Lord, um autêntico
Lord inglês, essa foi a primeira impressão que tive ao avistar Joel Barcellos.
Era um dia de frio, ele faria um bate-papo com o público e eu, a mediação. O
horário marcado para esse encontro era ás 20h. Nessa conversa o ator abordaria
sua trajetória artística, fundamentalmente no cinema, onde deixou uma marca
indelével.
Era uma grande
oportunidade para o público reencontrar esse ator, essencialmente
cinematográfico, que se destacou com os filmes que fez no período do Cinema
Novo, claro, seu currículo não se resume a essa passagem. Tem muitas outras,
era preciso aparar, esse encontro poderia demorar horas, tamanha a bagagem e as
histórias que aquele senhor de chapéu e paletó possui.
Há muito Joel não
aparece ao grande público. Nunca foi afeito á telenovelas, a massa o conhece
pelo trabalho em ‘Mulheres de Areia’, de 1993, mas já se passaram tantos anos,
tantas novelas, envelhecemos, mudamos, são quase vinte anos.
Joel chega cedo,
gostaria de conhecer o local onde seria realizado o bate-papo, queria me
conhecer, já que tínhamos apenas conversado por telefone. Tem um sorriso ora
doce, ora maroto. Pergunta-me se há algum bar por perto, quer se esquentar,
deseja um conhaque. Digo que sim, mas acaba optando por um café.
Conversamos por um
tempo, talvez meia hora. Eu estava diante do ator que fez ‘O Desafio’
(1965), de Paulo
Cezar Saraceni, ‘A Falecida’ (1965), de Leon Hirszman, ‘A Grande Cidade (1965), de Carlos
Diegues, ‘Jardim
de Guerra’ (1968), de Neville D´Almeida, pelo qual recebeu o prêmio de
melhor ator no Festival de Brasília, e ‘Agonia’ (1978), de Júlio Bressane. Cito aqui
alguns trabalhos. Observem bem, em cada um desses trabalhos os nomes dos
diretores.
No café, ninguém o reconhece, nem para dizer:
“conheço esse homem de algum lugar”. É triste constatar a falta de memória.
Cadê a nossa cultura cinematográfica? Olho em volta, e pela idade, imagino que
alguns tenham assistido a ‘Mulheres de Areia’. Estão distraídos, concentrados?
Será que aquele homem elegantemente vestido
não lhes chamaria atenção?
John Lennon disse “A ignorância é uma
espécie de bênção. Se você não sabe, não existe dor”.
Terminamos o café, Joel diz que
voltará ao hotel para descansar e que chegaria uma hora antes do previsto. Daquele
instante em diante eu fiquei pensando: por que e pra que estamos fazendo esse
encontro? Será que as pessoas estão interessadas em conversar, em conhecer?
Como diretor fez dois filmes: ‘O Rei dos Milagres’
(1971), que traz Glauber Rocha no elenco e ‘Paraíso no Inferno’ (1977). Sua última
tentativa como cineasta foi em ‘Impérios’ aprovado em março de 1997 pelo
Ministério da Cultura. Joel garante que finalizou esse filme, porém, R$ 2
milhões lhe cobram (o pagamento deverá ser feito à União) que garante que a
produção não foi finalizada. Enfim...
É chegada a hora. Poucas pessoas no local. Joel consegue disfarçar seu
desapontamento, eu não. Como pode? Era uma oportunidade rara de extrair daquele
senhor a sua história, seus causos. Está ali, disposto a dividir com o público
as dores e as delicias da sua vida.
O bate-papo durou cerca de setenta minutos.
Muitas vezes a quantidade não se traduz em qualidade e foi o que justamente
aconteceu naquele dia: os poucos presentes saíram encantados, a conversa fluiu,
deixando a certeza que precisamos, devemos insistir.
Fomos então para um bar, lá conversamos mais.
Contou da vida bucólica que leva em Rio
das Ostras (RJ), dos amigos, do encontro que teria no dia
seguinte com sua família que vive em São Paulo.
Suas falas eram serenas, pausadas.
Era tarde, avisei a ele que tinha que sair.
Joel estava acompanhado de um amigo, disse-me que ia ficar mais um pouco. Uma
vez boêmio sempre boêmio.
Na saída, um rapaz, que devia ter uns
quarenta anos, me para. Pergunta se aquele rapaz que estava comigo é da
televisão. Disse a ele que sim, mas além de televisão, o senhor em questão era,
em sua essência, de cinema.
O rapaz não queria saber, sua referência era
a novela.
Temos muito que fazer.
Rafael Spaca, radialista, autor do
blog Os Curtos Filmes (http://oscurtosfilmes.blogspot.com/).