José Geraldo Couto, jornalista e tradutor, foi colunista da Folha
de S.Paulo. É crítico de cinema, literatura e futebol.
Qual é a importância
histórica que o curta-metragem tem no cinema brasileiro?
Podemos pensar numa dupla importância do curta-metragem para o
cinema brasileiro. Por um lado, foi por meio de curtas que muitos dos nossos
grandes cineastas fizeram sua entrada no cinema: Glauber Rocha, Joaquim Pedro
de Andrade, Rogério Sganzerla, Julio Bressane e inúmeros outros. Além disso,
foram os curtas que, no período mais crítico do cinema brasileiro, na virada
dos anos 80 para os 90, mantiveram ativa a produção. Foi o período em que
surgiram no curta talentos como Jorge Furtado, Beto Brant, Tata Amaral, Joel
Pizzini e inúmeros outros. Há ainda casos muito particulares, como o do
pioneiro Humberto Mauro, que durante décadas se manteve em plena atividade
realizando curtas educativos para o Instituto Nacional de Cinema Educativo.
Por que os curtas não
têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
A cobertura cultural da grande imprensa, de um modo geral, está
cada vez mais subordinada à lógica do mercado. As seções culturais dos jornais
e revistas são cada vez mais vistas como guias de consumo de bens culturais
para os leitores. Como os curtas praticamente não têm lugar no atual circuito
exibidor (nem nas salas de cinema, nem nas TVs, com exceções como o Canal
Brasil e a TV Cultura), eles não têm existência de mercado e por isso são
ignorados.
Na sua opinião, como deveria ser a
exibição dos curtas para atingir mais público? Não tenho opinião
formada sobre o assunto, mas talvez seja o caso de reeditar, em novas bases, a
política de exibição de um curta metragem antes de cada longa exibido nos
cinemas. Sabemos que essa lei vigorou por um tempo, nos anos 60 e 70, mas foi
desvirtuada porque os exibidores, para cumprir a exigência de obrigatoriedade,
começaram a produzir seus próprios curtas, geralmente filmes de baixa
qualidade, por exemplo filmes institucionais chapa-branca como os de Primo Carbonari
e Jean Manzon. Mas quando eram exibidos bons curtas nacionais antes dos longas
o público geralmente reagia bem, e assim se manifestou em várias enquetes de
opinião.
É possível ser um
cineasta só de curta-metragem? Vemos que o curta é sempre um trampolim para
fazer um longa...
Penso que é possível, do ponto de vista artístico, produzir uma
obra relevante composta apenas de curtas-metragens. Alguns curtas já
produzidos, no Brasil e no exterior, são valiosos em si, não como "estágio
preparatório" para a realização de longas. Penso, por exemplo, nos curtas
de Alain Resnais (como "Noite e nevoeiro"), de Godard ("Todos os
rapazes se chamam Patrick" e vários outros), de Jean Cocteau, Orson
Welles, Stanley Kubrick, nos brasileiros "A velha a fiar", de Humberto
Mauro, "Pátio", de Glauber Rocha, "Ilha das Flores", de
Jorge Furtado, "Caramujo flor", de Joel Pizzini. Citei só os que me
vieram rapidamente à memória, mas a lista seria interminável. O que o ocorre é
que, para viabilizar o cinema como profissão, os diretores em geral são
compelidos ao longa, que tem uma existência comercial que o curta em geral não
tem, e não só no Brasil.
O curta-metragem é
marginalizado entre os próprios cineastas?
Talvez seja. Não tenho como avaliar. Sei que os diretores que
ainda não fizeram um longa detestam ser chamados de
"curta-metragistas". Acho que há, sim, um estigma generalizado quanto
ao formato, como algo menor, preparatório para os voos maiores dos longas.
Pensa em dirigir um
curta futuramente?
Não, nunca pensei em dirigir, nem curta nem longa. Quando muito,
posso colaborar num roteiro.