quinta-feira, 1 de março de 2018

Os Trapalhões: Paulo Cursino


Paulo Cursino
Roteirista


Uma das maiores críticas a respeito do cinema dos Trapalhões é em relação ao roteiro dos filmes, sempre óbvios. Qual a sua opinião a respeito?
Acho que se trata de um comentário óbvio também. Os roteiros dos filmes dos Trapalhões eram perfeitamente adequados ao público que se destinava, tanto é que funcionavam e faziam sucesso. Costuma-se confundir o simples com o simplório, são duas coisas diferentes. A capacidade de comunicação, a universalidade das histórias, o humor brotando e funcionando em cada cena... parecem algo simples de se fazer, mas a maioria tenta fazer e falha. Os filmes dos Trapalhões funcionavam. A crítica brasileira nunca entendeu que nem sempre fazer o óbvio é simples e nem sempre fazer o simples resulta em algo óbvio.

Você acompanhava os lançamentos dos filmes? Gostava de assistir?
Eu fui fã dos filmes dos Trapalhões na infância e fiquei emocionado como um garoto, quando vi meu nome na tela grande associado a um filme de Renato Aragão. Devo ter assistido O Cupido Trapalhão umas cinco vezes só nos cinemas. Gostava de acompanhar e aprender como uma sala reagia às piadas. Acompanhar o lançamento e a exibição dos filmes era quase uma escola e sempre é uma experiência gratificante para mim.

Como surgiu a oportunidade de trabalhar com Renato Aragão, na fase pós-Trapalhões?
Eu havia assinado contrato com a TV Globo para ser colaborador de novela, mas eu não tinha contato com nenhum autor. Na oficina de dramaturgia da casa, havia sido identificada a minha facilidade para escrever humor e indicaram-me para escrever especiais para a volta de Renato Aragão, após o final dos Trapalhões. Muita gente tinha dificuldade de escrever para o Renato, para o humor dele, com a esperteza do Didi. Eu, pelo contrário, tirei de letra. Emplaquei meu primeiro especial logo de cara. O Renato gostou do meu texto de primeira, e a admiração foi recíproca. Em pouco tempo, bem rápido mesmo, eu me tornei redator- final do programa e dos especiais dele. Devo muito ao Renato, pela confiança que ele depositou em mim. Ele me abriu muitas portas dentro da emissora, e aprendi ainda mais a escrever humor e a entender o público com ele.

O Trapalhão e a Luz Azul marcou o reencontro de Renato e Dedé Santana no cinema. Como foi pra você desenvolver esse trabalho.
Eu peguei O Trapalhão e a Luz Azul meio na fogueira, de última hora. Quem havia desenvolvido a sinopse foi o Walther Negrão. Por coincidência total, eu estava colaborando em uma novela dele na época, Vila Madalena. Quando Walther soube que eu escrevi especiais para o Renato, passou-me o filme na hora, disse para eu resolver algumas questões e tratar com as demandas dos produtores. Eu era muito inexperiente, mas tinha esse sonho de escrever para a tela grande. Foi uma experiência muito desgastante, com muitos telefonemas, discussões, atrasos de entrega, porque o filme tinha uma premissa bem problemática, cara, fantasiosa. A cada hora, surgia uma demanda diferente. Falando de forma clara: foi uma “roubada” ter aceitado o trabalho. O filme foi feito a toque de caixa. E o resultado não me agradou e nem ao público, tanto que não foi bem. Mas foi a minha estreia no cinema, e tenho bem claro que fiz o que pude ali. O importante naquele momento foi meu trabalho ter agradado, tanto que fui chamado para todos os próximos.

Uma das principais queixas em O Trapalhão e a Luz Azul é a respeito da participação de Dedé no filme. Muitos dizem que ele faz quase uma figuração no filme. Qual é a sua avaliação?
Esse foi um dos principais problemas da sinopse do filme fechada pelo Walther Negrão: não havia espaço para o Dedé Santana, não havia um personagem escrito para ele. Tentei vender a ideia de que o filme talvez pudesse ser uma aventura da dupla, mas fugia demais da encomenda e do que o Renato gostaria de fazer naquele momento. O Renato queria renovar sua imagem, abrir novas vertentes, tanto que ele queria vender a ideia do Trapalhão, não dos Trapalhões. Para ele, Trapalhões sempre foi e sempre seria apenas o quarteto. Lembremos que não fazia muito tempo que Zacarias e Mussum haviam partido. Havia no ar um desejo meio latente, não expresso, de desvincular sua imagem do grupo. Um recomeço. Porém, ao mesmo tempo, havia uma pequena encomenda para que Dedé participasse. Então, apenas encaixei de última hora o Dedé no papel de um dos vilões, o que foi inusitado e até mencionado na época, pois o Dedé fez bem, ele é um bom ator. Mas, ainda assim, não havia muita função para ele.

