sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

João Camargo

 
Em que momento da sua vida você descobriu o interesse pela carreira artistica?
No colégio, dizendo poesia num grupo que criamos.
 
Chegou a capitular?
Não capitulei, mas já saí de um trabalho.
 
Você se graduou em Artes Dramáticas pela Unirio. Qual a importância na graduação para o desenvolvimento do ator?
São 4 anos em que o ator tem noções de todos os elementos que se relacionam ao oficio de interpretar: corpo, voz, história do teatro e teorias teatrais.
 
Seu primeiro trabalho profissional foi com o Flávio Rangel, no espetáculo ‘Amadeus’. Isso foi em 1982. Quais as lembranças desse trabalho.
Trabalhar com o mestre Flávio me deu a oportunidade de aprender como uma produção profissional se dá. Observar o processo da produção. Fazia um dos criados da corte, sem falas e contra-regragem . Observei a criação da iluminação, que Flávio dominava divinamente. O respeito e admiração que êle tinha e recebia de volta dos técnicos. A importância de um bom cenotécnico. Da direção de cena. Da disciplina que tínhamos que ter, incluindo tabela por algum descuido. O texto que Flávio escrevia, antes da estreia agradecendo a todos que participaram do processo E, numa tarde um ator teve um problema pessoal que o impediu de fazer a vesperal. Raul Cortez, que também produzia o espetáculo, consultou Flávio, me chamou no camarim e disse:- João, você tem que fazer o papel do imperador hoje. Gelei mas lá estava eu me apertando no figurino. Labanca descolou um sapato que tinha em casa como acervo, do tamanho do meu pé. Me "enfiei" nas cenas que estavam no texto e quando vi, já estava entrando em cena e cumpri até o fim a tarefa. Essa beleza de uma equipe que tem paixão e respeito pelo trabalho e pelo público que já tinha comprado os ingressos foi uma lição que trago comigo até hoje. É o famoso: o show não pode parar.
 
‘Aracy de Almeida, no País de Araça’, texto e direção de Eduardo Wotzik, foi um dos primeiros espetáculos a homenagear nomes expressivos da nossa cultura popular. Comente sobre esse trabalho.
"Aracy de Almeida, no país de Araca" foi uma experiência excelente. Eduardo escreveu e dirigiu e muito emocionante o espetáculo.
 
‘U! Madureza e Omelete’, texto e direção de Hamilton Vaz Pereira. Quais as recordações dessa comédia?
‘U!Madureza’ foi uma leitura dramatizada que realizamos a partir de oficinas com Hamilton. Fizemos 6 apresentações no Teatro Glória. Me colocou em contato com o universo de Hamilton. Eu protagonizava e a turma era de primeira. Sinto não termos seguido carreira mais longa. Já, em ‘Omelete’ substitui Eduardo Lago para a temporada de São Paulo. O espetáculo foi um sucesso absoluto. Infelizmente sofri um acidente em cena e tive que sair. Eduardo voltou. Até hoje eu agradeço pelo fato de ter sido num domingo o acidente. Fiz o terço final da peça pulando num pé só.
 
Pela participação na campanha publicitária do Unibanco, você ganhou projeção nacional. Ela foi dirigida pelo cineasta João Moreira Salles. Quais as dores e as delicias de protagonizar campanhas como aquela? Não teve receio de ficar estigmatizado?
Foi delicioso. Fiz um teste muito rigoroso e passei. João tem uma sensibilidade extraordinária. O público amava e ser "marido" de Drica foi uma das experiências mais intensas de cumplicidade e empatia cênica. Ela é divina. O medo de estigmatização sempre ocorre, mas na época fui eu que optei por me dedicar apenas a campanha.
 
