ALGUMAS PALAVRAS A RESPEITO DE ONDE ESTÁ BLONDIE?
Rubens Francisco Lucchetti
Não sei
precisar o ano. Talvez tenha sido 2000 ou 2001. Só me recordo perfeitamente de
que, numa manhã, o editor Franco de Rosa me ligou e perguntou se eu conhecia o
trabalho do Milo Manara. Respondi que havia lido dois de seus álbuns: O
Clic e O Perfume do Invisível, lançados na década de 1980 pela
Martins Fontes. O Franco, então, falou que queria que eu escrevesse um roteiro
de uma história em quadrinhos semelhante às histórias do Manara, pois conhecera
um desenhista que tinha o mesmo estilo do quadrinhista italiano. Em seguida,
explicou que essa história em quadrinhos seria publicada num álbum de luxo e
deveria ser mais erótica e não tão pornográfica (não teria cenas de sexo
explícito) quanto o O Clic ou O Perfume do Invisível.
“Eu já tenho isso escrito!” Falei.
Por volta de 1983, escrevi, a pedido do diretor Jean Garrett, um argumento para
um filme, Onde Está Blondie?, que é uma mistura das histórias do
Manara com Jane Pouca Roupa (de origem inglesa, essa história em
quadrinhos, uma de minhas preferidas, foi publicada em nosso país no jornal A
Noite, do Rio de Janeiro, nos anos 1940 e 1950. Era protagonizada por uma
simpática lourinha que, pelas razões mais diversas e devido a acidentes
constantes, estava sempre se desnudando. Jane também usava roupas que mais
mostravam do que escondiam as belas curvas de seu corpo).
Infelizmente, por motivos que desconheço, o Jean não quis filmar Onde Está
Blondie?, preferindo realizar a fita Meu Homem, Meu Amante
(1984), baseada num livro meu; e o argumento ficou engavetado.
Em 1988, fui assistir em São Paulo, às filmagens de O Gato Botas (depois,
esse filme teria seu nome trocado para O Gato de Botas Extraterrestre),
cujo roteiro, baseado na história imortal do escritor francês Charles Perrault,
é de minha autoria.
Wilson Rodrigues, o produtor e diretor de O Gato de Botas, estava, na
época, muito bem financeiramente (sua empresa, a WR-Filmes, que distribuía
principalmente fitas pornográficas de procedência norte-americana e filmes
infantis, prosperava). Por isso, não poupou “dólares” à produção da
fita: pagou generosamente os atores; gastou uma pequena fortuna na maquiagem
especial do Gato (na verdade, essa maquiagem especial consistia em oito
máscaras adesivas, feitas por Burman Studios Inc., de Hollywood); e contratou
uma produtora estrangeira, Jane (infelizmente não me lembro do sobrenome dela),
uma cubana que trabalhava em Hollywood, para cuidar da produção executiva.
Devido à Jane, muitas pessoas ligadas à indústria cinematográfica
norte-americana assistiram às filmagens de O Gato de Botas. Conheci
algumas dessas pessoas; e conversei longamente com uma delas, mrs. Sofia
Agrama. Ela residia em Los Angeles; e seu marido era proprietário de um estúdio
de gravações em Hollywood, o que lhe possibilitava conhecer inúmeros atores,
produtores, diretores...
Durante nossa conversa (eu falava Português; e ela, um Espanhol estropiado), mrs.Agrama
mostrou-se simpática e interessada pelo meu trabalho de roteirista. E, no final
da conversa, pediu que eu lhe enviasse alguns argumentos meus, porque queria
mostrá-los a produtores e diretores com quem tinha mais amizade. Disse também
que algum desses argumentos poderia se transformar em filme. Informei-lhe que
todos os meus argumentos e roteiros estavam escritos em Português. Ela falou
que isso não tinha problema, já que em Hollywood existiam pessoas que entendiam
perfeitamente o Português.
No dia seguinte, retornei a Ribeirão Preto e, voltando a dedicar-me a meus freelances
(na época, escrevia livros sob encomenda para diversas editoras
paulistanas), esqueci-me do pedido de mrs.Agrama. Então, numa tarde de
agosto de 1988, recebi um telefonema dos Estados Unidos. Era mrs.Agrama,
querendo saber quando eu iria enviar-lhe os argumentos.
Fiquei entusiasmado com esse inesperado interesse pelos meus trabalhos e, em 12
de setembro de 1988, enviei-lhe o argumento de Onde está Blondie?;
depois, em 18 de novembro do mesmo ano, mandei-lhe o argumento de A Sombra
da Outra, que daria um excelente filme de Suspense. O que aconteceu com
ambos não sei, visto que, até a presente data, não recebi resposta alguma.
Assim que o Franco me disse que queria um roteiro semelhante às histórias do
Manara, recordei-me, de imediato, de Onde Está Blondie? e contei-lhe
rapidamente a história. Ele achou-a interessante, e transformei-a num roteiro
de história em quadrinhos.
Demorei umas duas semanas para escrever o roteiro, que remeti ao Franco.
Lamentavelmente, a editora havia se desinteressado em publicar o álbum. Dessa
forma, Onde está Blondie? não foi desenhada e continua existindo
apenas como argumento para um filme e roteiro de uma história em quadrinhos.
Este texto foi escrito em dezembro de
2011
Rubens Francisco é ficcionista e
roteirista de Cinema e Quadrinhos.