram calcados em temas desses autores.
Como foi trabalhar
com Mojica e Ivan Cardoso?
José Mojica Marins e Ivan Cardoso são dois diretores únicos,
donos de uma filmografia sem paralelo no nosso cinema. Eu tive a sorte de
trabalhar com ambos e assim poder concretizar tudo quanto aspirava poder
realizar no cinema. E isso só me foi possível por meio de alguém com a
personalidade de um Mojica ou de um Cardoso. É como achar, não uma, mas duas
agulhas no palheiro. Com Mojica foi o terror explicito, social; com o Ivan, o
horror, o suspense, a sátira. Orgulho-me de ser parte integrante dessa
filmografia diferenciada, cultuada por alguns e detestada por outros. Sempre me
dei melhor com a minoria.
E o vampiro nos seus
escritos?
Desde os meus primeiros escritos, ocupei-me do tema vampiro.
Mas sem ter onde publicá-los permaneceram inéditos. Foi somente nos anos
sessenta que consegui publicá-los. Alguns adaptados para as histórias em
quadrinhos e outros nas coleções de terror dos pockets-books da Editora
Bruguera que depois passou a chamar Cedibra.
O vampiro te fascina?
De todos os personagens que povoam o folclore terrorifico o
vampiro é sem dúvida alguma o mais sedutor de todos. Ele está intimamente
ligado à sensualidade. Há nele um halo de fascínio irresistível, arrebatador.
Isso deve-se muito ao cinema que raramente mostra-o como um ser horripilante e
amedrontador. Para seduzir suas vítimas ele apresenta-se como um encantador
cavalheiro ou uma mulher de beleza irresistível e muitas vezes etérea. Pode-se
dizer que o vampiro é o mais belo de
todos os monstros criados pelo ideário popular.
Tanto na literatura quanto no cinema, o personagem vampiro
mais interessante para mim, continua sendo o conde Drácula. E na sua versão
feminina, Carmilla – esta somente na literatura, porque até hoje não vi nenhuma
versão cinematográfica que lhe fizesse jus. Quanto aos quadrinhos, os italianos
Jorge Scudellari e Nico Rosso, foram os responsáveis por uma série memorável
tendo Drácula como protagonista. Memorável quanto aos desenhos, talvez o melhor
que se fez até hoje, mas comprometida no que se refere aos argumentos. Eles
refletiam o pouco caso com que eram concebidos. Também merecem citação especial
as nossas duas vampiras: Mirza e Naiara. A primeira uma criação de Eugênio
Colonnese (dois anos antes da norte-americana Vampirella) e a segunda, criada
graficamente por Edmundo Rodrigues, teve vários desenhistas. Mas foi na pena de
Nico Rosso que ela encontrou sua melhor fase. Também faço restrições a seus
argumentos (incluindo a Vampirella). Seus argumentos estão muito aquém de suas
concepções artísticas. Para mim o quadrinho é uma arte que se completa com a
perfeita integração: texto-desenho.
E a sua paixão pelas
revistas pulps?
Foi ainda muito cedo, quando fui descobrindo outros notáveis
expoentes do fantástico e do horror como: Sherin Le Fanu, E.T.A. Hoffmann, H.P.
Lovecraft, Henry James, Guy de Maupassant, H.G. Wells, W.W.Jacobs, Theóphile
Gautier, Ambrose Bierce e o pouco conhecido, mas extraordinário M.R.James. cada
um deles contribuiu com uma parcela para a minha formação literária. E só para
que você tenha uma ideia, todos eles frequentavam as páginas das revistas
pulps!
Temos horror a tudo
que foge ao normal?
É isso mesmo. Temos horror a tudo quanto foge ao normal. Mas
também pode-se dar ao contrário: uma coisa estranha, por muito estranha que
seja se ela perdura acaba tornando-se uma coisa normal. Quando o homem não
encontra satisfação nas coisas de seu dia-a-dia, busca no irreal o “algo mais”
que lhe permita fugir da vida sem aventura. E o homem estará pronto a
precipitar-se em qualquer caminho que o leve ao imponderável. O medo desconhecido é uma volta ao terrores
ancestrais da espécie humana. Nossos antepassados eram perseguidos pelo
desconhecido; o imprevisível parecia precipitar-se sobre eles e pertencer a
esfera sobre as quais não tinham nenhum poder.
