A atriz Irma Alvarez para além “das certinhas
do Lalau”
Rejane Kasting Arruda
Irma Alvarez, atriz radicada no Brasil (nasceu na
Argentina), faleceu com 73 anos em 2007. Viveu no Rio de Janeiro e atuou no Teatro
de Revista de Walter Pinto. Foi vedete de Carlos Machado até o final dos 50 quando
começou a atuar no cinema. Primeira atriz a protagonizar uma fotonovela
brasileira, Irma assumia uma atitude libertária nos tempos onde desfilar de
biquine no Copacabana Palace causava realmente furor – assim como raspar a
cabeça para um filme (“Cavalo de Oxumé”, filme inconcluso de Ruy Guerra). De
certa forma, ela gozava do glamour e uma das referências recorrentes é que
figurou na lista “As certinhas do Lalau” – com a qual o escritor Sérgio Porto
circunscrevia os padrões de beleza.
Mas o que me espanta é que não se encontra estudo algum
sobre o seu estilo de atuação. Se o primeiro filme foi “Brasiliana” (Carlos
Machado, 1957) e, ainda, se atuou na comédia "Massagista de Madame"
(Victor Lima, 1959) foi o filme “Porto das Caixas” (Paulo Cesar Saraceni, 1962)
que lhe rendeu prêmios e abriu o caminho para uma carreira interessante – com cerca
de 30 filmes, passando pelas chanchadas, pelo Cinema Novo e o Marginal[1].
O que quero apontar é a perspectivas de uma atriz passar
por várias poéticas e dentre tantas possibilidades construir um trabalho no
cinema, deixando um legado que é mais do que a memória de sua beleza ou
carisma. Afinal o que é o “trabalho” de uma atriz? Que tipo de elaboração ela
está construindo quando se vê parada, com os olhos fixos, sustentando o tempo
em um plano, com a pele ouriçada e os olhos em fogo antes de repetir “Não sou
de ninguém” – como podemos ver Irma em “Porto das Caixas”? Um trabalho que
causou polêmica não porque Irma estava de biquine ou raspou os cabelos. Mas pelo
impacto de uma poética fílmica que encontra lugar inclusive no discurso crítico
– trabalhado a partir das questões políticas que permeavam aquela época.
Quando vi a atuação de Irma em “Porto das Caixas” o que saltou
aos olhos foi a estaticidade, capacidade de sustentar o tempo e soltar uma fala
monocórdica – registro de atuação profundamente implicado na atmosfera das
cenas. O jeito tranquilo de caminhar, a maneira cortante de fixar o olhar, o
desprezo aos personagens masculinos e a repetição da demanda de um cúmplice
para o assassinato do marido. Sem ênfase, exagero, sem tintas fortes, aquilo
cai no vácuo e evoca a densidade. Sem o pudor do artificial, na contra mão do
realismo, Irma figura, de certa forma, a construção do que Craig preconizava
para as peças simbolistas de Maeterlinck onde o desenho estático construía o efeito
da ambiguidade.
Trata-se de coincidência com materiais de um projeto
simbolista defendido pelo principal opositor de Stanislavski? Será preciso
encontrar as veredas para a sustentação desta hipótese, descobrir se é a
questão da época que, por reverberar certas oposições e cruzamentos, permite, a posteriori, esta articulação, ou se, por
exemplo, há influência do existencialismo na obra de Saraceni com certa demanda
sobre os atores. Enfim, será preciso pesquisar o fato de principalmente Irma
(porque a atuação de Reginaldo Faria, por exemplo, está mais para a
formalização naturalista) implicar a força de um projeto de atuação que se
nomeou simbolista não por tratar-se de uma espécie de simbólica (do tipo “isto
quer dizer aquilo”), mas pelo objetivo de suscitar algo que se sobrepõe a
realidade (é espiritual) aos moldes de um drama estático de Pessoa. As
entrelinhas, ambíguas, introduzidas na “carne cênica” (ou no caso de “Porto das
Caixas”, na “carne fílmica”), como furúnculos, forçando-nos a encarar a
perspectiva de uma morte enunciada.
[1]
“O cinema
marginal tanto podia estar nos filmes eróticos da Boca do Lixo (SP), como nas
propostas estéticas de Ozualdo Candeias (A margem, 1967, Zezero,
1972); de Rogério Sganzerla (O bandido da Luz Vermelha, 1968, A
mulher de todos, 1969), e Júlio Bressane (O anjo nasceu, 1969, Matou
a família e foi ao cinema, 1969); nos projetos tropicalistas de Fernando
Coni Campos (Viagem ao fim do mundo, 1968) e de Iberê Cavalcanti (A
virgem prometida, 1967, Um sonho de vampiros, 1969); nas fitas de
terror de Mojica Marins (À meia-noite levarei tua alma, 1964); e na
metáfora política de Luiz Rozemberg (Jardim de espumas, 1970) e de Olney
São Paulo (Manhã cinzenta, 1969)” (JOSÉ,
Ângela. Cinema marginal, a estética do grotesco e a globalização da miséria.
ALCEU - v.8 - n.15 - p. 155 a 163 - jul./dez. 2007). Irma Alvzrez participou
dos filmes de Iberê Cavalcanti.