segunda-feira, 14 de julho de 2014

Carlos Miranda

 
O senhor foi o ator do primeiro seriado filmado em película para televisão da América Latina. Quais são as suas principais recordações desse período?
Era um tempo bem difícil, pois ninguém acreditava numa série brasileira para a TV. Ser pioneiro naquele tempo era uma grande aventura. Mas deu tudo certo com a força dos colegas e técnicos e o valioso patrocínio da Nestlé. Desde o início quando fui trabalhar nos Estúdios Maristela, fazendo todo tipo de serviço (auxiliar de produção, motorista, etc..) minha meta era bem clara: entrar no mundo do cinema. Quando fui escolhido para o papel, vi meu sonho se realizar...
 
Como foi o trabalho como cantor de circo aos 15 anos de idade?
Foi o começo de tudo. No circo tinha um número de música e também um "teatro" de cena curta. Tudo o que eu mais queria era estar nesse meio. Como não tinham vaga para ator, disse que cantava também, e assim entrei no circo como cantor. Foi uma carreira breve, mas era o início.
 
Como era o seu dia a dia na Maristela, no bairro do Jaçanã? O que fazia lá? O senhor trabalhou lá até o seu fechamento?
Eu ia na Maristela levar documentos para o Alfredo Palácios que era o principal produtor do estúdio, e assim fiz amizade com ele e com seu assistente Ari Fernandes que seriam no futuro o diretor e produtor do "Vigilante". Fui ficando por lá até seu fechamento quando levaram os equipamentos para montar o primeiro estúdio de dublagem de São Paulo, a Gravasom, que posteriormente seria a AIC na Rua Tibério na Lapa - SP.
 
“O Vigilante Rodoviário” foi um grande sucesso, o senhor foi escolhido como protagonista entre mais de 120 candidatos. Como foi essa seleção?
O diretor procurava um tipo bem brasileiro que se adequasse ao papel. A seleção envolveu atores de teatro e policiais. Vários candidatos foram testados e quando ele já estava desistindo a D. Inês a esposa do Ari sugeriu que ele fizesse um teste comigo que já atuava em teatro amador pelo Teatro Popular do Sesi, e já tinha visto os testes anteriores. Fui escolhido e deu certo.
 
O que achou da decisão do produtor e o diretor da série em transformar cada 4 episódios em um filme longa metragem e lançar no cinema?
Foi uma decisão lógica para divulgar o programa, pois havia salas de cinema em quase todas as cidades do Brasil, ao contrário de tevês que quase não existiam naquele tempo ( menos de 30% das casas tinham tevê).
 
 
Muitos atores hoje famosos começaram suas carreiras participando da série, entre eles: Rosamaria Murtinho, Fulvio Stefanini, Juca Chaves, Ari Toledo, Ari Fontoura, Milton Gonçalves, Luiz Guilherme, etc... considera a série o maior marco da sua trajetória profissional?
Não posso responder por todos, mas acho que a maioria considera a série do Vigilante uma grande oportunidade que aconteceu em suas vidas artísticas.
Eles eram iniciantes e a participação numa serie de cinema para tevê era tudo o que eles precisavam para se projetar.
 
Os atores e postulantes a atores pediam para trabalhar na série ou eram convidados?
Alguns foram convidados e outros se prontificavam a trabalhar mesmo sem um bom cachê, para se lançar na TV. Mas todos sempre acreditaram no projeto.
 
O senhor sofria que tipo de assédio graças ao sucesso da série?
Foi uma surpresa mesmo. O assédio a princípio foi mais pelas crianças, mas com o crescente sucesso da serie adultos se aproximavam e queriam falar e tocar no "Vigilante". Sentiam que tudo o que transmitíamos era verdade: a ética, os bons exemplos, a divulgação da nosso cultura, etc...
 
O inspetor Carlos ficou tão conhecido que o senhor foi convidado a entrar na Polícia Rodoviária de São Paulo em 1965, onde ingressou após prestar concurso e cursar a Academia Militar do Barro Branco. Por que tomou essa decisão?
Minha opção em continuar o trabalho do personagem foi motivada pela paixão despertada pelos valores morais, éticos, e que esses valores deveriam ser sempre mostrados através do trabalho do policial consciente de seu dever em ajudar o próximo.
 
 
Muitos críticos consideram a sua decisão de trabalhar na policia como equivocada, já que o senhor teria enormes possibilidades de seguir na carreira artística. Hoje, refletindo, considera acertada a sua decisão de trabalhar na policia?
Infelizmente grande parte da população não conhece o trabalho da instituição que é a Polícia Militar. Embora minha decisão de deixar minhas origens de circo, teatro, cinema e TV, possam parecer conflitantes, para mim parece muito lógico, pois segui minha consciência.
 