Como é a sua relação
com os críticos?
Eu não levo muito a sério o que os críticos dizem. Respeito
a opinião de cada um, seja de crítico ou não. Mas esse negócio de rotular o que
é literatura e o que é subliteratura já há muito está superado. Não sei como
ainda tem alguém se preocupando com isso. Acho que devemos ver as coisas por um
outro prisma, o do bom senso: analisando o texto que se nos apresenta se está
bem escrito ou mal escrito. É isso. O resto é puro preconceito.
Qual é o seu livro
predileto?
Por um fator muito especial, meu livro predileto é ‘O
Fantasma de Tio William’. Não sei precisar com exatidão o ano, se seria 1937 ou
1938. Minha família residia na Lapa, à rua Tito, próximo da Companhia
Melhoramentos que conhecíamos como ‘Weiszflog’. De um lado da rua ficava a
gráfica, um grande edifício e do outro, o depósito. Recordo-me bem, ele estava
num imenso terreno baldio, por isso podíamos vê-lo por inteiro. Era um galpão
feio, com muitas janelas envidraçadas e coberto com zinco que reluziam ao sol.
Uma tarde, minha mãe, minha irmã Célia e eu andávamos pela calçada e quando
chegamos diante do portão da gráfica, ele se abriu e um funcionário saiu
empurrando um carrinho de quatro rodas repleto de livros. Atravessou a calçada
à nossa frente, a caminho do depósito. Olhei para o interior do portão aberto e
vi uma larga alameda calçada com paralelepípedos com a acesso à inúmeras
dependências da gráfica. E me recordo do pensamento que me ocorreu naquele
exato momento: “Um dia vou ter um livro publicado pela ‘Weiszflog’.”. O porque
desse meu pensamento não sei. Mas, estranhamente em 1983, ou seja, 41 anos
depois, ele se convertia numa realidade. Nesse ano a Companhia Melhoramentos
publicou meu livro. Para mim é mistério. O que levou-me a ter o pensamento que
“um dia eu teria um livro publicado pela ‘Weiszflog’.”? O mistério ainda é
maior porque eu não fiz absolutamente nada para que meu desejo de menino se
tornasse uma realidade, certamente eu jamais iria me recordar que um dia eu
tivera esse pensamento... tão absurdo!
Tem muitas ideias na
gaveta? Quais os seus próximos projetos?
As gavetas de minha escrivaninha e as prateleiras das estantes
do meu escritório estão cheias de originais. No momento estou empenhado em
reescrever alguns antigos textos e também terminei recentemente o scrit de um
reality show intitulado “A Mansão dos 13 Condenados” e um game para TV: “O Jogo
das Palavras”, só que não sei o que fazer com eles.
Há pouco espaço para
escritores iniciantes?
Compreendo bem essa queixa. Falta mesmo espaço para aqueles
que estão iniciando e queira publicar o seu livro. As editoras não arriscam num
nome desconhecido, ou melhor, raramente arriscam. No passado tínhamos um grande
número de revistas que abrangiam todos os gêneros, possibilitando aos que
estavam iniciando, um veículo onde poderiam publicar suas produções, tornando-o
conhecido nacionalmente. Era o primeiro passo para se chegar ao livro. Hoje,
infelizmente, não vejo onde o novel autor possa exercitar. Existem os fanzines.
Mas o fanzine é uma ação entre amigos. Ele gravita num universo muito restrito.
Quanto a internet também não é a solução. Então, que posso eu dizer? Existe o
fator sorte, como nos conta o ator Jack Black que dez o produtor apaixonado e
obcecado, Carl Denham, no filme de Peter Jackson, ‘King Kong’. Ele conta que: “Ser
escolhido para trabalhar neste filme foi como um sonho para mim, porque eu sou
um grande fã do trabalho de Peter Jackson e de toda sua equipe e eu me recordo
de falar para mim mesmo, enquanto assistia ‘O Senhor dos Anéis’, que eu
precisava conseguir um teste com ele qualquer que fosse seu próximo trabalho. E
eu ficava imaginando que ele faria depois da trilogia, mas logo descartei a
ideia de trabalhar com ele. Foi então que recebi o telefonema para conversarmos
sobre ‘King Kong’ e esse foi um daqueles telefonemas que algumas pessoas
aguardam a vida toda para receber e eu o recebi”. Portanto, o jeito é batalhar
e acreditar no sonho. “Siga seu coração que o sonho é a chave de tudo”.
