Maria
Gladys, Vida Loka
A vida de Maria Gladys não daria um filme. Já deu: o curta
"Maria Gladys, Uma Atriz Brasileira" (1979), de Normal Bengell, e o documentário "Vida" (2008),
de Paula Gaitán, última mulher de Glauber Rocha.
Documentários sobre a
vida de determinada pessoa costumam ser produzidos após a morte, Gladys quebrou
paradigmas, por quê?
A atriz, pouco conhecida
do grande público e sempre presa a papéis pequenos na televisão, presa também
em estereótipos, quase sempre é uma faxineira ou uma suburbana, é um dos
maiores nomes do cinema nacional. Dirigida por
diretores como Ruy Guerra, Neville D’Almeida, Domingos de Oliveira e Rogério
Sganzerla, ao lado de Helena Ignez, Maria Gladys é uma das musas eternas do
Cinema Marginal.
Foi mãe adolescente, dançou rock em programas de TV nos anos 60, quando namorou
o cantor Roberto Carlos (diz a lenda
que foi ela quem tirou a virgindade dele), fez teatro e participou do Cinema
Novo. Foi hippie, protestou contra a ditadura e exilou-se em Londres com os
amigos cineastas.
Lá, caiu de cabeça no
ácido. Estava em uma “república” com diversos artistas. Certa vez, para
comemorar o aniversário de Caetano Veloso, “indignada” com a caretice do cantor
e compositor baiano, resolveu, junto com outros amigos, fazer um bolo com uma
receita bem peculiar: na massa, maconha e ácido para Caetano sentir o barato
das drogas.
Caetano sempre foi
careta, Gladys queria dar a ele a oportunidade de conhecer o “prazer” da viagem
com as drogas. Montou o bolo e pensou: “e se ele passar mal e morrer?”. Abortou
a ideia e preparou um bolo convencional para o amigo. Essa história eu tive o
prazer de ouvir quando a conheci e nos encontramos em São Paulo... ela dá o tom
da sua “vida loka”.
Engravidou e voltou ao Brasil,
onde continuou atuando, não tanto quanto antes, em filmes. Estourou com a empregada Lucimar de
"Vale Tudo" (1988). “Fiz muita empregada e gosto muito mesmo das
empregadas que fiz”, diz a atriz, acostumada a interpretar mulheres simples e
determinadas. A paixão pela profissão não rendeu estabilidade financeira.
Gladys mora de aluguel, fecha as contas mensais com dificuldade e passou por
períodos difíceis. “Nem sempre tive trabalho, teve época em que fiquei em casa
só cuidando de filho. Sempre fui dura. Não tenho casa própria. A única coisa
que sustenta ator hoje é a televisão, ou uma peça que fique três anos em
cartaz”, disse.
Não há glamour!
Alegre, transgressora, boêmia e divertida. “Pô,
estava no hotel que você me indicou, cheguei cansada de viagem, fui relaxar e
fumar um baseado. Coloquei o pano na porta para não importunar ninguém e fiquei
fumando. Pouco tempo depois o porteiro me liga e fala: Dona Maria, por
gentileza, apague o cigarro, esse hotel é de família. Sabe que eu fiquei feliz?
É maneiro, o hotel é de família, fui lá e apaguei, se não pode, não pode, tudo
bem”.
Assim é Maria Gladys.
Rafael Spaca, radialista, autor do
blog Os Curtos Filmes (http://oscurtosfilmes.blogspot.com/).