Protagonizar uma campanha publicitária ajuda também a equilibrar as contas. Muitos acreditam que a vida de um artista, principalmente aqueles que trabalham na Rede Globo, é de glamour. Atualmente, como é o seu dia-a-dia, você vai embusca de trabalho ou eles aparecem?
Considero que todo trabalho profissional tem que ter retorno financeiro. Claro que o mercado está sobrecarregado e principalmente no teatro, penso que temos que discutir e ficar atentos aos procedimentos de captação de patrocínios e também de como o governo pode paternalizar e tirar proveito do nosso oficio nos deixando com pouca chance de termos lucro. Quanto ao glamour me agrada mais a palavra lúdica, já que nos expomos, somos instrumentos de uma linguagem subjetiva, que lida com o inconsciente, com a alma, com os mistérios internos da condição humana. Agora, se glamour significar reconhecimento do feito tudo bem. Mas é uma profissão que deve nos sustentar como qualquer outra. Hoje em dia, vou em busca e também sou convidado.
 
Mas, coincidentemente, enquanto você estava no ar nesse comercial, não rolaram chances na tevê. Teve alguma relação? Isso aconteceu só com você ou com a Drica Moraes, sua companheira nesse trabalho?
Quanto à pergunta sobre a Drica prefiro não falar por outro colega. Na pergunta sobre obras que saí prefiro não falar sobre.


 
Com Maria Gladys em "Aracy de Almeida no País de Araca".
 
Grande parte da sua carreira é marcada por papéis voltados para a comédia. Qual a razão disso?
Um velho palhaço me disse uma vez, ao me ouvir ensaiando o espetáculo "Quem matou o leão?" que eu tinha diapasão de palhaço. Me senti profundamente honrado. Mas quero fazer mais drama e mesmo uma tragédia.
 
Seu personagem Gildo, de ‘Um Anjo Caiu do Céu’ foi o seu grande papel da televisão?
O Gildo foi um papel que me deu muito prazer. Está na galeria dos meus favoritos.
 
Na Rede Globo você também trabalhou no ‘Zorra Total’, em alguns episódios do ‘Você Decide’ e miniséries. Essa variedade de trabalhos foram uma circunstância que criou?
A Rede Globo me deu oportunidade de navegar por vários gêneros. Não se deve negligenciar nenhum.
 
Já chegou a recusar trabalhos?
Sim. Já recusei trabalhos.
 
Como analisa a nossa atual produção audiovisual?
Nossa produção áudio visual vai de vento em popa. A televisão brasileira está entre as melhores do mundo e o cinema tem grandes realizadores. Novos diretores surgem com tudo! Quanto mais patrocínio melhor. Que venham!!!!!!
 
Seu primeiro trabalho em telenovelas foi em ‘Vale Tudo’, considerada por muitos como a melhor já produzida até hoje. Onde essa novela foi filmada? Como recebeu o convite para atuar nessa produção?
Vale Tudo é uma novela magnifica. Meu primeiro trabalho na TV. Tem a qualidade de ser eterna, no sentido de que a função da arte é questionar o status quo e isso a novela cumpriu belamente. Quanto ao Reginaldo Farias ele foi muito generoso comigo. Me deu dicas como o uso do olho para a câmera. O olhar, que pele lente fica muito mais aproximado literalmente pelas lentes. Um colega que tenho muito à agradecer! Compus o personagem Freitas como costumo fazer: criando uma história do passado do personagem e usando de intuição, que considero 50 por cento da receita. Nada é fácil, tanto na vida quanto na arte. Na sua realização tendo como objetivo o produto final. Compor uma personagem tem a ver com tudo isso. Entender a história do Homem. Observar, sempre. Usar a intuição. Se possível ler os teóricos do teatro. E praticar é mesmo a melhor escola. Nunca paramos de aprender.
 
