A MÃO DA
MÚMIA
Rubens
Francisco Lucchetti
Há alguns anos, tomei conhecimento de
uma estranha história protagonizada pelo mais famoso quiromante que o mundo já
teve, o conde Louis Hamon, que usava o pseudônimo de Cheiro (a pronúncia é
igual ao nome da capital do Egito, Cairo), e sua esposa.
Na década de 1890, o conde Louis Hamon estava trabalhando no Vale dos Reis, nas
proximidades de Luxor, no Egito, e tinha uma boa amizade com um guia egípcio
que lhe salvara a vida. Certo dia, quando anunciou que iria partir de Luxor e
regressar à Europa, Hamon recebeu um presente desse guia.
– Mas é uma mão! – Exclamou Hamon, alarmado.
A mão estava em excelente estado de conservação. Era delicada e devia ter
pertencido a uma mulher da nobreza. As unhas tinham uma forma perfeita e
estavam cobertas de ouro laminado. No primeiro dedo havia um anel de ouro, no
qual Hamon conseguiu ver alguns minúsculos hieróglifos.
De constituição sólida, como se tivesse sido esculpida em madeira maciça, a mão
tinha uma cor que lembrava a da noz. Fora decepada praticamente no ponto em que
se iniciava o pulso, e seus ossos tinham a brancura e o brilho de uma pérola.
Uma mão não é o tipo de presente que alguém gosta de receber. No entanto, o
quiromante interessou-se por ela, quando o egípcio falou:
– A história dessa mão é verdadeiramente fantástica e tem sido passada de
geração em geração através dos séculos.
– E que história é essa? – Indagou Hamon.
– Ela pertenceu a uma das filhas de Akhenaton e Nefertiti, a princesa
Meketaten. Certa vez, a princesa Meketaten montou um exército e atacou o Templo
de Karnak, em Tebas, numa tentativa de arrasar o poder dos adoradores do deus
Amon de uma vez por todas e instituir definitivamente o culto ao deus Aton. Mas
terminou sendo morta.
Então, teve a mão decepada e mumificada. Durante vários
séculos, a mão ficou exposta no Templo de Karnak, para que todos fossem
testemunhas do poder indestrutível de Amon. Depois, minha família se tornou sua
guardiã.
O egípcio fez uma ligeira pausa, olhou com veneração para a mão e concluiu:
– Dentro dessa mão está o ka, a energia vital da princesa Meketaten.
E, agora, você está se tornando seu guardião.
Hamon voltou para a Europa; e, por mais de três décadas, a mão ficou sobre uma almofada carmesim, em sua sala de visitas.
Hamon voltou para a Europa; e, por mais de três décadas, a mão ficou sobre uma almofada carmesim, em sua sala de visitas.
Em 1922, Hamon e sua mulher residiam em Dublin. Como a Irlanda estava sendo
abalada por disputas políticas, decidiram mudar para a Inglaterra.
Quando empacotava as coisas para a mudança, Hamon notou que a mão estava meio
macia e que algumas gotinhas de sangue haviam vazado dos nós dos dedos e de sob
as unhas. Imediatamente, o quiromante levou a mão a um farmacêutico, que, após
examiná-la, deu seu parecer:
– Para que possa ser conservada e ter rigidez, deve aplicar nela uma camada de
piche e verniz.
Hamon seguiu a orientação do farmacêutico; e, durante alguns dias, aquilo
surtiu efeito.
Em 31 de outubro de 1922, uma terça-feira, estava tudo pronto para a mudança. A
única coisa que faltava empacotar era a estranha mão mumificada de Meketaten,
pois voltara a sangrar.
O casal, então, resolveu colocar um ponto final no problema. A mulher apanhou o
Livro dos Mortos do Antigo Egito e leu:
– Ó Isis, que teu sangue atue! Que tua radiação atue! Que a força de tua magia
atue! Protege, ó deusa, este poderoso espírito e evita-lhe o contato com os
seres que lhe inspiram horror e repugnância!
Enquanto ela lia, Hamon jogou mão e almofada na lareira acesa.
No mesmo instante, as chamas tornaram-se mais brilhantes; e o ar ficou
impregnado do delicioso aroma de várias especiarias. Hamon e sua esposa ficaram
estáticos, olhando para a lareira, até a mão ser completamente queimada.
Em
seguida, certos de que tinham feito o melhor possível, retiraram-se para dormir.
Era uma noite clara e limpa. Porém, no exato momento em que o casal começava a
subir as escadas, um vento forte os fez parar. O vento parecia reunir uma força
tremenda, que castigava as portas de carvalho maciço. Enquanto Hamon e sua
esposa olhavam horrorizados, pareceu desenvolver-se uma grande pressão contra
as portas, que subitamente se abriram com estrondo. Lá fora, entretanto, não
havia nada além do jardim banhado pelo luar.
Depois, do outro lado da porta, alguma coisa pareceu materializar-se. Em seguida,
essa coisa movimentou-se pelo terraço e pela saleta de entrada, onde
gradualmente começou a tomar forma e deu lugar a uma figura de mulher. Era
muito bonita; e seu rosto, cujos traços denotavam nobreza e orgulho, voltou-se
para o casal. Na cabeça trazia um adorno de ouro com formato de asas de
escaravelho, cujas extremidades repousavam de forma graciosa nos ombros.
No
centro da testa havia uma argola dourada, que é o símbolo da realeza egípcia.
A figura ficou parada por alguns segundos. Então, começou a movimentar-se pela
sala, olhando diretamente para Hamon e sua esposa. Suas duas mãos estavam
juntas, como num momento de êxtase. Parecia estar tentando falar alguma coisa,
mas de seus lábios não saía som algum. De repente, jogou a cabeça para trás;
ergueu lentamente as mãos, formando um arco; e fez várias reverências para o
casal. Depois, ainda mantendo a mesma postura, afastou-se, atravessou a porta e
perdeu-se na escuridão.
Foi um espetáculo assustador demais; e, naquela noite, Hamon e sua mulher não
conseguiram conciliar o sono.
Pela manhã, o quiromante revolveu as cinzas apagadas da lareira e encontrou o que restava da mão: alguns ossos meio queimados. Em seguida, viu o anel de ouro, intacto; e deduziu que o ka da princesa Meketaten tinha sido finalmente libertado da prisão criada havia vários séculos pelos sacerdotes do Templo de Karnak.
Pela manhã, o quiromante revolveu as cinzas apagadas da lareira e encontrou o que restava da mão: alguns ossos meio queimados. Em seguida, viu o anel de ouro, intacto; e deduziu que o ka da princesa Meketaten tinha sido finalmente libertado da prisão criada havia vários séculos pelos sacerdotes do Templo de Karnak.
O mais estranho nessa história é que o ka
da princesa Meketaten foi aprisionado pelos sacerdotes do deus Amon; e, 34
séculos depois, libertado por um homem com o sobrenome de Hamon. Agora, fica a
pergunta: será que o conde Louis Hamon, com toda sua sapiência e seus
conhecimentos de ocultismo, percebeu que havia uma analogia entre seu sobrenome
e o nome do deus egípcio?
Rubens Francisco Lucchetti é ficcionista
e roteirista de Cinema e Quadrinhos