Jack Nicholson em “Five Easy Pieces”: o paradigma da atuação
naturalista e a questão do comércio de um método.
Na virada dos 60 para os 70 Jack Nicholson se estabelece como referência de estilo, radicalizando o realismo by Actors Stúdio validado por James Dean (“Vidas Amargas”, 1955) e Marlon Brando (“Sindicato de Ladrões”, 1954).
Testemunha-se a construção de certo “equilíbrio entre contenção e ação” cuja origem, segundo Jacqueline Nacache (2005), remonta aos Westerns americanos de 40 e favorece a “relaço ator e personagem” tanto no aspecto plástico quanto simbólico (já que se investe em certa ambiguidade).
O estilo maturado em filmes como “Easy Rider” (1969) e “Five Easy Pieces” (1970) também dialoga com a “sujeira” típica do Cassavetes de “Faces” (1968) e “Uma Mulher Sob Influência” (1974). Observa-se a plasticidade da relação cotidiana e a intimidade com o corpo, combinada à vulnerabilidade do afeto.
Graças a certo despojamento da forma, poderíamos tecer diálogo com os atores da Novelle Vague e do Brasil de 60-70 (por exemplo, Paulo César Pereio em “Bangue Bangue” ou Anecy Rocha em “A Lira do Delírio”). Dadas as diferenças, trata-se de um estilo que se contrapõe ao corpo bem desenhado de uma atuação formalista testemunhada pela vasta e variada linhagem que vai desde Eisenstein, passando por Sternberg, Hitchcok, Bresson, Pasolini, e cuja origem estaria em Meyerhold.
Ou seja, a atuação é colocada, criticamente, a partir de uma oposição: aquela atuação que evoca certa ilusão de realidade, cujo apoio estaria em materiais internos (que não aparecem na cena, pois ocultos em rememoração); e aquela atuação que, apoiada na plasticidade do desenho corporal, se remete ao ator-modelo, ao ator-boneco, ao ator-robô, HQ, massinha para o diretor moldar - e cujo “material interno” é evitado ou rechaçado (ou pelo menos disfarçado).
No entanto, ao se tomar “o método como garantia do sucesso”, o fascínio da imagem do ator naturalista passa a ideal na contemporaneidade. Ao invés de decifrar-lhe o jogo e as modalidades de material, responsáveis pela construção de uma “ilusão de realidade” (ou as repetições das quais se vale o ator para, de modo performativo, atualizar algo no corpo), acaba-se por toma-lo como modelo para a fabricação de cacoetes. Perde-se tanto em frescor quanto em singularidade; e aquilo que marcou a performance de um Nicholson como diferente, torna-se alvo de uma espécie de comércio, como se fosse possível “comprar um método como garantia do sucesso”.
Não que a cultura atoral não possa, na medida da criação dos procedimentos, difundi-los e perpetuá-los. É que a aplicação em série sem considerar a singularidade dos processos impede o artista-ator de imprimir justamente o que faz o brilho de um Nikolson, dos atores de Cassavetes, Dean ou Brando – e que é o espaço da contingência e o espírito de descoberta da criação in experiência (e não mera repetição de procedimentos já consolidados).
Rejane K. Arruda. BISTURI julho 2012.