Seu personagem Freitas cresceu á medida que a novela ia chegando ao fim, como compôs esse personagem? Acompanhou a repercussão da reexibição de ‘Vale Tudo’? Por que ela ainda gera tanta audiência? ‘Vale Tudo’ é um soco no estômago do Brasil, dos brasileiros. Sua temática continua atual e ao que tudo indica, continuará por muito tempo, concorda? Em algumas entrevistas você mencionou a importância do Reginaldo Faria nesse trabalho em ‘Vale Tudo’. Pode nos relatar como foi essa parceria?
Vale Tudo será eterna porque é uma boa novela. A vida é um soco no estomago mas é bela também. Reginaldo foi um colega generoso nessa obra. Foi minha primeira novela e ele me deu conselhos e exemplo. Tivemos uma parceria legal. Burocracia é chata, mas se quisermos produzir, seja com incentivo do Estado ou da iniciativa privada temos que encará-la. Estudar teatro é importante mas sem talento não adianta.
 
Outra produção marcante da TV é ‘A História de Ana Raio e Zé Trovão’, onde interpreta Tavinho Goiabada. Como foi trabalhar nessa produção que incomodou tanto a Rede Globo?
Quanto a "Ana Raio..." foi uma experiência fascinante. O super Jaime liderando uma verdadeira caravana pelo Brasil. Gostei muito de fazer o Tavinho. Trabalhar com o sotaque, com o universo do interiorzão do país. Penso que a concorrência é muito saudável. Uma emissora ameaçando a outra. Faz o mercado ficar "apimentado" e abre campo de trabalho para os profissionais do ramo.
Com Maria Paula, Iris Bustamante e Lena Brito.
Como surgiu o convite para trabalhar na TV Record? É verdade que você, com tantos trabalhos no currículo, teve que fazer teste para ingressar na novela ‘Bela, a Feia’
Quanto ao fato de ter feito teste é verdade. Fui convidado e fiz o teste de imagem para o personagem Haroldo Palhares. Daí, "Bela..."
 
A disciplina e a paciência são fundamentais para se construir uma trajetória de sucesso na vida artística?
Quanto a disciplina e paciência são fundamentais. Um binômio no qual me amparo também é foco-relaxamento.
 
‘Carlota Joaquina, Princesa do Brazil’ foi considerado o filme que marcou a retomada do cinema brasileiro. Você participou dessa produção, foi o seu primeiro trabalho em cinema. Como foi isso?
Quanto ao cinema, cresceu muito a produção depois do período negro da ditadura. Panelas sempre existiram, mas penso que também tem a ver com um mercado sobrecarregado. Poucas produções em relação aos talentos que temos. Gostaria de ter mais oportunidades no cinema. Fiz muito pouco. Em Carlota Joaquina fiz um papel pequeno, mas me agradou o resultado.
 
De 1994 para cá o que mudou no cinema nacional?
Quanto ao cinema nacional me parece que a melhora tem a ver com a democracia em contraponto a ditadura que vivemos no Brasil.
 
O cinema é a área onde sua participação é mais tímida. Muitos atores consideram que há uma “panela”. O cinema é para poucos, isso é fato?
Quanto as panelas, existem, mas é um termo pejorativo. Prefiro o conceito de que os grupos se formam também pela confiança, e pelo talento de ambas as partes. O afetivo também conta e muito. Penso que devemos reclamar menos e realizar mais.
 
Você têm se destacado como produtor teatral. Primeiro, com o ‘Fui’, junto com o Roberto Bataglin. Depois produziu e também dirigiu ‘O Filho da Mãe’, da Regiana Antonini. Como é esse exercício?
O Bataglin me animou para produzir. Agradeço muito a ele. Acho que todos os atores deveriam se aventurar na produção. É uma pedreira mas a sensação de ter escolhido a obra e vê-la montada é de um prazer inigualável. Dirigir foi uma nova escola para mim. Me fez valorizar mais o oficio ao ver de fora os atores se empenhando no processo.
 
Como é lidar com a burocracia que muitas vezes na está na natureza da alma do artista?
Quanto a pergunta da burocracia, é algo que requer também muita paciência e gostaria de citar a diretora de produção, Edda Taranto, fundamental para que a tivesse êxito a realização de "O Filho da Mãe". Nada é fácil, tanto na vida quanto na arte. Na sua realização tendo como objetivo o produto final.