Vera Hamburger é formada em arquitetura e urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo em 1989. Atua, desde 1985, nas áreas da direção de arte e cenografia para teatro, dança, ópera, cinema e exposições, além de dedicar-se á pesquisa ensino sobre o mesmo tema.
Você é formada
em arquitetura e urbanismo pela USP em 1989. Essa formação acadêmica foi
fundamental para a sua profissão de diretora de arte e cenógrafa?
Sem dúvida o curso de arquitetura e urbanismo foi fundamental para a minha
atuação profissional. A FAU USP dos anos 80 era muito especial. Era um curso
que reconhecia e se baseava na importância da experiência multidisciplinar como
geradora de conhecimento. Tive professores interessantíssimos como os
arquitetos Joaquim Guedes e Paulo Mendes da Rocha (recém chegado do exílio), a
artista plástica Renina Katz e a historiadora e crítica de arte Ana Maria
Belluzzo. A convivência com essa geração
foi essencial.
A FAU me proporcionou a prática diária do pensamento de projeto, a atenção
sobre as relações que se podem construir entre a forma e a ação, o exercício
contínuo com a linguagem das linhas, volumes, cores, texturas, brilhos e
sua história começou ali, com um nível de discussão elevado. Esse tipo de
experiência você leva para a vida inteira.
Assim que você se forma já começa a desenvolver
trabalhos no cinema, teatro ou em filmes publicitários. Como fez para as
pessoas acreditarem em uma recém formada, justo em áreas tão acirradas em sua
disputa de espaço?
Na verdade comecei por ação do acaso, levada por amigos em comum, a fazer
teatro com o José Celso Martinez Correa, também recém chegado do exílio.
Tratou-se da leitura dramática de Roda
Viva e O Homem e o cavalo, de
Chico Buarque e Oswald de Andrade. Uma série de leituras dramáticas que o
produtor Marcelo França encampou e atores como Paulo César Pereio, Célia
Helena, Lélia Abramo e Elke Maravilha participaram.
Depois dessa experiência me apaixonei por essa profissão que já fazia parte
de minha vida desde criança através da convivência com meu tio Flávio Império.
Meu irmão, Cao Hamburger começava a fazer cinema como diretor de curta metragem
de animação em massinha (Frankenstein Punk) e efeitista especial. Pedi a ele
uma indicação como estagiária de cenografia. E assim fiz meu primeiro filme
longa metragem como estagiária e depois assistente do cenógrafo Beto Mainieri,
numa produção da resistente Vila Madalena dos anos 1980. O filme chamava-se O beijo 2348/75, dirigido por Walter
Luís Rogério.
Segui fazendo cinema, ópera, teatro e exposições. Primeiro como assistente
de cenografia, depois cenógrafa, depois diretora de arte. Fiz muito poucos
filmes publicitários e praticamente nada de arquitetura de edificações.
Poucos conhecem outra faceta da sua biografia:
você atuou em espetáculos de dança e óperas. Como foi a experiência?
É ótimo experimentar diversas linguagens. A
multidisciplinaridade me encanta. É muito bom você trabalhar o espaço e a
criação de atmosferas, para cenas tão diversas. O corpo ágil do bailarino
contracena com a plasticidade que o envolve de maneira absolutamente diferente
do cantor operístico, do ator teatral ou cinematográfico. O visitante de uma
exposição, outra área a que me dedico, também ocupa e contracena com o ambiente
a seu redor. Todos eles criam narrativas absolutamente próprias a partir da
experiência de seu corpo no espaço, das qualidades visuais e táteis que o
compõem.
Para mim o prazer da criação da visualidade desse
corpo no espaço é o mesmo em todos os suportes.
Pensa em atuar novamente?
Sem dúvida, havendo oportunidade será ótimo!
Em 1993, você assinou a cenografia de ‘Lamarca’,
de Sérgio Rezende. Como foi o desafio de protagonista nesta área?
Antes de
Lamarca,um coração em chamas, de Sérgio Rezende eu já tinha uma experiência
razoável em cenografia. Era arquiteta formada. Tinha trabalhado como assistente
de cenógrafo Felippe Cerscentti em projetos de
cenografia para cinema, ópera e teatro, além do projeto de arquitetura da 21ª
Bienal Internacional de São Paulo. Já havia assinado minha primeira cenografia
teatral no espetáculo Parzifal, de
Jorge Takla, e já havia participado da produção internacional Brincando nos Campos do Senhor, de
Hector Babenco, duas produções grandes.
