Paulo
Cursino
Roteirista
Uma
das maiores críticas a respeito do cinema dos Trapalhões é em
relação ao roteiro dos filmes, sempre óbvios. Qual a sua opinião a respeito?
Acho
que se trata de um comentário óbvio também. Os roteiros dos filmes dos Trapalhões eram
perfeitamente adequados ao público que se destinava, tanto é que funcionavam e
faziam sucesso. Costuma-se confundir o simples com o simplório, são duas coisas
diferentes. A capacidade de comunicação, a universalidade das histórias, o
humor brotando e funcionando em cada cena... parecem algo simples de se fazer,
mas a maioria tenta fazer e falha. Os filmes dos Trapalhões funcionavam.
A crítica brasileira nunca entendeu que nem sempre fazer o óbvio é simples e
nem sempre fazer o simples resulta em algo óbvio.
Você
acompanhava os lançamentos dos filmes? Gostava de assistir?
Eu
fui fã dos filmes dos Trapalhões na
infância e fiquei emocionado como um garoto, quando vi meu nome na tela grande
associado a um filme de Renato Aragão. Devo ter assistido O Cupido Trapalhão umas cinco
vezes só nos cinemas. Gostava de acompanhar e aprender como uma sala reagia às
piadas. Acompanhar o lançamento e a exibição dos filmes era quase uma escola e
sempre é uma experiência gratificante para mim.
Como
surgiu a oportunidade de trabalhar com Renato Aragão, na fase pós-Trapalhões?
Eu
havia assinado contrato com a TV Globo para ser colaborador de novela, mas eu
não tinha contato com nenhum autor. Na oficina de dramaturgia da casa, havia
sido identificada a minha facilidade para escrever humor e indicaram-me para
escrever especiais para a volta de Renato Aragão, após o final dos Trapalhões. Muita
gente tinha dificuldade de escrever para o Renato, para o humor dele, com a
esperteza do Didi. Eu, pelo contrário, tirei de letra. Emplaquei meu primeiro
especial logo de cara. O Renato gostou do meu texto de primeira, e a admiração
foi recíproca. Em pouco tempo, bem rápido mesmo, eu me tornei redator- final do
programa e dos especiais dele. Devo muito ao Renato, pela confiança que ele
depositou em mim. Ele me abriu muitas portas dentro da emissora, e aprendi
ainda mais a escrever humor e a entender o público com ele.
O Trapalhão e a Luz Azul marcou
o reencontro de Renato e Dedé Santana no cinema. Como foi pra você desenvolver
esse trabalho.
Eu
peguei O Trapalhão e a Luz Azul meio
na fogueira, de última hora. Quem havia desenvolvido a sinopse foi o Walther
Negrão. Por coincidência total, eu estava colaborando em uma novela dele na
época, Vila Madalena.
Quando Walther soube que eu escrevi especiais para o Renato, passou-me o filme
na hora, disse para eu resolver algumas questões e tratar com as demandas dos
produtores. Eu era muito inexperiente, mas tinha esse sonho de escrever para a
tela grande. Foi uma experiência muito desgastante, com muitos telefonemas,
discussões, atrasos de entrega, porque o filme tinha uma premissa bem
problemática, cara, fantasiosa. A cada hora, surgia uma demanda diferente.
Falando de forma clara: foi uma “roubada”
ter aceitado o trabalho. O filme foi feito a toque de caixa. E o resultado não
me agradou e nem ao público, tanto que não foi bem. Mas foi a minha estreia no
cinema, e tenho bem claro que fiz o que pude ali. O importante naquele momento
foi meu trabalho ter agradado, tanto que fui chamado para todos os próximos.
Uma
das principais queixas em O
Trapalhão e a Luz Azul é a respeito
da participação de Dedé no filme. Muitos dizem que ele faz quase uma figuração
no filme. Qual é a sua avaliação?
Esse
foi um dos principais problemas da sinopse do filme fechada pelo Walther Negrão:
não havia espaço para o Dedé Santana, não havia um personagem escrito para ele.
Tentei vender a ideia de que o filme talvez pudesse ser uma aventura da dupla,
mas fugia demais da encomenda e do que o Renato gostaria de fazer naquele
momento. O Renato queria renovar sua imagem, abrir novas vertentes, tanto que
ele queria vender a ideia do Trapalhão,
não dos Trapalhões. Para ele,
Trapalhões sempre
foi e sempre seria apenas o quarteto. Lembremos que não fazia muito tempo que
Zacarias e Mussum haviam partido. Havia no ar um desejo meio latente, não
expresso, de desvincular sua imagem do grupo. Um recomeço. Porém, ao mesmo
tempo, havia uma pequena encomenda para que Dedé participasse. Então, apenas encaixei
de última hora o Dedé no papel de um dos vilões, o que foi inusitado e até mencionado
na época, pois o Dedé fez bem, ele é um bom ator. Mas, ainda assim, não havia
muita função para ele.
