Odete Lara
Pessoal e intransferível
Odete Lara, ah, Odete Lara! Como descrever brioso
sobre a sublime deusa da minha recôndita mitologia real, e muito além da
atenciosa colega de fotogramas laboratoriais? Retratá-la empírea, através
desses modernosos digitalizadores frígidos, e envolver seu precioso nome-sonho
em nostálgicos compêndios transcendentais, à relação abrasadora durante a
mágica época de nossas compulsivas e inatingíveis "tramas", vez e
outra emolduradas por uma odisseia romanesca, como se fosse um compassível
filme inacabado. E seria esse, queridíssima atriz, o modo mais justo de te
desenhar eletrizantemente linda? Você, maravilhosa fêmea-mito, a quem conferi
incondicionalmente todos os meus irrequietos juvenis sentimentos, até os mais
sublimemente proibidos, estrategicamente escondidos, assim como me entreguei
sédulo às aulas por ti ministradas gentilmente à arte de se colocar e agir
diante de uma câmera, e, à concepção fílmica, os primeiros passos de um jovem
ator inexperiente; faço-lhe, agora, permita-me, uma pergunta que vaga pela
atemporalidade, e que não exigirá metafísica resposta: à inexorabilidade do
tempo/espaço, você, alguns aninhos mais sábia, a minha mestra vigorosamente
anárquica, a minha cicerone idealista à Marcha dos 100 Mil, o meu conteúdo
passional e hipnótico de intrínsecas eras, jamais lhe veio à sua desinquieta
mente que a nossa -talvez- despropositada e "deselegante" relação
relâmpago beyond lens, tinha sido uma (i)morredoura(?!) metáfora
existencial, continuidade do nosso filme-objeto?
Trata-se de um testemunho de arrebatamento subjetivo, em que os poros
epidérmicos e as saudades espirituais seriam as únicas testemunhas de um
dadivoso pretérito diante de um tribunal das belas verdades. O juiz, o sorriso
jubiloso que ora apresento. Odete Lara, mescla de Greta Garbo e Marlene
Dietrich, de adaptada beleza tropical contagiante, fantasia feminina voluptuosa
de marmanjos como de mulheres, mesmo que existencialmente sofrida à exaustão,
como todo poeta glorioso tende ser, esbanjava através de seu olhar flechado e
intimidador, olhar fetiche, à combinação da mulher irreprochável, pele alva
incandescente, voz firme, som de rouxinol, um arrepiante encanto aos que perto
dela se encontravam. Edificou imperativa, através de sua
personalidade-fortaleza o império majestoso solo de Odete Lara. Não tão somente
pela sua rara beleza elegante e bestial, mas, sobretudo, pela fantástica atriz
dramática, cômica e cantante que foi. Só os adultos de mais de cinquenta, mesmo
assim, só os sensíveis, saberiam decodificar parcialmente o mito Odete, quiçá,
alguns jovens interessados nos monstros sagrados das telas de antanho,
apreciadores de cineclubes, caçadores de musas, idem.
Adentrem urgentemente
no Google, leitores queridos desse brilhante Blog, e desvelem os primorosos
detalhes pessoais e profissionais desta que ainda é, e que sempre será, a maior
diva de todas as divas. É uma pena que o brasileiro tupiniquim nutra e se
aconchegue à cultura do esquecimento. Odete Lara está lindamente viva, e é,
ainda, aos oitenta e três, uma figura culturalmente e antropologicamente insubstituível.
Carlo Mossy é diretor, ator,
produtor, roteirista de cinema e colunista do blog Os Curtos Filmes.