Em Didi, O Cupido Trapalhão, estranhamente Dedé Santana não participou. Qual o motivo?
No Cupido Trapalhão, a questão de se fazer um filme apenas com Didi, com algo bem distante do quarteto, se concretizou ainda mais. Era uma renovação completa. Renato já estava de volta com um programa semanal apenas seu na Globo: A Turma do Didi, do qual eu era o redator-final. E ele queria valorizar o elenco do programa. Tínhamos um bom ibope; e Renato havia alcançado uma certa segurança e autonomia ali, tanto que o filme funcionou muito bem também. Mas, ainda assim, Dedé Santana chegou a ser cogitado. Não havia espaço e resolvemos, dessa vez, em vez de criar algo na última hora, deixar de lado. Aprendemos com a experiência de A Luz Azul.

Nesse filme o elenco era composto por não-atores como o cantor Daniel e a apresentadora Jackeline Petkovic. Ao mesmo tempo, tinha mestres da atuação como Mauro Mendonça e Rosamaria Murtinho. Como fica a cabeça do roteirista com personagens/atores tão díspares assim?
Foi bem tranquilo. Os personagens estavam bem definidos; e, quando isso acontece, não tem erro. Daniel e Jackeline eram carismáticos e fizeram o dever de casa direito. Mauro Mendonça me surpreendeu, abraçando o humor e as piadas sem o menor pudor. Rosamaria outro show de descontração também. Já era fã dos dois, fiquei ainda mais. Gosto muito da participação do Aramis Trindade também. Ele criou um vilão bom, leve, na medida certa do filme.

Por que Didi, O Cupido Trapalhão foi o último grande sucesso de Renato Aragão no cinema?
Acho que foi pelo cuidado que tivemos em manter a essência da história original. Romeu e Julieta sempre funciona bem. Este é o meu maior orgulho: preservar a sequência, com humor, dos eventos da trama clássica. Procuramos explorar várias cenas e esquetes que Renato fazia bem, ele está bastante engraçado no papel de cupido e anjo atrapalhado. O elenco e as participações especiais também ajudaram: Jackeline estava linda; Daniel estava no auge; o musical da Kelly Key, também no auge, fazia a criançada dançar nas cadeiras. Tudo ali foi um grande acerto.

O Cavaleiro Didi e a Princesa Lili foi uma clara tentativa de Renato para catapultar a carreira de sua filha, Lívian Aragão, no cinema. Por que não funcionou?
A minha participação no roteiro de O Cavaleiro Didi e a Princesa Lili foi bem pequena. Na época, eu já não escrevia mais o programa do Renato. Eu era o redator- final do Sob Nova Direção na Globo, então não acompanhei de perto. Eu acho que o grande problema de O Cavaleiro foi o mesmo de A Luz Azul: ambientação de época. Acho muito difícil acertar filmes infanto-juvenis de época. Se pegarmos todos os grandes sucessos de Renato e Os Trapalhões no cinema, veremos que quase todos são contemporâneos ou se passam numa época indefinida. O próprio título com o “cavaleiro” e a “princesa”... tudo isso afasta, não combina muito com o Didi, na minha opinião. Se pegarmos todos os clássicos que Renato adaptou para o cinema, O Cinderelo, Os Mosqueteiros, As Minas do Rei Salomão, apesar de se inspirarem em histórias clássicas, todas se passavam em dias atuais. O pulo do gato para mim estava aí, mas acho que nem mesmo o Renato se deu conta disso. Mas, note, é apenas uma opinião.

Esse também foi seu último trabalho com Renato Aragão. Por quê?
Porque a tevê tomou todo o meu tempo naquela época. Eu fiquei quatro anos no ar com o Sob Nova Direção, um programa de ótima audiência no domingo à noite. A responsabilidade era grande, cheguei a comandar uma equipe de dez autores. Então, preferi dar um tempo em cinema e dedicar-me única e exclusivamente à tevê. Mas fui convidado a escrever praticamente todos os filmes depois de O Cupido. Sempre me interessava, mas não havia tempo.

Renato Aragão controla a feitura do roteiro? É dele a palavra final?
Sim, sempre. Mas Renato sempre foi muito generoso e respeitoso com o meu texto e o de vários outros colegas. Ele tem uma visão incrível de cena e de emoção em um texto. Sua capacidade de visualizar a piada, antecipar a reação do público... impressiona. Sempre foi um professor para mim.

