sexta-feira, 20 de abril de 2012

Enciclopédia Ilustrada do Mossy


Odete Lara

Pessoal e intransferível

 
Odete Lara, ah, Odete Lara! Como descrever brioso sobre a sublime deusa da minha recôndita mitologia real, e muito além da atenciosa colega de fotogramas laboratoriais? Retratá-la empírea, através desses modernosos digitalizadores frígidos, e envolver seu precioso nome-sonho em nostálgicos compêndios transcendentais, à relação abrasadora durante a mágica época de nossas compulsivas e inatingíveis "tramas", vez e outra emolduradas por uma odisseia romanesca, como se fosse um compassível filme inacabado. E seria esse, queridíssima atriz, o modo mais justo de te desenhar eletrizantemente linda? Você, maravilhosa fêmea-mito, a quem conferi incondicionalmente todos os meus irrequietos juvenis sentimentos, até os mais sublimemente proibidos, estrategicamente escondidos, assim como me entreguei sédulo às aulas por ti ministradas gentilmente à arte de se colocar e agir diante de uma câmera, e, à concepção fílmica, os primeiros passos de um jovem ator inexperiente; faço-lhe, agora, permita-me, uma pergunta que vaga pela atemporalidade, e que não exigirá metafísica resposta: à inexorabilidade do tempo/espaço, você, alguns aninhos mais sábia, a minha mestra vigorosamente anárquica, a minha cicerone idealista à Marcha dos 100 Mil, o meu conteúdo passional e hipnótico de intrínsecas eras, jamais lhe veio à sua desinquieta mente que a nossa -talvez- despropositada e "deselegante" relação relâmpago beyond lens, tinha sido uma (i)morredoura(?!) metáfora existencial, continuidade do nosso filme-objeto? 

Trata-se de um testemunho de arrebatamento subjetivo, em que os poros epidérmicos e as saudades espirituais seriam as únicas testemunhas de um dadivoso pretérito diante de um tribunal das belas verdades. O juiz, o sorriso jubiloso que ora apresento. Odete Lara, mescla de Greta Garbo e Marlene Dietrich, de adaptada beleza tropical contagiante, fantasia feminina voluptuosa de marmanjos como de mulheres, mesmo que existencialmente sofrida à exaustão, como todo poeta glorioso tende ser, esbanjava através de seu olhar flechado e intimidador, olhar fetiche, à combinação da mulher irreprochável, pele alva incandescente, voz firme, som de rouxinol, um arrepiante encanto aos que perto dela se encontravam. Edificou imperativa, através de sua personalidade-fortaleza o império majestoso solo de Odete Lara. Não tão somente pela sua rara beleza elegante e bestial, mas, sobretudo, pela fantástica atriz dramática, cômica e cantante que foi. Só os adultos de mais de cinquenta, mesmo assim, só os sensíveis, saberiam decodificar parcialmente o mito Odete, quiçá, alguns jovens interessados nos monstros sagrados das telas de antanho, apreciadores de cineclubes, caçadores de musas, idem.

Adentrem urgentemente no Google, leitores queridos desse brilhante Blog, e desvelem os primorosos detalhes pessoais e profissionais desta que ainda é, e que sempre será, a maior diva de todas as divas. É uma pena que o brasileiro tupiniquim nutra e se aconchegue à cultura do esquecimento. Odete Lara está lindamente viva, e é, ainda, aos oitenta e três, uma figura culturalmente e antropologicamente insubstituível.

Carlo Mossy é diretor, ator, produtor, roteirista de cinema e colunista do blog Os Curtos Filmes.