Lamarca foi meu primeiro
filme como cenógrafa. Uma das primeiras produções do ciclo pós Plano Collor,
conhecido como o “Cinema da Retomada”. Um filme de desafio duplo: baixíssimo
orçamento e realizado inteiramente em locação. Filmamos em Vitória, no Espírito
Santo, e numa cidade muito pequena e de condições precárias chamada . Uma vila
onde não havia energia elétrica, luz, televisão. Uma bela experiência.
O diretor de arte era Clóvis Bueno com quem
trabalhei em mais de 10 filmes e por mais de 10 anos, e ao lado de quem assinei
minha primeira direção de arte, anos depois. Um presença essencial.
Em 1999, você faz seu primeiro trabalho como
diretora de arte, em ‘Castelo Rá-tim-bum’. Esse trabalho é considerado um marco
nas produções do gênero infanto-juvenil. Quais são as suas principais
recordações desse trabalho?
O Castelo
Ra tim bum, o filme foi uma oportunidade maravilhosa de desenvolvimento de
projeto. Tínhamos em mãos personagens incríveis, um universo fantástico – no
duplo sentido da palavra –, um roteiro estruturado, equipe extraordinária e
ótimas condições de produção.
Construímos uma verdadeira fábrica de cenografia
com os melhores profissionais do momento e pudemos experimentar inúmeras
soluções cenográficas, de figurino, maquiagem e efeitos especiais. Foi uma
escola.
O sucesso da cenografia e direção de arte desse
filme foi tão grande que virou uma grande exposição (com filas quilométricas)
no Sesc Belenzinho. Esperava essa resposta do público?
É sempre muito recompensador quando a gente
consegue entrar em sintonia com o público e essa exposição foi um exemplo muito
forte nesse sentido. Foi muito interessante proporcionar ao espectador do filme
a vivência dos cenários em sua completude. A força motriz do projeto dessa exposição foi
criar atmosferas dramáticas para a experiência direta do público a partir dos
cenários, inteiramente reconstituídos e “vivificados” pela luz e o som, e
atividades interativas.
Em 2002 você volta a repetir a parceria com o
cineasta Hector Babenco, desta vez no filme ‘Carandiru’. Como foi criar um
presidio? Esse foi um dos trabalhos mais complexos que desenvolveu?
Sem dúvida. O Carandiru
foi um filme difícil de encarar. Eu havia acabado de fazer o road movie
tragi-cômico de Cacá Diegues, Deus é
brasileiro. Caí do paraíso das mais lindas paisagens do país – filmamos na
foz do Rio São Francisco, no sertão do
Pernambuco, nas praias de Alagoas - no inferno do maior presídio da
América Latina, para contar a história de um dos piores massacres nacionais.
No princípio foi um choque, porém a experiência
com o universo contido, vigiado e esquizofrênico do Carandirú foi incrível. A direção de arte desse filme é assinada por
Clóvis Bueno e eu me encarreguei da cenografia.
Parte das filmagens foram nos antigos estúdios da
Vera Cruz (em São Bernardo do Campo, São Paulo). Bateu um clima de nostalgia ao
entrar lá?
A volta dos que não foram … Os estúdios da Vera
Cruz são uma referência muito forte prá gente. Um estúdio com recursos inauditos
no Brasil. Foi uma experiência importante utilizar seus espaços.
Com Helvécio Ratton você trabalhou em ‘O menino
maluquinho’ (1994); ‘Amor e cia’ (1997) e; Uma onda no ar (2001). Você acredita
que essas parcerias são importantes para o desenvolvimento de um trabalho?
Todas as parcerias são importantes para o
desenvolvimento de um trabalho.
Em ‘Hoje’ (2011), de Tata Amaral você conquista o
prêmio de melhor direção de arte no Festival de Brasília de 2011. O que
os prêmios representam para você?
Os prêmios são bons de ganhar. Você se considera uma profissional consagrada?
Não penso sobre esses termos. Me sinto uma profissional que adora trabalhar e buscar a cada projeto sua cara.
Qual é a sua relação com o curta-metragem?
Fiz poucos curtas em minha vida. Acho que não passam de cinco. Foram experiências ótimas.
Muitos profissionais que hoje iniciam no cinema podem se sentir inibidos com um convite para você ingressar na produção deles. O que tem a dizer para estas pessoas?
Não fiquem inibidos! Conversando a gente se entende.
Para finalizar, gostaria de saber se chegará o dia em que você irá dirigir um filme.
Será? É uma pergunta que também me faço.