Em
Didi, O Cupido Trapalhão, estranhamente
Dedé Santana não participou. Qual o motivo?
No Cupido Trapalhão, a questão
de se fazer um filme apenas com Didi, com algo bem distante do quarteto, se
concretizou ainda mais. Era uma renovação completa. Renato já estava de volta
com um programa semanal apenas seu na Globo: A
Turma do Didi, do qual eu era o redator-final. E ele
queria valorizar o elenco do programa. Tínhamos um bom ibope; e Renato havia
alcançado uma certa segurança e autonomia ali, tanto que o filme funcionou
muito bem também. Mas, ainda assim, Dedé Santana chegou a ser cogitado. Não
havia espaço e resolvemos, dessa vez, em vez de criar algo na última hora,
deixar de lado. Aprendemos com a experiência de A Luz Azul.
Nesse
filme o elenco era composto por não-atores como o cantor Daniel e a
apresentadora Jackeline Petkovic. Ao mesmo tempo, tinha mestres da atuação como
Mauro Mendonça e Rosamaria Murtinho. Como fica a cabeça do roteirista com personagens/atores
tão díspares assim?
Foi
bem tranquilo. Os personagens estavam bem definidos; e, quando isso acontece, não
tem erro. Daniel e Jackeline eram carismáticos e fizeram o dever de casa
direito. Mauro Mendonça me surpreendeu, abraçando o humor e as piadas sem o
menor pudor. Rosamaria outro show de
descontração também. Já era fã dos dois, fiquei ainda mais. Gosto muito da participação
do Aramis Trindade também. Ele criou um vilão bom, leve, na medida certa do
filme.
Por
que Didi, O Cupido Trapalhão foi
o último grande sucesso de Renato Aragão no cinema?
Acho
que foi pelo cuidado que tivemos em manter a essência da história original. Romeu e Julieta sempre
funciona bem. Este é o meu maior orgulho: preservar a sequência, com humor, dos
eventos da trama clássica. Procuramos explorar várias cenas e esquetes que
Renato fazia bem, ele está bastante engraçado no papel de cupido e anjo
atrapalhado. O elenco e as participações especiais também ajudaram: Jackeline
estava linda; Daniel estava no auge; o musical da Kelly Key, também no auge,
fazia a criançada dançar nas cadeiras. Tudo ali foi um grande acerto.
O Cavaleiro Didi e a Princesa Lili foi
uma clara tentativa de Renato para catapultar a carreira de sua filha, Lívian
Aragão, no cinema. Por que não funcionou?
A
minha participação no roteiro de O
Cavaleiro Didi e a Princesa Lili foi bem pequena.
Na época, eu já não escrevia mais o programa do Renato. Eu era o redator- final
do Sob Nova Direção na
Globo, então não acompanhei de perto. Eu acho que o grande problema de O Cavaleiro foi o mesmo
de A Luz Azul:
ambientação de época. Acho muito difícil acertar filmes infanto-juvenis de
época. Se pegarmos todos os grandes sucessos de Renato e Os Trapalhões no cinema,
veremos que quase todos são contemporâneos ou se passam numa época indefinida. O
próprio título com o “cavaleiro”
e a “princesa”...
tudo isso afasta, não combina muito com o Didi, na minha opinião. Se pegarmos
todos os clássicos que Renato adaptou para o cinema, O Cinderelo, Os Mosqueteiros, As Minas do Rei Salomão, apesar de
se inspirarem em histórias clássicas, todas se passavam em dias atuais. O pulo
do gato para mim estava aí, mas acho que nem mesmo o Renato se deu conta disso.
Mas, note, é apenas uma opinião.
Esse
também foi seu último trabalho com Renato Aragão. Por quê?
Porque
a tevê tomou todo o meu tempo naquela época. Eu fiquei quatro anos no ar com o Sob Nova Direção, um
programa de ótima audiência no domingo à noite. A responsabilidade era grande,
cheguei a comandar uma equipe de dez autores. Então, preferi dar um tempo em
cinema e dedicar-me única e exclusivamente à tevê. Mas fui convidado a escrever
praticamente todos os filmes depois de O Cupido.
Sempre me interessava, mas não havia tempo.
Renato
Aragão controla a feitura do roteiro? É dele a palavra final?
Sim,
sempre. Mas Renato sempre foi muito generoso e respeitoso com o meu texto e o
de vários outros colegas. Ele tem uma visão incrível de cena e de emoção em um
texto. Sua capacidade de visualizar a piada, antecipar a reação do público...
impressiona. Sempre foi um professor para mim.
Qual
é o maior acerto num roteiro de Comédia? E o pior erro, aquele que se deve
sempre evitar?
