quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

VAGA IDEIA


 
Lord, um autêntico Lord inglês, essa foi a primeira impressão que tive ao avistar Joel Barcellos. Era um dia de frio, ele faria um bate-papo com o público e eu, a mediação. O horário marcado para esse encontro era ás 20h. Nessa conversa o ator abordaria sua trajetória artística, fundamentalmente no cinema, onde deixou uma marca indelével.
 
Era uma grande oportunidade para o público reencontrar esse ator, essencialmente cinematográfico, que se destacou com os filmes que fez no período do Cinema Novo, claro, seu currículo não se resume a essa passagem. Tem muitas outras, era preciso aparar, esse encontro poderia demorar horas, tamanha a bagagem e as histórias que aquele senhor de chapéu e paletó possui.
 
Há muito Joel não aparece ao grande público. Nunca foi afeito á telenovelas, a massa o conhece pelo trabalho em ‘Mulheres de Areia’, de 1993, mas já se passaram tantos anos, tantas novelas, envelhecemos, mudamos, são quase vinte anos.
 
Joel chega cedo, gostaria de conhecer o local onde seria realizado o bate-papo, queria me conhecer, já que tínhamos apenas conversado por telefone. Tem um sorriso ora doce, ora maroto. Pergunta-me se há algum bar por perto, quer se esquentar, deseja um conhaque. Digo que sim, mas acaba optando por um café.
 
Conversamos por um tempo, talvez meia hora. Eu estava diante do ator que fez ‘O Desafio’ (1965), de Paulo Cezar Saraceni, ‘A Falecida’ (1965), de Leon Hirszman, ‘A Grande Cidade (1965), de Carlos Diegues, ‘Jardim de Guerra’ (1968), de Neville D´Almeida, pelo qual recebeu o prêmio de melhor ator no Festival de Brasília, e ‘Agonia’ (1978), de Júlio Bressane. Cito aqui alguns trabalhos. Observem bem, em cada um desses trabalhos os nomes dos diretores.
 
No café, ninguém o reconhece, nem para dizer: “conheço esse homem de algum lugar”. É triste constatar a falta de memória. Cadê a nossa cultura cinematográfica? Olho em volta, e pela idade, imagino que alguns tenham assistido a ‘Mulheres de Areia’. Estão distraídos, concentrados?
 
Será que aquele homem elegantemente vestido não lhes chamaria atenção?
 
John Lennon disse “A ignorância é uma espécie de bênção. Se você não sabe, não existe dor”.
 
Terminamos o café, Joel diz que voltará ao hotel para descansar e que chegaria uma hora antes do previsto. Daquele instante em diante eu fiquei pensando: por que e pra que estamos fazendo esse encontro? Será que as pessoas estão interessadas em conversar, em conhecer?
 
Como diretor fez dois filmes: ‘O Rei dos Milagres’ (1971), que traz Glauber Rocha no elenco e ‘Paraíso no Inferno’ (1977). Sua última tentativa como cineasta foi em ‘Impérios’ aprovado em março de 1997 pelo Ministério da Cultura. Joel garante que finalizou esse filme, porém, R$ 2 milhões lhe cobram (o pagamento deverá ser feito à União) que garante que a produção não foi finalizada. Enfim...
 
É chegada a hora. Poucas pessoas no local. Joel consegue disfarçar seu desapontamento, eu não. Como pode? Era uma oportunidade rara de extrair daquele senhor a sua história, seus causos. Está ali, disposto a dividir com o público as dores e as delicias da sua vida.
 
O bate-papo durou cerca de setenta minutos. Muitas vezes a quantidade não se traduz em qualidade e foi o que justamente aconteceu naquele dia: os poucos presentes saíram encantados, a conversa fluiu, deixando a certeza que precisamos, devemos insistir.
 
Fomos então para um bar, lá conversamos mais. Contou da vida bucólica que leva em Rio das Ostras (RJ), dos amigos, do encontro que teria no dia seguinte com sua família que vive em São Paulo.
 
Suas falas eram serenas, pausadas.
 
Era tarde, avisei a ele que tinha que sair. Joel estava acompanhado de um amigo, disse-me que ia ficar mais um pouco. Uma vez boêmio sempre boêmio.
 
Na saída, um rapaz, que devia ter uns quarenta anos, me para. Pergunta se aquele rapaz que estava comigo é da televisão. Disse a ele que sim, mas além de televisão, o senhor em questão era, em sua essência, de cinema.
 
O rapaz não queria saber, sua referência era a novela.
 
Temos muito que fazer.
 
Rafael Spaca, radialista, autor do blog Os Curtos Filmes (http://oscurtosfilmes.blogspot.com/).