Em 1992, o senhor foi citado no Livro dos Recordes (Guinness Book) como sendo o único ator a se tornar na realidade, o personagem que havia interpretado na ficção. Qual é o impacto deste feito na sua vida?
Quando o Ari Fernandes, criador da serie me informou de nossa citação no Guinness, nos sentimos recompensados pelo sacrifício de noites mal dormidas, da incompreensão de algumas pessoas, e nos sentimos realizados e estimulados.
 
Nunca pensou em atuar em telenovelas?
Quando terminou a série, fui convidado para atuar na TV, mas nesse tempo eu abri uma produtora de comerciais, e depois de dois anos entrei para a polícia e daí fiquei sem tempo. Meu trabalho era o de policial. Participei do filme "Independência ou Morte" com o Tarcísio Meira, a Glória Menezes, e muitos outros, como diretor de produção e fiz dois papéis também. Fiz também um longa-metragem "Até o último mercenário", mas tudo isso nas férias da polícia. Novela seria impossível.
 
Quais as suas principais recordações do cão Lobo, que morreu em 1971?
Foi o meu melhor companheiro, o animal mais inteligente que conheci. Ele sabia o que fazer em cena só com um gesto. Até o Luiz Afonso, seu dono, ficava impressionado com nossa afinidade. Sinto muito sua falta. Foi meu melhor "colega" de trabalho.
 
A série teve apenas 38 episódios filmados e dois anos no ar pela TV Tupi, e TV Cultura, mas é nítida a lembrança por pessoas, até mesmo jovens, desse trabalho. Na sua opinião, por quais motivos essa série está na memória afetiva de milhares de pessoas?
É mesmo um fenômeno! Eu acho que a série remete as pessoas à sua infância, a um tempo que deixou lindas lembranças. Nos eventos que participo muitas pessoas chegam às lágrimas de emoção quando se referem ao seu tempo de criança quando esperavam ansiosamente encontrar semanalmente seu herói da TV. É muito gratificante.
 
A reprise da série pela Rede Globo em 1976, e recentemente pelo Canal Brasil em 3 temporadas deu boa repercussão para o senhor? Tem ideia da audiência? Aumentou ainda mais o número de fãs?
Sem dúvida! Muitos jovens chegam no stand do Simca nos eventos e dizem que viram a serie na TV junto com seus pais e avós. É emocionante.
 
O ‘Vigilante Rodoviário’ pode ser considerado um herói genuinamente brasileiro?
Sem dúvida! Essa sempre foi nossa intenção e a repercussão até hoje demonstra que acertamos. Tivemos o cuidado de transmitir valores, paisagens, cultura e ambientes tipicamente brasileiros.
 
Há muitos estudos na área de marketing, e publicidade, bem como nas de sociologia, psicologia e antropologia a respeito do seu trabalho. Os estudantes ainda te procuram?
Bastante. Dou muitas entrevistas e faço palestras em faculdades de comunicação, jornalismo, teatro etc...
 
Foi no Teatro popular do SESI que o senhor atuou na peça “O ídolo das Meninas” de Gastão Tojeiro. Como foi esse trabalho?
Foi minha primeira atuação no palco. Eu fazia artes cênicas no Teatro Popular do SESI, a Laurita, diretora de interpretação no curso e o Vicente Sesso professor de teatro me deram essa chance.
 
O que o teatro representou na sua carreira?
O teatro é a mãe e o pai das artes cênicas. O princípio de tudo. Aprendemos a encenar no teatro. O resto vem depois...
 
Como é o seu dia a dia em Águas da Prata – SP?
Entre uma viagem e outra, recebo fãs, participo da vida da cidade, visito amigos, etc... uma vida "quase" normal.... rsrrs
 
O senhor participa de Encontro de Carros Antigos por todo o país, resgatando a memória da TV e cinema brasileiros, e também leva a universidades, escolas, empresas e comemorações cívicas em forma de palestras o trabalho que a Polícia Militar do Estado de São Paulo desenvolve em prol da população. Fale sobre essas ações que realiza.
Hoje em dia é minha principal atividade. Acho que estar sempre ativo preserva a saúde tanto física quanto mental, além da importância do resgate da memória da TV e cinema. A imagem do "Vigilante" é importante para esse resgate. Esse trabalho envolve também participações em festividades cívicas e da polícia.
 
Para finalizar, gostaria de saber se nunca teve receio de ser considerado um ator de um trabalho só.
Como ator, brasileiro que sempre colaborou com seu país, só fiz o que meu coração pediu sem a preocupação de estrelismo fácil. Acredito que cada um tem o seu caminho. O meu foi este.