O
principal acerto em um roteiro de Comédia está na definição do personagem principal
e na clareza com que ele se apresenta ao público. História, trama, diálogos, tudo
isso vem em segundo plano. Sem um bom personagem, você pode ter a melhor trama
do mundo, a Comédia não funciona. E o pior erro é acreditar no poder da piada
para salvar uma cena ou uma história. Uma boa piada pode salvar uma cena, ou
duas, mas não mais de três. Abusar do recurso e contar apenas com o chiste, a
gracinha, a piadinha... é afundar a Comédia e nunca resulta em um bom filme.
Você
irá produzir a cinebiografia do Mussum. Por que decidiu fazer esse trabalho?
Sim,
irei escrever e produzir. O Mussum sempre foi um dos meus cômicos preferidos, e
eu sempre me interessei muito pela sua história. Ele era engraçado
naturalmente, não precisava se esforçar muito para fazer rir, sustentou uma
carreira inteira em cima de um personagem só e de um jeito de falar, algo que
realmente impressiona. Seu domínio de palco era incrível. Ele dançava, cantava,
contava piadas com a mesma competência. Sua carreira musical é bem
interessante; e a sua personalidade, acima de tudo, é o que mais me interessa
desenvolver e trabalhar. Eu sonhava há anos em fazer um filme sobre ele, mas
nunca conseguia ver ninguém para o papel. Isso até eu trabalhar com o Aílton
Graça em Até Que
a Sorte nos Separe.
Há um momento em especial em que Aílton agita as bochechas que ele ficou
idêntico ao Mussum. No ato, falei para o diretor Roberto Santucci: “Achamos o cara para o papel.”
Cheguei a conversar com o Aílton, que se animou e curtiu muito a ideia de fazer
a vida do Mussum. Eu falei para ele que iria fazer um trabalho de pesquisa para
começar o roteiro. Mas não comecei. O sucesso avassalador de Até Que a Sorte nos Separe me
obrigou a escrever uma sequência e adiei o projeto. Foi então que surgiu o
livro Mussum Forévis,
do Juliano Barreto. A pesquisa toda estava lá. Compramos o direito no ato e
fomos à luta. O roteiro ficará pronto no ano que vem, rodaremos no final de
2016. É o projeto pelo qual nutro mais carinho no momento.
Na
sua opinião, ele foi o maior humorista do grupo?
Não.
O maior humorista do grupo, o mais completo, sempre foi o Renato. Mas os quatro
se complementavam de forma maravilhosa. Renato era mais técnico, mais
preparado, mais inteligente em cena. Dedé sempre foi um dos melhores “escadas” da história da
televisão brasileira. Ninguém sabia levantar uma piada como ele. Todos ali
brilhavam, porque Dedé preparava o terreno. Ele é genial nisso. Zacarias tinha
um tempo e uma graça própria, bem diferente dos outros três. E Mussum, na minha
opinião, era o mais engraçado de todos. Impossível competir com ele. Você não
precisava nem dar uma piada para ele. Bastava ele entrar em cena e soltar um “cacildis” que a plateia vinha
abaixo. Ele era uma força da natureza.
Que
pretende com esse trabalho?
Pretendo
levar o espírito do Mussum para o filme, captar aquela graça natural dele. E,
ao mesmo tempo, mostrar um lado pouco conhecido e explorado, que é o de músico.
Também pretendo ir mais longe. Mussum sempre teve uma persona complexa: foi muito
pobre, depois muito rico, foi um zé-ninguém, depois muito popular, abraçou a
música, abandonou a música, amava fazer rir, mas também não gostava de ser
apenas um palhaço. Quanto mais eu leio e converso com pessoas que trabalharam
com ele, mais eu sinto a responsabilidade de tentar traduzir em poucas cenas,
em um filme de no máximo duas horas, toda sua trajetória. É um personagem
riquíssimo.
Carlos
Kurt, Roberto Guiherme, Tião Macalé, Ted Boy Marinho, qual desses atores merece
o devido reconhecimento pela sua importância na construção da identidade dos Trapalhões?
Todos
eles tiveram seu valor e seu momento, ainda mais Ted Boy Marino. Mas acho que
apenas Tião Macalé e Roberto Guilherme poderiam ser chamados de “quinto Trapalhão”, caso
houvesse necessidade de mais um. Eles são reconhecidos e têm carinho semelhante
do público, no imaginário do público. Eles fazem parte do universo do quarteto.
Não é pouca coisa. São carreiras admiráveis.
Como
você classifica o cinema feito pelos Trapalhões
e o cinema feito pelo Renato Aragão pós-Trapalhões?
Os
filmes do Renato pós-Trapalhões são
mais irregulares, mas mais benfeitos tecnicamente e até mesmo os roteiros são
melhores. Mas não dá pra negar que acho o cinema feito pelos Trapalhões quatro vezes
mais engraçado. Creio que nem preciso dizer porquê.