Mônica
Vitti na Linguagem Antonioni: Notas sobre “O Deserto Vermelho”
Rejane Kasting
Arruda
Apesar
da cor já estar sendo utilizada a um bom tempo no cinema, é somente em 1964,
com “Deserto Vermelho”, que ela aparece em Antonioni. E como material de uma escrita
fílmica que porta abstração, parece assumir um valor de contrassenso, de estranhamento,
muitas vezes em extensão à construção da personagem feminina interpretada por
Monica Vitti.
Logo
de início, o verde do casaco de Giuliana “grita” em contraste com a palidez do
cenário. O mundo está desfocado. Tanto o jogo do desfoque quanto da cor e parece
misturar-se a plasticidade do olhar da mulher. São muitos materiais por onde
ela constrói a angústia: os gestos trêmulos, o balbucio da voz, as falas
interpelativas. Mas a artificialidade da cor parece se descolar dos ambientes,
como se o fundo fosse falso.
A
diegese convive com a abstração, apresentada de maneira clara e evidente: o trauma
foi grande; Giuliana ainda não voltou ao normal; está tentando montar um
negócio; eles têm um filho e o casamento não vai bem. É quando outro homem aparece.
Por dar pouco valor ao trabalho e estar também em uma espécie de errância,
parece combinar melhor com ela. Ele imediatamente se apaixona pela fêmea. Quanto
ao marido, o que encontra é a intimidade, a camisola, a descabelada.
A
sonoplastia estridente faz alusão às vozes que a personagem feminina escuta. A
mulher contorcida, sozinha no hall frio de paredes brancas e o marido em contra-plongè. O filme salta desta
parede para outra: cheia de musgos. Há pensamento neste movimento? De repente, o
olho de Giuliana. Gestos muito rápidos e muita tinta na parede. “São cores que
não perturbam”, ela diz, com um displicente gesto de ajeitar o cabelo caído na
testa. Para uma ilusão de naturalidade? Uma folha de jornal que cai no chão
adquire um valor incrível quando se enlaça aos pés dela.
O
cinema de Antonioni é cheio de recortes, de materiais que saltam aos olhos para
depois se perder na brancura, na indeterminação, no alheamento. Ela está alheia.
“Estou sempre cansada”, diz. Mulheres enigmáticas, perturbadas, estas do
Antonioni! O homem a acompanha de perto. Ela é linda e frágil. Ele a distrai
com qualquer coisa. Com as suas mãozinhas misturadas à estampa do sofá, ela parece
criança. O homem escuta as suas histórias: “Como se estivesse escorregando num
plano inclinado, caindo”. “Quem sou eu?” O ambiente: a areia, as árvores, o
navio – tudo desfocado. Uma linha, apenas, definida: o seu rosto.
De
repente, outra mulher: vulgar e de pés grandes. Ela se diverte com os casais.
Lá fora tudo é cinza. “Parece que lavei os olhos. O que devo fazer com meus
olhos?” ela diz. A presença inesperada do navio. Afinal, alguém gritou ou não?
Às vezes, parece Beckett! Os rostos na neblina. Somem. “Sabe o que quero? Ter
todas as pessoas que me querem bem aqui, como um muro” ela diz. A palavra
prenhe de significação.
Bicho
abatido estático despedaçado pela câmera-linguagem de Antonioni enquanto o
homem invade os seus cabelos e o seu ombro. O sexo não. Depois, mais que isto,
em meio à imprecisão do enquadramento, agora muito de perto, difuso. “Faço de
tudo para voltar à realidade” ela diz. “Há algo de terrível na realidade e eu
não sei o que é”.
Em
todo lugar por onde ela passa tem cores. Mas os pássaros não passam mais pela
fumaça amarela, pois sabem que é tóxica.