Rubens Francisco
Lucchetti (As Sete Vampiras) – Roteiro
1 – Qual foi a base
do roteiro desse filme?
‘As Sete Vampiras’ nasceu como balé em 1971. O José Mojica
Marins pretendia abrir uma boate do terror, em São Paulo, nos moldes do
grand-guignol. Tinha até o local: confluências das avenidas Paulista e
Angélica. Seria uma caverna, com estalactites pendendo de um teto desigual,
decorada com teias de aranha, aranhas e morcegos; iluminada por archotes presos
às paredes. Mesas e cadeiras imitando ossos humanos, alguns carunchados. As
bebidas teriam coloração avermelhada e servidas em crâneos por sedutoras
garçonetes vestidas à caráter, como vampiras (jovens muito brancas de plástica
impecável e de longos cabelos negros caindo-lhes por sobre os ombros nus). A
bilheteria no saguão da “caverna”, seria um buraco aberto na parede e a bilheteria,
igualmente uma vampira. O ingresso recebido à porta por um “Drácula” que, ao
invés de rasga-lo, jogaria-o no interior de um fogareiro. Cheguei a escrever
todo o roteiro do que seria o primeiro espetáculo. Além do balé “As Sete
Vampiras”, um humorista cadaverizado, andaria pela plateia e contaria piadas de
humor negro, algumas até encenadas. Um dos esquetes que ainda me recordo referia-se
a um grupo de alienados que assumiriam o controle do manicômio. Uma das
funcionárias do manicômio, grávida de uns oito meses, seria amarrada à uma
cadeira e um dos loucos, armado com uma longa espada, tranpassaria-lhe o
ventre, e então, ouviria-se o grito do feto. Também haveria teatro. A primeira
peça a ser encenada a adaptação de “O Coração Revelador”, de Edgar Allan Poe.
Contávamos com uma excelente aparelhagem de som e o sonoplasta, um amigo meu
que já havia colaborado com o Centro Experimental de Cinema de Ribeirão Preto.
Tinha tudo para dar certo e ser um sucesso. Até hoje o Mojica não me disse
porque o projeto não evoluiu.
Quanto terminamos ‘O Segredo da Múmia’, o Ivan Cardoso queria uma ideia para o nosso próximo filme.
Falei-lhe de ‘As Sete Vampiras’. Ele gostou do título e aprovou-o na hora. Como
se tratava de um balé, tive de imaginar toda uma trama e a escrevi como se
estivesse escrevendo uma novela para as revistas nas quais colaborei: ‘Policial
em Revista’ e ‘X-9’, mas com os olhos voltados para as produções de Hollywood,
dos anos de 1950.
2 – Quais foram as
dificuldades encontradas?
A principal dificuldade para a realização de ‘As Sete
Vampiras’ foi a falta de recursos financeiros. O Ivan trabalhou com uma verba
exígua e isso impossibilitou-o de filmar o meu roteiro da forma como o escrevi.
Por isso o filme está meio ininteligível. Também culpo a montagem.
3 – Além de escrever
roteiros para filmes de terror, você também já trabalhou com roteiros de
histórias em quadrinhos. Houve preocupação da sua parte em saber como utilizar
a linguagem dos quadrinhos neste filme?
Tenho mais de trezentas histórias em quadrinhos que tiveram
por base roteiros meus e desenhados pelos principais desenhistas brasileiros ou
aqui radicados. Não, não houve nenhuma preocupação em utilizar a linguagem dos
quadrinhos nesse filme. Mas devido eu ter lidado durante muitos anos com essa
arte, ela está incorporada naquilo que escrevo. E, como antes dos quadrinhos
trabalhei em rádio, escrevendo seriados, e ainda, simultaneamente escrevia
contos e novelas para revistas pulps, acabei por assimilar suas linguagens que
são correlatas porque todas trabalham com a imagem e hoje não seu mais
desassociar uma das outras. Minha cabeça está repleta de imagens – quadrinhos é
imagem, rádio é a imagem transformada em som e nas pulps o que prevaleciam eram
boas histórias que possibilitassem a criação de boas cenas (imagens).
