O
BANDIDO
R.
F. Lucchetti
Olhou
pela janela e estremeceu. Quem seria aquele cavaleiro que se aproximava vindo
pela estrada? Não gostava de ficar sozinha, e Gennaro demoraria para chegar.
Ela fechou a janela nervosamente, caminhou até a porta, escutou o tropel do
cavalo que chegava e, em seguida, ouviu quando o cavaleiro desmontava. Meu
Deus, o que quererá ele? Talvez soubesse que Gennaro não estava... Seus
pensamentos foram cortados por fortes pancadas na porta. Ela sentiu que suas
pernas bambeavam. Novas pancadas. Fez o Sinal da Cruz e abriu a porta
timidamente.
– Gennaro? – Perguntou o homenzarrão à sua frente, segurando um rifle.
– Ge... Gen... naro não está – mal ela pôde murmurar.
– Espero.
– O senhor precisa mesmo falar com ele?
– Preciso. Meu negócio é com ele mesmo – falou o homem secamente, dando as
costas para a mulher e afastando-se.
A mulher ficou parada na porta. Queria chamar o cavaleiro, mas sua voz não
saía. Estava trêmula. Aquele homem que procurava pelo seu marido era o temível
bandido Rufino. E o que iria ele querer com Gennaro? Para que aquele rifle?
Rufino atravessou o terreno diante da casa e foi sentar-se à sombra de uma
árvore, enquanto sua montaria pastava.
Ela encostou-se à porta. Não teve forças e nem vontade de trancá-la com o
ferrolho. Ai, meu Deus! Que faria? Poderia ela fazer para salvar o seu amado
Gennaro? Ela sempre lhe falava que não gostava de ficar sozinha, pedia para que
ele a levasse... De repente, sua mente iluminou-se. Não teria sido a divina
providência que a fizera ficar em casa? E se aquele bandido tivesse chegado e
não houvesse encontrado ninguém? Ficaria de tocaia; e quando Gennaro
voltasse... Pimba! Uma bala bem no coração! Mas ela estava ali, poderia fazer
alguma coisa... Abriu lentamente a porta e através da fresta olhou o homem. Lá
estava ele, recostado ao tronco da árvore, segurando o rifle entre as pernas.
Ela fechou a porta com o mesmo cuidado com que a abrira. Não queria que o homem
a visse espionando. Enquanto isso, no seu cérebro começava a germinar uma
idéia... Caminhou até o quarto. Abriu a porta do guarda-roupa e olhou-se no
espelho. Deu meia-volta, levantou a saia até acima dos joelhos e puxou-a com
uma das mãos para trás, tornando-a justa. Com a mão livre, desabotoou o
primeiro botão da blusa e puxou o cabelo para trás. Fez pose. Até que não era
nada má. O ano e meio em que estava casada com Gennaro não lhe deformara em
nada o corpo, como acontecera com a maioria das suas amigas.
Imediatamente, ela arrancou o vestido, tirou suas roupas íntimas, jogando tudo
dentro de uma gaveta. Em seguida, abriu outra gaveta; e, do fundo, tirou
cuidadosamente um embrulho de papel brilhante. Sorriu, enquanto o abria. Em sua
memória, viera-lhe as imagens da sua primeira noite de casada, lá naquele
hotelzinho de Florença. E, naquele embrulho, estava exatamente o vestido que
usara na sua viagem de núpcias. Guardara-o, pensando um dia usá-lo novamente,
quando fivesse uma viagem com Gennaro. Então, ao lembrar-se do bandido lá fora
com o rifle, voltou toda a sua agitação. Não podia ficar ali parda, perdendo-se
em seus pensamentos, enquanto o bandido esperava a volta de Gennaro. Vestiu
rapidamente a calcinha, calçou as meias e colocou o ousado sutiã, modelo tomara-que-caia.
Depois, chegou a vez do vestido. Ele era tão justo que mal conseguiu abotoá-lo.
Olhou-se no espelho. Estava tudo bem, mas esquecera-se do cabelo. Alisou-o e
deixou-o solto, caindo em forma de cascata pelos ombros. Gennaro dissera-lhe
certa vez que cabelo solto é mais provocativo e sensual, e Gennaro entendia
dessas coisas.
Uma vez mais mirou-se no espelho. Achou-se sedutora. Todas as vezes que ia à
cidade, mesmo estando com Gennaro, percebia os olhares cobiçosos dos homens e
os de inveja das mulheres. Perfumou-se e já ia saindo, quando lembrou-se de
alguma coisa: “Estava esquecendo o principal”, pensou Voltou para o
quarto, ajeitou a colcha sobre a cama e retirou do interior do guarda-roupa
dois travesseiros, colocando-os na cabeceira, tudo muito bem arrumadinho. Ia
saindo, quando tornou a voltar. Apanhou um vidro de perfume, que estava sobre a
penteadeira e esborrifou-o no ar. Em seguida, saiu. Dessa vez saiu mesmo. Foi
até a cozinha. Apanhou uma caneca. A meio caminho, parou, olhou-a. Aquela não!
Era a caneca do Gennaro. Guardou-a e pegou outra. Não custava nada tomar certas
medidas higiênicas...
Só depois de se certificar de que tudo estava convenientemente arrumado, foi
até a porta da rua, abriu uma pequena fresta e através dela olhou para fora.
Rufino estava sentado no mesmo lugar, olhando o interior do cano do rifle. “Talvez
ache que possa estar entupido e que a bala não saia”, ela pensou. Novo
estremecimento, e as pernas bambearam outra vez. Olhou para o relógio: quatro
horas da tarde. Gennaro deveria voltar lá pelas oito ou nove horas da noite.
