Silvio
Tendler
Cineasta
De quem
foi a ideia de filmar O Mundo Mágico dos Trapalhões? Como surgiu a
oportunidade de realizar esse documentário?
Eu sou professor da PUC há trinta e
seis anos. Em 1980, terminei o filme Os Anos JK. Nessa época, o Paulo
Aragão Neto, filho do Renato Aragão, era meu aluno e se dava muito bem
comigo. A gente conversava muito, muito mesmo. E Os Anos JK foi
um grande sucesso de crítica e público. E um dia o Paulinho chegou para
mim e me perguntou se eu toparia fazer um documentário sobre Os Trapalhões.
Falei: “Claro. Eu adoro eles. Acho eles grandes comediantes e acho que dá um
puta filme, vamos fazer.” Ele falou com o pai, o pai adorou a ideia.
Nós nos encontramos; e, daí, nasceu O Mundo Mágico dos Trapalhões. Ele
foi realizado para comemorar os quinze anos da trajetória dos Trapalhões.
Essa é a história.
O filme mostra
aspectos da vida pessoal e profissional de cada um dos integrantes do quarteto.
São discutidas questões como a importância do sucesso, assédio dos fãs, racismo
e a rentabilidade dos filmes. Quais as suas recordações desse trabalho?
Foi muito bom ter feito esse filme,
foi muito bom ter convivido com eles na vida pessoal, saber as diferenças de
cada um, saber os pontos parecidos. As minhas recordações são muito engraçadas
e muito boas. A gente foi junto aos Estados Unidos. Eles estavam fazendo,
naquela época, Os Saltimbancos Trapalhões e foram filmar na Universal. E
eu fui junto com eles. Gostei muito de ter feito esse filme e tenho muita
saudade dele. Antes, eu tinha feito Os Anos JK, um filme legal, mas
sobre o mundo da política... Já O Mundo Mágico dos Trapalhões me
levou para o mundo do show business.
Os
Trapalhões o deixaram livre para filmar ou davam opiniões
e pediam para ver os depoimentos?
Eles me deixavam solto para filmar,
não tinha nenhum problema. Só no final é que eles ficaram com medo do filme, do
resultado comercial. Aí, o Dedé ia pra moviola e ficava lá comigo. E o filme
foi a maior bilheteria do cinema-documentário brasileiro de todos os tempos.
Então, acho que agradou a todo mundo.
Até hoje,
é a maior bilheteria da história do documentário brasileiro, com um milhão e 700
mil espectadores. A que se deve isso?
Porque foram Os Trapalhões. Eu
sou muito sincero: essa bilheteria não é minha, é deles. Eles atraíam, num
filme não-documentário de quatro a cinco milhões de espectadores. É normal que
num documentário se desse um pouco menos de público; mas, ainda assim, deu a
maior bilheteria de um documentário brasileiro: um milhão e setecentos mil.
Ir atrás
de depoimentos de Millôr Fernandes, Caetano Veloso, entre outros intelectuais foi
a forma encontrada para dizer que o humor deles agradava também a inteligência?
Sim, sim, queria legitimar Os
Trapalhões. E aí eu entrevistei o Millôr e o Caetano. E o Caetano até canta
a musiquinha dos Trapalhões. Foi muito lindo, foi muito lindo. Mas foi
exatamente para mostrar que Os Trapalhões eram mais importantes do que a
crítica dizia. A crítica era muito preconceituosa... como ainda é até hoje.
Antes de
produzir esse documentário, você assistia e acompanhava os filmes que eles
produziam?
Olha, quando tinha vinte anos de
idade, eu saí do Brasil. Morei seis anos fora e, quando retornei, não
acompanhei muito o cinema. Além disso, já não era mais criança e não tinha
filhos. Portanto, não assistia aos filmes dos Trapalhões. Mas, aos domingos,
às sete horas da noite, eu não perdia o programa deles na televisão. Achava
eles muito engraçados e gostava muito do humor deles. Então, fazer um filme com
e sobre eles é uma consequência natural.
Por que a
narração do documentário foi feita pelo comediante Chico Anysio?
Foi uma sacada minha dentro do mesmo
princípio de colocar o Millôr e o Caetano. Eu quis colocar o então maior
humorista da televisão brasileira, o que tinha o maior prestígio para narrar o
filme. Escolhi, então, o Chico Anysio, que aceitou fazer com o maior prazer.
Ele era muito amigo do Renato, respeitava muito o Renato e topou fazer numa
boa.
Segundo o
documentário, a distribuidora 20th Century Fox Films inseriu muito estrategicamente
no Brasil o filme Hardly Working (1981), protagonizado por Jerry Lewis,
com o título Um Trapalhão Mandando Brasa, fazendo assim uma alusão ao
quarteto e pegando gancho no sucesso dos Trapalhões. Onde conseguiu essa
informação?
