Paulo
Aragão Neto
Diretor do programa, produtor de filmes
Como
surgiu o convite para trabalhar com Os
Trapalhões?
Quando
tinha seis anos de idade, meu pai (Renato) me chamou pela primeira vez para
trabalhar com ele na TV Excelsior do Rio; desde então, venho, sempre que
possível, trabalhando com ele, inclusive nos filmes dos Trapalhões e na última
temporada de Os Trapalhões na
TV Globo em 1995.
Antes
de iniciar essa parceria profissional com Os Trapalhões, você
já acompanhava os seus filmes?
Acompanhava
de perto. A princípio, ia assistir às filmagens; e, desde 1977, quando fui
trabalhar na R. A. Produções, produzindo os filmes.
Quais
as suas principais recordações dos bastidores de filmagens com Os Trapalhões?
O
ambiente sempre foi muito descontraído. Lembro-me das brincadeiras constantes
no set,
que ajudavam a dar um clima mais ameno à rotina intensa das filmagens.
Renato
Aragão, Dedé, Mussum e Zacarias tinham como característica a irreverência. Até
nos bastidores das filmagens, eles brincavam muito. Isso procede? As filmagens
eram descontraídas?
As
piadas eram constantes, tanto que resolvemos editar os improvisos como bloopers, nos créditos finais
dos filmes.
Como
era o seu contato com o quarteto (Didi, Dedé, Mussum e Zacarias)?
A
proximidade era quase diária, inclusive nas celebrações nas casas de cada um deles.
Mussum e Renato lançavam seu arsenal de pegadinhas um para o outro em bases
constantes. O Mauro (Zacarias) era quieto; mas, quando soltava uma brincadeira
era de morrer de rir. E o Dedé, assim como nos filmes, sempre foi o alvo das
gozações. A gente ria muito!
Que
representava, naquele período, trabalhar num filme dos Trapalhões, que eram
certeza de sucesso de bilheteria?
O
que me motivava muito era o ritmo de produção. Fazíamos dois filmes por ano.
Portanto, sempre havia trabalho. E era gratificante fazer parte de uma
indústria cinematográfica naquele momento do país.
Um
dos cineastas com uma parceria mais longeva com Os Trapalhões foi o
J. B. Tanko. Quais as lembranças que você tem dele?
O Tanko veio trazer a técnica europeia de cinematografia, o que foi enriquecedor para
o conteúdo dos filmes. Era uma figura muito presente em todas as etapas.
Na
sua opinião, quem era o maior comediante do grupo?
Difícil
de responder. Porque, acima do talento individual, a sinergia do grupo reunido
era algo extraordinário. Quando achavam uma brecha – e sempre achavam – para o
improviso, os outros seguiam dali; e a comédia era rica na espontaneidade. E
com maestria voltavam ao texto, sem que muitos percebessem que era um
improviso.
Renato
Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo?
Sim,
desde a elaboração do argumento até o cartaz do filme, passando por cada etapa
do processo.
Por
que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados
pelos Trapalhões?
Era
um humor básico e simples, sem conteúdo intelectual ou político explícito. Os
críticos se sentiam mais identificados com filmes mais intelectualizados ou
políticos.
Como
classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Humor
popular. Cada um deles representava um segmento da base da pirâmide sociocultural
brasileira.
Os Trapalhões sempre
“brincaram”
em parodiar filmes e clássicos estrangeiros de sucesso para o cinema. Que pensa
a respeito dessa linha que eles seguiram?
Não
é uma característica exclusiva deles. A televisão sempre se valeu desse
recurso... no mundo todo. Mas era uma forma de explorar o imaginário de um povo
(ou grande parte dele), cuja cultura se baseava na tevê e nos filmes,
principalmente os norte-americanos.
Qual
o legado histórico que o cinema dos Trapalhões
deixaram para o país?
De
que podemos construir uma indústria de entretenimento com base na experiência cultural
brasileira. E a longevidade. Impressiona que Renato e Dedé estão se mantendo há
quase cinquenta anos no mundo do entretenimento. Marcaram três ou quatro
gerações com sua presença. E a coragem de investir em um segmento como o
cinema, mídia que teve altos e baixos ao longo desse período.
Podemos
considerar Renato Aragão um dos maiores e melhores produtores de cinema do
país?
Foi
um produtor importante. Participou de quase cinquenta filmes, dos quais produziu
ou coproduziu mais de trinta, com altos índices de audiência.
Acredita
que, pela importância que o quarteto possui no cinema, há pouca bibliografia a
respeito deles?
Estou
certo de que os produtos biográficos vão começar a surgir, na medida em que
despertar a curiosidade das novas gerações pelo grupo.
Por
que os festivais de cinema no Brasil não mencionam, ainda hoje, o cinema feito
pelos Trapalhões?
São
raras as menções, mas existem. O mito Trapalhões
vai ganhar força nesse meio, na
proporção em que sua exposição se tornar mais rara.
Roberto
Guilherme é um dos parceiros mais antigos dos Trapalhões. Está com o Renato
até hoje; porém, participou pouco do cinema do quarteto. Qual a razão?
Entendo
que o público de cinema queria ver o quarteto em ação, enquanto o da televisão
aceitava melhor as participações de Roberto Guilherme, Tião Macalé, Wanderley
Cardoso, Ivon Curi, Ted Boy Marino e outros. Não partia deles essa exigência, a
audiência que elegia.
Gostaria
que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha
presenciado como testemunha ocular.
Num
voo de Foz do Iguaçu a Manaus, durante as filmagens de Os Três Mosquiteiros Trapalhões,
uma tempestade magnética obrigou o piloto a pousar em um aeroporto militar onde permaneceu por
quase duas horas. Os passageiros ficaram inquietos,
pois não podiam desembarcar; e o avião, por ordem dos militares, devia ficar com os motores desligados e
não havia qualquer previsão de decolagem.
Percebendo o clima de angústia, Mussum começou um samba. Logo, os demais Trapalhões foram se
agregando e, enquanto a tempestade tropical durou,
fizeram o show mais
exclusivo que já houve em sua história. Quando o piloto anunciou a decolagem, os
passageiros vieram cumprimentá-los. Inclusive, uma
família que transportava o corpo de um parente falecido veio agradecer a eles pelos momentos de alegria no que
poderia ser uma viagem trágica. Na
verdade, eles eram um show ambulante
e, por onde passavam (aviões, ônibus, hotéis
e pequenas cidades), deixavam a marca da alegria e irreverência característica do grupo.