Mas as horas passam depressa, e ela não poderia saber quanto tempo ele levaria
para... Gennaro era ligeiro, não perdia muito tempo com essas coisas.
Entretanto, muitas das suas amigas falavam que seus maridos levavam até mais de
hora. E também havia a possibilidade de Rufino ser como o marido da Sofia, que
nunca se contentava somente com uma.
Fez “psiu”. Rufino não tomou conhecimento. Ou será que não ouviu? Ela
deu um passo além da porta e fez de novo “psiu”. Dessa vez o bandido
levantou a cabeça e olhou na direção dela. Afirmou bem a vista. Ela estava
diferente agora. Ele levantou-se e veio na sua direção, segurando firmemente o
rifle.
– Achei que o senhor gostaria de comer alguma coisa – disse ela timidamente.
Ele nada respondeu. Entrou. Ela o seguiu e teve o cuidado de trancar a porta
com o ferrolho. Ao passar pela porta do quarto, Rufino olhou para dentro,
sentiu o perfume e viu também os dois travesseiros arrumados cuidadosamente na
cabeceira da cama. Ela fez um esforço tremendo para não desmaiar. Conduziu-o
até a cozinha.
Rufino sentou numa cadeira, colocando o rifle encostado à mesa. A mulher
despejou vinho na caneca e cortou uma fatia de queijo. Tudo isso foi feito de
modo que ela ficasse debruçada sobre a mesa, permitindo que o homem visse
parcialmente – através do decote do vestido – seus seios opulentos. Ela sorriu
ingenuamente, derrubando de propósito uma faca no chão. Ao abaixar-se para
apanhá-la, a saia subiu, deixando suas coxas à mostra. Rufino engasgou-se com o
vinho. O homem começou a suar e desabotoou a jaqueta de couro. Bebeu de um só
gole todo o vinho da caneca.
Ela encheu-a de novo. Ele bebeu. Ela encheu-a uma
vez mais. Ele bebeu novamente. A operação repetiu-se tantas vezes que a mulher
perdeu a conta de quantas canecas de vinho ele bebera. Enquanto isso, ela
falava, falava, falava sem parar, a fim de esconder o seu nervosismo. E o homem
engolindo-a com os olhos.
– O senhor ainda não comeu nenhum pedaço de queijo.
Foi um ardil que ela usou para aproximar-se dele e entregar-lhe o queijo,
fazendo com que sua mão roçasse na do homem.
Rufino agiu como que impulsionado por uma mola. Segurou-lhe a mão e puxou a
mulher para si, estreitando seu corpo contra o dela e beijando-a com ardor.
As mãos dele seguraram o decote do vestido. Ela ouviu o ruído do tecido se
rasgando. A princípio, sentira repugnância por aquele homem; agora, sentia uma
sensação estranha. Esquecera até mesmo quem ele era e a razão que o trouxera
ali. Queria mesmo entregar-se a ele. Ser possuída por um macho abrutalhado. Até
facilitou-lhe a tarefa de ele tirar-lhe o vestido, que foi atirado longe. O
sutiã atrapalhava as manobras de Rufino; e foi ela mesma que o tirou
freneticamente, enquanto oferecia-lhe os lábios para serem esmagados pela boca
umedecida de vinho.
Sem saber como, estavam rolando na cama. Os corpos fortemente unidos. Ela
jamais sentira um prazer tão arrebatador como o que estava sentindo. Rufino era
diferente de Gennaro, que nunca fizera aquelas coisas com ela. Gennaro era
muito formal: primeiro, as rezas; depois, deitavam-se; e tudo era feito às
escuras, debaixo das cobertas. Mas nunca se queixara, porque nunca havia
experimentado de outra maneira. Agora, com Rufino, tudo era muito diferente.
Pela primeira vez, sentia-se mulher; e, pela primeira vez, estava conhecendo um
verdadeiro homem. Ficaram entrelaçados por longo tempo. Quando começaram; ela
podia vê-lo por inteiro; agora, mal vislumbrava seu rosto. Olhou para a janelam
estava começando a escurecer.
– Deve ser tarde – murmurou.
Rufino acendeu um cigarro, sentou na cama e falou:
– Melhor eu ir.
Ela sentiu-se aliviada. Ele não iria esperar mais por Gennaro. Então, coisa
estranha: ela sentiu um vazio. E sua voz saiu em um tom de um quase lamento:
– Vai mesmo...?
Ele não respondeu. Vestiu-se e foi para a cozinha. Ela vestiu um penhoar sobre
o corpo nu e o seguiu.
Na cozinha, Rufino apanhou o rifle, que ainda estava encostado à mesa, e
estendeu-o para ela, dizendo:
– Entregue para o Gennaro. É o rifle que ele me emprestou.
Foi como uma bomba explodindo no cérebro da mulher. Então, era aquele o motivo
da visita? Ele apenas queria devolver o rifle? Então era isso?
Rufino olhava-a, com uma expressão de curiosidade, porque ela ria
histericamente.
De repente, a mulher atirou-se contra o homem e, com fúria selvagem, começou a
socar-lhe o peito.
Ele deixou-a socá-lo. E, aos poucos, a mulher foi se acalmando, até que ergueu
a cabeça e ofereceu-lhe os lábios. Enquanto os dois se beijavam, as mãos do
homem arrancaram com brutalidade o penhoar e empurraram a mulher de encontro à
mesa...
Quando terminaram, já era noite fechada. Ela acendeu o lampião e falou:
– Na semana que vem, Gennaro tem de viajar novamente...
Rufino apanhou o rifle e começou a caminhar para a porta.
– Não vai deixar o rifle? – Indagou ela.
– Não. Na semana que vem, eu volto para devolvê-lo...