4 – De que forma a
sua experiência com gibis de terror foi útil na produção do roteiro?
Nem tanto os gibis de terror, mas os quadrinhos em si. Como
eu disse na resposta anterior, querendo ou não a gente acaba por agregar ao trabalho que executamos o
nosso universo e o meu universo foram os seriados de cinema e os de rádio, as
histórias em quadrinhos (mais os jornalzinhos: ‘O Globo Juvenil’, ‘Suplemento
Juvenil’ e ‘A Gazetinha’ e os comic books: ‘Mirim’ e ‘Gibi’, ambos tri-semanais
que publicavam as histórias que saíam em tiras de jornais. Nunca gostei dos
gibis mensais que publicavam histórias completas, geralmente de super-heróis. E
eu não gosto de super-heróis).
5 – Nesse filme, há
várias cenas em que o personagem ‘Raimundo Marlou’, o detetive particular, está
lendo gibis de aventura policial (“X-9”, “Detective” e “Sherlock Homes”). Estes
gibis serviram de inspiração para a criação deste personagem? Como surgiu essa
ideia?
‘X-9’, ‘Detective’ e ‘Policial em Revista’ que Raimundo
Marlou está lendo são revistas pulps que foram muito populares nos anos 40, 50
e 60, e a ‘Sherlock Holmes’ é uma revista de histórias em quadrinhos. Sempre procurei
nos meus roteiros fazer referências e homenagens a tudo quanto me influenciou e
que formam o meu universo.
O personagem Raimundo Marlou é uma homenagem a Raymond
Chandler, um dos expoentes máximo da moderna literatura policial, criador do
detetive Phillip Marlow. Chandler começou sua carreira de escritor na Black
Mask, que era a principal revisa pulp de detetive & mistério dos Estados
Unidos e Sherlock Holmes, o primeiro detetive consultivo do mundo.
Mas além dessas homenagens, faço outras mais, como o
‘Fantasma da Ópera’, de Gaston Leroux e ao filme ‘Sangue de Pantera’, autêntica
obra-prima produzida por aquele que considero um dos maiores produtores que o
cinema já teve: Val Lewton. Ele produziu (com orçamento reduzido, utilizando sobras
de cenários de outros filmes), 11 filmes para a RKO no início dos anos 40, nove
deles, compõe, como disse sabiamente o crítico Carlos Fonseca: “a mais extraordinária
coleção de horror da história do cinema”. Cada vez me convenço mais de que ele
é o Edgar Allan Poe do Cinema, pois foi quem melhor soube retratar o medo nas
telas cinematográficas. Em ‘As Sete Vampiras’ homenageio Val Lewton, em
particular no filme ‘Sangue de Pantera’, dirigido por Jacques Tourner, na
sequência da piscina que o Ivan soube recompor de forma admirável.
6 – Como você enxerga
a relação entre cinema e quadrinhos no Brasil?
Sinceramente, o que eu tenho visto são filmes usando
personagens de quadrinhos. Talvez o filme que tenha se aproximado mais da
linguagem dos quadrinhos foi ‘Cidade Oculta’, de Chico Botelho. O Chico Botelho
conseguiu recriar toda a atmosfera sufocante de ‘The Spirit’, de Will Eisner. E
isso, não acontece unicamente com o nosso cinema. Acontece também com o cinema
dos outros países.
Mas, se até hoje o cinema não teve uma fiel transposição da
linguagem dos quadrinhos, o mesmo não se pode dizer da televisão. Nela, vamos
encontrar um exemplo notável: o ‘Chaves’. Nessa série, temos cenários,
situações e personagens típicos dos quadrinhos.
7 – Tendo em vista
sua experiência no roteiro deste filme, como você enxerga o potencial do cinema
para adaptar a linguagem dos quadrinhos em geral?