Qual é o maior acerto num roteiro de Comédia? E o pior erro, aquele que se deve sempre evitar?
O principal acerto em um roteiro de Comédia está na definição do personagem principal e na clareza com que ele se apresenta ao público. História, trama, diálogos, tudo isso vem em segundo plano. Sem um bom personagem, você pode ter a melhor trama do mundo, a Comédia não funciona. E o pior erro é acreditar no poder da piada para salvar uma cena ou uma história. Uma boa piada pode salvar uma cena, ou duas, mas não mais de três. Abusar do recurso e contar apenas com o chiste, a gracinha, a piadinha... é afundar a Comédia e nunca resulta em um bom filme.

Você irá produzir a cinebiografia do Mussum. Por que decidiu fazer esse trabalho?
Sim, irei escrever e produzir. O Mussum sempre foi um dos meus cômicos preferidos, e eu sempre me interessei muito pela sua história. Ele era engraçado naturalmente, não precisava se esforçar muito para fazer rir, sustentou uma carreira inteira em cima de um personagem só e de um jeito de falar, algo que realmente impressiona. Seu domínio de palco era incrível. Ele dançava, cantava, contava piadas com a mesma competência. Sua carreira musical é bem interessante; e a sua personalidade, acima de tudo, é o que mais me interessa desenvolver e trabalhar. Eu sonhava há anos em fazer um filme sobre ele, mas nunca conseguia ver ninguém para o papel. Isso até eu trabalhar com o Aílton Graça em Até Que a Sorte nos Separe. Há um momento em especial em que Aílton agita as bochechas que ele ficou idêntico ao Mussum. No ato, falei para o diretor Roberto Santucci: “Achamos o cara para o papel.” Cheguei a conversar com o Aílton, que se animou e curtiu muito a ideia de fazer a vida do Mussum. Eu falei para ele que iria fazer um trabalho de pesquisa para começar o roteiro. Mas não comecei. O sucesso avassalador de Até Que a Sorte nos Separe me obrigou a escrever uma sequência e adiei o projeto. Foi então que surgiu o livro Mussum Forévis, do Juliano Barreto. A pesquisa toda estava lá. Compramos o direito no ato e fomos à luta. O roteiro ficará pronto no ano que vem, rodaremos no final de 2016. É o projeto pelo qual nutro mais carinho no momento.

Na sua opinião, ele foi o maior humorista do grupo?
Não. O maior humorista do grupo, o mais completo, sempre foi o Renato. Mas os quatro se complementavam de forma maravilhosa. Renato era mais técnico, mais preparado, mais inteligente em cena. Dedé sempre foi um dos melhores “escadas” da história da televisão brasileira. Ninguém sabia levantar uma piada como ele. Todos ali brilhavam, porque Dedé preparava o terreno. Ele é genial nisso. Zacarias tinha um tempo e uma graça própria, bem diferente dos outros três. E Mussum, na minha opinião, era o mais engraçado de todos. Impossível competir com ele. Você não precisava nem dar uma piada para ele. Bastava ele entrar em cena e soltar um “cacildis” que a plateia vinha abaixo. Ele era uma força da natureza.

Que pretende com esse trabalho?
Pretendo levar o espírito do Mussum para o filme, captar aquela graça natural dele. E, ao mesmo tempo, mostrar um lado pouco conhecido e explorado, que é o de músico. Também pretendo ir mais longe. Mussum sempre teve uma persona complexa: foi muito pobre, depois muito rico, foi um zé-ninguém, depois muito popular, abraçou a música, abandonou a música, amava fazer rir, mas também não gostava de ser apenas um palhaço. Quanto mais eu leio e converso com pessoas que trabalharam com ele, mais eu sinto a responsabilidade de tentar traduzir em poucas cenas, em um filme de no máximo duas horas, toda sua trajetória. É um personagem riquíssimo.

Carlos Kurt, Roberto Guiherme, Tião Macalé, Ted Boy Marinho, qual desses atores merece o devido reconhecimento pela sua importância na construção da identidade dos Trapalhões?
Todos eles tiveram seu valor e seu momento, ainda mais Ted Boy Marino. Mas acho que apenas Tião Macalé e Roberto Guilherme poderiam ser chamados de “quinto Trapalhão”, caso houvesse necessidade de mais um. Eles são reconhecidos e têm carinho semelhante do público, no imaginário do público. Eles fazem parte do universo do quarteto. Não é pouca coisa. São carreiras admiráveis.

Como você classifica o cinema feito pelos Trapalhões e o cinema feito pelo Renato Aragão pós-Trapalhões?
Os filmes do Renato pós-Trapalhões são mais irregulares, mas mais benfeitos tecnicamente e até mesmo os roteiros são melhores. Mas não dá pra negar que acho o cinema feito pelos Trapalhões quatro vezes mais engraçado. Creio que nem preciso dizer porquê.