RUBENS – O CAVALEIRO OCULTO
Luiz
Maranhão Filho
É
possível que o nosso encontro tenha acontecido muito antes de uma aproximação
real. Para usar um termo jurídico, de uma de minhas profissões, um encontro inter
vivos, o que, de fato, aconteceu em 1995, em Ribeirão Preto. É que, desde a
juventude, uma das preferências em minhas leituras foi o chamado gênero de
Mistério, nas chamadas revistas policiais da época – X-9, Detective,
Mistérios e tantas outras. Soube depois que o nosso personagem escrevia
para elas, sob pseudônimos estrangeiros. Por isso, fica difícil identificar
quais dos heterônimos que chegaram até as minhas leituras de adolescente. Mas
há um ponto em comum. É que ambos ingressamos no rádio ainda muito jovens e
praticando o mesmo mister: adaptar contos policiais pra pequenas histórias
seriadas que começaram a ser classificadas como novelas.
Meu genitor, o veterano e saudoso radialista Luiz Maranhão, fora o introdutor
do teatro pelo rádio no Nordeste – em uma pesquisa para a Rede Globo, Mauro
Borja Lopes (Borjalo) apontou-o como o verdadeiro pioneiro do teatro seriado.
Por falta de especialistas na época, meu pai acolheu uma primeira “radiofonização”de
minha lavra em 1947. Foi a história Uma Família Sinistra, assinada por
Murray Leinster (*). Quem sabe se Rubens não se escondeu por trás do nome do
norte-americano?
O fato é que, consolidado o modelo do rádio com função artística e cultural e
com funcionamento permanente, seus executores e planejadores começaram a
definir os formatos que deveriam conduzir os rumos da programação. Os musicais
tomaram a sua cara, explorando o gênero popular, o erudito e a personalização
dos intérpretes. Os cantores se fizeram estrelas de primeira grandeza. A
notícia, as transmissões esportivas e os debates também ganharam espaço. Para a
face de arte do rádio, ficou o teatro pelo microfone como grande atração.
Emissoras de norte a sul do Brasil acolheram o espetáculo completo, em três
atos, de preferência aos sábados e domingos; e o repertório foi o que de melhor
havia na época – os clássicos do teatro declamado, à frente William Shakespeare
e suas tragédias (Hamlet, Otelo, Macbeth, Romeu e
Julieta, entre outras). Houve casos em que emissoras se consagraram com
esses horários. Plácido Ferreira fez espetáculos no rádio carioca durante mais
de um decênio. O pernambucano Manoel Durães, na Rádio Record de São Paulo,
repetiu o sucesso. Pelo Brasil inteiro, há exemplos disso. Rubens entrou no
gênero, em Ribeirão Preto, como fiel adaptador, a convite do inesquecível
Aloysio Silva Araújo.
Nasceu um mercado de aquisições e trocas de textos entre as emissoras, onde se
inseriram alguns paulistas de destaque como Gastão Pereira da Silva, Otávio
Augusto Vampré, Oduvaldo Viana, Amaral Gurgel e alguns cariocas como Hélio do
Soveral, Lourival Marques, Hélio Tys, Raimundo Lopes e Eurico Silva, da Rádio
Nacional. Rubens não entrou nesse intercâmbio, ocultado em sua modéstia e
refugiado em algumas editoras que lhe garantiam o anonimato.
Mas houve um fato que precisa ficar marcado na memória do rádio: a
multinacional Colgate-Palmolive trouxe dos Estados Unidos um novo formato que
incorporou no rádio a figura do herói. Primeiro, foi com O Vingador, que era
uma adaptação do Zorro (The Lone Ranger, no original), criado por Fran Striker.
Depois, veio Tarzan (a imorredoura criação do escritor Edgar Rice Burroughs), o
homem das selvas; e, assim, espalharam-se pelo país inúmeros seres
extraordinários a serviço da lei e da ordem. Um deles cresceu na audiência,
respaldado no alcance das potentes ondas da Rádio Nacional. O interior paulista
por pouco não foi vítima da força do ANJO, um jovem da alta-roda que se
travestia de personagem investigador para defender os mais fracos.