Para ser franco, não me lembro. Não me
lembro de onde saiu essa informação. Você está fazendo perguntas referentes a
um trabalho do ano de 1981.
Imagens do
primeiro programa Os Trapalhões na TV Globo são exibidas no
documentário. O curioso é que aparece uma legenda dizendo equivocadamente que esse
primeiro programa na emissora foi exibido em 1976, quando, na verdade, se sabe
que foi em 1977. O grupo foi contratado no final de 1976 e dois especiais foram
produzidos e exibidos no início de 1977: um em 7 de janeiro e outro em 5 de
fevereiro. Após isso, o quarteto estrearia na Globo em 13 de março de 1977. Esse
erro foi uma distração? Observou isso?
Nenhum de nós cometeu nenhum pecado
mortal, apenas se enganou.
Como foi o
seu contato com o quarteto (Didi, Dedé, Mussum e Zacarias)?
Foi muito boa. Eu tinha uma relação
muito boa com eles. O Renato Aragão era dono da Granja Comary, onde a seleção
brasileira treina até hoje. Passei vários finais de semana lá. Visitei a casa
do Dedé, visitei a casa do Mussum e a do Zacarias. Cada um com suas
características. O Dedé tinha um quarto que parecia quarto de motel. O Mussum
tinha um bar bem na sala. Então, foi bom chegar perto e brincar de desmontar o
brinquedo. Por falar em desmontar o brinquedo... A Flora Süssekind, professora
de Teoria do Teatro e pesquisadora da Casa Rui Barbosa, escreveu a melhor
crítica sobre o filme, porque os críticos preconceituosos, os famosos na
época... deram muito pau no filme. Eles estavam dando pau nos Trapalhões.
Eles não sabem rir de humor brasileiro, só sabem rir de humor estrangeiro. E a
Flora Süssekind fez uma crítica maravilhosa, dizendo que o filme é como uma criança
que desmonta o brinquedo para ver como ele funciona dentro. Eu achei muito
legal, porque, quando criança eu fiz isto: desmontei um relógio para ver como
que era por dentro... e, é claro, nunca mais consegui remontá-lo. E Os
Trapalhões eu desmontei para ver como é que funcionava e depois remontei...
Então, valeu a pena ter feito o filme e conhecer de perto esse grupo.
Quem era o
maior comediante do grupo?
O grupo não tem maior comediante.
Como
classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Como é que eu classifico? Ora, como
Comédia. Comédia para criança curtir. Eles têm todo aquele jogo de cena que é
pensado para criançada. Não é filme para adulto, ainda que os adultos riam
também. Na verdade, num país que tem muito pouco filme infantil, você tem um
grupo de sucesso que duas vezes por ano fazia dois longas-metragens e levava
mais de cinco milhões de espectadores aos cinemas... isso é algo para se louvar
no Brasil.
Os
Trapalhões sempre “brincaram” em parodiar filmes e
clássicos estrangeiros de sucesso para o cinema. Que pensa a respeito dessa
linha que eles seguiram?
Eu acho que o grupo não tinha o
maior/melhor comediante. Porque todos eles cumpriam uma função de trupe. Eles
tinham esse comportamento de trupe, como os Irmãos Marx, Os Três Patetas.
Então, Os Trapalhões eram isso: humor de grupo. O Renato Aragão era o
chefe da trupe; o Dedé, o “escada”; o Zacarias...
O
Zacarias?
O Zacarias era, digamos, o gay;
e o Mussum, o negro, né? Então, eles tinham um papel. Agora, a cabeça do grupo,
o empresário, o cara que organizava tudo e produzia os filmes, que pensava os
filmes e os temas era o Renato Aragão.
A batuta
estava na mão do Renato?
A batuta, quem pensava os filmes era o
Renato Aragão e muito caco no meio das filmagens. Eles faziam os filmes e no
meio dos filmes ele mexia, invertia, trocava, criava piadas e situações durante
as filmagens e improvisava.
Gostaria
que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha
presenciado como testemunha ocular.
A cena mais surrealista que eu vivi
com eles foi quando fui viajar com Os Trapalhões. Foi quando viajamos
para os Estados Unidos. Nós fomos de primeira classe. Voltamos no fim das férias,
e não tinha mais lugar na primeira classe. Então, tivemos que voltar na
econômica com mais de cento e tantas crianças que voltavam da Disney. Aí, você
pode imaginar o que era para aquelas crianças a surpresa de ver no mesmo voo Os
Trapalhões. Elas, naturalmente, os confundiam com os personagens e faziam
certas brincadeiras, o que acabou causando certo desconforto no quarteto.