As duas artes nasceram praticamente juntas. O que ambas têm
em comum é que contam uma história por meio de imagens em movimento (no
quadrinho este é sugerida). Só nisso é que se igualam. Nos quadrinhos os cortes
espaço e tempo são muito mais bruscos do que no cinema. O leitor vai ter que
criar em sua mente as ações que estão faltando entre um quadro e outro. Mas
como o cinema é uma arte que congrega todas as demais artes, ele pode ser valer
também dos quadrinhos.
8 – Me parece que
depois de ‘As Sete Vampiras’, era para ter sido feito ‘Naiara, a Filha de
Drácula’. Isso está correto?
É isso mesmo. Você não pode imaginar o meu entusiasmo quando
o Ivan me ligou dizendo que estava pensando em fazer outro filme de vampiro,
mais precisamente ‘Naiara, a Filha de Drácula’ (Naiara é uma personagem
brasileira das histórias em quadrinhos dos anos de 1960, desenhada pelo Nico
Rosso), e pediu-me para que fosse ao Rio, queria mostrar-me dois castelos, um
na estrada Rio-Petrópolis e outro em Itaipava. Eu já tinha a história mais ou
menos pronta quando encontrei-me com ele. Na verdade , foi toda imaginada
durante a viagem de Ribeirão Preto ao Rio, feita de ônibus.
Trata-se de uma jovem brasileira, filha de uma cigana de
origem romena que havia sido engravidada pelo Drácula. Os pais fugiram para o
Brasil, onde a criança nasceu e fora deixada na porta de um orfanato com uma
fortuna em ouro. A criança tornou-se uma linda jovem de fina educação, mas com
uma fixação pelo Drácula, e chegava a sonhar com ele. Na verdade Drácula
comunicava-se telepaticamente com ela. Por ocasião do seu casamento, ela
recebeu do marido, como presente de viagem de núpcias, uma viagem ao castelo de
Drácula. Coincidentemente, uma agência de turismo estava organizando uma
excursão à Transilvânia...
9 – E você iria
necessitar de um castelo...
Exatamente. Primeiramente viajamos à Itaipava. Porém, logo
descartei o castelo. Era de estilo francês, muito bonito e não infundiria o
mínimo terror (era até romântico). Na volta ao Rio, entramos numa estrada
secundária a fim de ver o segundo. A estrada era toda assinalada por árvores
com galhos desfolhados e estava iluminada por um sol de inverno.
De repente nos deparamos com o castelo, um edifício
majestoso e espectral, todo cinza; e uma neblina começava a descer sobre a
paisagem, parecendo querer saudar-me com uma visão escocesa. Em pouco tempo,
todo o castelo estava envolvido por ela, (era como se a neblina quisesse
abraça-lo), e suas torres, em poucos segundos tornaram-se totalmente
invisíveis. O próprio edifício, uma massa fantástica fora tomado pela neblina
convulsiva. Era um espetáculo encantador para mim que, pela primeira vez,
estava diante de um castelo; mas certamente infundiria pavor numa pessoa
influenciável. Foi uma viagem fantástica e inesquecível. Mas infelizmente o
filme não chegou a ser feito, embora o roteiro se encontre pronto desde 1988;
em seu lugar, o Ivan fez ‘O Escorpião Escarlate’.
Rubens Francisco
Lucchetti (O Escorpião Escarlate) – Roteiro
10 – Como surgiu a
ideia do filme?
Em três meses escrevi o roteiro de ‘Naiara, a Filha de
Drácula’. Mas quando foi feita a análise técnica do roteiro, constatou-se que a
verba que o Ivan dispunha não dava para produzi-lo. Fiquei, então, de sugerir
ao Ivan um novo projeto. Me lembrei de ‘O Escorpião Escarlate’, um seriado
radiofônico que eu escrevi em 1956. Falei sobre ele com o Ivan. O Ivan gostou
do título e do argumento.
11 – Qual foi a base
do roteiro para este filme?
A base para a feitura do roteiro foi todo ele inspirado no
‘Escorpião Escarlate’. A única diferença é que, ao invés do detetive Reginaldo
Varela, personagem do seriado de rádio, eu o substitui por um personagem
misterioso que age nas sombras, o Morcego.