Rubens Francisco Lucchetti salvou os paulistas, ao criar o detetive Reginaldo
Varela, que combatia o ESCORPIÃO ESCARLATE, um vilão revivido na década de 1990
em um filme dirigido por Ivan Cardoso. Esse personagem foi procurado por
diversos pontos do Brasil. Mas se tornou um CAVALEIRO OCULTO, guardado
preciosamente em Ribeirão Preto pelo seu criador, R. F. Lucchetti, um nome que
se prestava a ser heterônimo do próprio autor. Isso acontecia há cerca de meio
século atrás.
Um dia, porém, eu haveria de encontrar o Escorpião, seu criador e seu passado.
Foi uma feliz coincidência. Depois de mais cinco décadas no rádio, migrando do
formato comercial para o acadêmico, através da Universidade Federal de
Pernambuco, possuidor de uma graduação e um Mestrado em Direito, fui forçado,
ao ingressar no magistério da Comunicação Social, ensinando Jornalismo e
Radialismo, a obter um Doutorado em Artes, na Escola de Comunicações e Artes
(ECA) da Universidade de São Paulo (USP), a partir do ano de 1993. Foi numa
sala da ECA, durante aula de um mestre do Cinema, o francês Jean-Claude
Bernadet, que mantive o primeiro contato com um jovem colega, Marco Aurélio
Lucchetti, filho de Rubens. De tanto comentar sobre rádio e Cinema, conseguimos
uma identificação de propósitos. Foi aí que me surgiu o CAVALEIRO OCULTO, de
quem tentarei, modestamente, traçar um perfil muito subjetivo, por conta da
amizade que se formou daí por diante. Foram encontros em Ribeirão Preto e
depois em Jardinópolis, sempre levados pela vontade de descobrir mais e mais a
respeito do rádio paulista.
Hoje, vejo Rubens, apenas três anos mais velho do que eu, ainda com todo o
vigor da criação. Poderia ter ocupado um lugar mais visível, duvido á sua
iniciação envolvendo nomes do quilate de um Octávio Gabus Mendes. Poderia ter
sido descoberto por um empresário de ampla visão da importância do rádio.
Preferiu, porém, recolher-se ao seu interior paulista e produzir sem parar para
a indústria editorial – criou, em parceria com o desenhista Nico Rosso, várias
revistas de quadrinhos (A Cripta, O Estanho Mundo de Zé do Caixão,
Fantastykon e tantas outras) que inovam os gibis brasileiros de Terror;
editou revistas de contos policiais; escreveu mais de mil livros dos mais
variados assuntos – e para o Cinema, já que é o grande roteirista dos cineastas
José Mojica Marins e Ivan Cardoso.
Nesta primeira década do século 21, vejo Rubens em plena forma, e, com sua
vosão de mestre, pronto para dar continuidade aos seriados de rádio. Vejo o
cineasta capaz de roteirizar um romance como Os Ratos, de Dyonélio
Machado – infelizmente, o roteiro (escrito por volta de 1980) está até hoje à
espera de alguém que o transforme em filme. Vejo Rubens disposto a ingressar no
teatro, com a peça Três Personagens em Busca de uma Intérprete, que
esperamos realizar juntos, numa parceria de amigos fiéis e dedicados.
NOTA
(escrita por Marco Aurélio Lucchetti):
(*)
Murray Leinster é o nome com o qual o escritor norte-americano William
Fitzgerald Jenkins (1896-1975) assinou a maioria de suas histórias, sobretudo as
de Ficção Científica.
Este
texto foi escrito em Olinda, em outubro de 2003.
Luiz
Maranhão Filho é mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambucano e
doutor em Artes pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São
Paulo. É jornalista profissional, tendo trabalhando nos jornais Diário de Pernambuco e Diário Carioca.
Radialista desde 1947, trabalhou nas rádios Clube, Tamandaré, Jornal do
Commercio (todas três de Recife) e Borborema (de Campina Grande, Paraíba). Fez
televisão em Recife e Salvador. Foi gerente da Norton Publicidade no Nordeste.
É autor de peças teatrais premiadas. Escreveu os livros Memória do Rádio
(Prêmio Roquette Pinto de 1986), Rádio em Todas as Ondas, No Tempo
do Reclame e Legislação e Comunicação, entre outros. Atualmente, é o
presidente do Instituto Histórico de Olinda.