12 – Quais foram as
dificuldades encontradas?
A principal dificuldade foi a falta de recursos financeiros.
O Ivan sempre trabalhou com orçamentos reduzidos e cada uma de suas produções levava em média dois anos ou mais para ser
concluída. Isso em cinema é uma loucura! Mas uma loucura que era sempre
recompensada com o reconhecimento da crítica e do público.
13 – As histórias dos
personagens “Anjo” e “Escorpião Escarlate” foram criadas originalmente por
Álvaro Aguiar para uma novela radiofônica e posteriormente foram adaptadas os
gibis pelo quadrinista Flávio Colin. Eles participaram/colaboraram para a
realização do filme?
Na primeira versão do roteiro do filme ‘O Escorpião
Escarlate’, como eu disse, havia um personagem misterioso, o Morcego, alter ego
de o Sombra que infelizmente o Ivan Cardoso não o aceitou e impingiu-me o Anjo,
um herói sem nenhuma empatia – com o agravante de estar cercado por muitos
homens – frustrando-me totalmente, uma vez que eu fiquei privado de homenagear
o maior herói das pulps – e que originou todos os demais heróis – dos
quadrinhos, dos seriados de rádio e do cinema, do século passado. Era minha
intensão, com o ‘Escorpião Escarlate’, homenagear todos os vilões mascarados do
cinema – cuja identidade só era conhecida no final do último capítulo. E com o
Morcego, homenagear todos os heróis mascarados. Tive brigas homéricas com o
Ivan, tentando impor meu ponto-de-vista. Mas o Ivan foi renitente e quis por
quis, o Anjo. Então, era isso ou nada.
“As Aventuras do Anjo” foi um popular seriado radiofônico
apresentado pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, entre 1948 e 1967. Criado
por Péricles Leal, o Anjo alcançou maior sucesso ao ser escrito e dirigido –
ainda em 1948 – por Álvaro Aguiar que desde o inicio da série foi também seu
autor principal. Aguiar faria no filme o papel de ensaiador dos radiatores, se
a morte não o houvesse surpreendido em 1988, aos 69 anos, meses antes do inicio
das filmagens.
O Anjo teve uma revista de histórias em quadrinhos escrita pelo
próprio Álvaro Aguiar e teve três desenhistas: Juarez Odilon, Walmir Amaral,
mas quem mais a desenhou foi o Flávio Collin.
14 – Na realização do
filme, houve alguma preocupação em utilizar a linguagem e o formato das
radionovelas e das histórias em quadrinhos?
No meu roteiro procurei evidenciar a linguagem radiofônico
na visualização de como se produzia uma radionovela que, infelizmente, o Ivan
não teve condições de retratar no filme da forma como a concebi.
15 – Na sua opinião,
existe alguma relação entre as radionovelas e os gibis? Se sim, isso de alguma
forma contribuiu para a produção do filme?
Se formos analisar, eu acho que até existe. Nos quadrinhos
temos os “balões” com os diálogos e o cenário desenhado; na radionovela temos o
diálogo e o cenário sugerido pelo som, produzido pelo sonoplasta e pelo
contrarregra.
No meu roteiro
procurei mostrar através da metalinguagem, a história sob os vários
pontos-de-vista: o do autor, o das personagens e dos rádio ouvintes. O rádio
tinha a seu favor aquilo que se apregoava como desvantagem: a falta da imagem.
O som desenvolve nossa imaginação. Por intermédio do som, cada pessoa cria uma
imagem de acordo com sua capacidade intelectual. O rádio era a extensão da
imaginação. Foi isso que eu quis mostrar no meu roteiro.
16 – Qual foi a
reação do autor ao saber que sua obra seria adaptada para o cinema?
O Álvaro Aguiar teve a satisfação de saber que seu
personagem estaria num filme. Fui testemunha disso, quando, juntamente com o
Ivan fizemos-lhe uma visita. O Álvaro morava numa casa modesta, no bairro de
São Cristóvão. Infelizmente, ele não chegou a vê-lo. Os últimos anos de vida do
Álvaro Aguiar foram melancólicos: atuava nos programas humorísticos da TV
Globo.