quinta-feira, 24 de julho de 2014

Denise Dumont

 
Em qual momento da sua vida você decidiu ingressar na carreira artística?
Aos 15 anos quando entrei para o Teatro Amador do meu colégio. O Bennet no Rio de Janeiro. Apesar de ser extremamente tímida, a experiência do palco me deu um senso de liberdade e felicidade que eu nunca havia sentido antes. Me apaixonei.
 
Você sofreu enfrentamento dos seus familiares ao decidir seguir nessa direção?
Sim. Meu pai foi totalmente contra durante vários anos.
 
Seu pai, o compositor Humberto Teixeira, é também artista. É mais difícil ter um parentesco da área artística ou não, quando se trabalha com arte (apesar das áreas dispares)?
Não necessariamente. A dificuldade no meu caso foi a posição rígida, machista e antiquada de meu pai no princípio. A minha mãe e meu padrasto me incentivaram. Acho que na verdade ter artistas na família é uma fonte de apoio e compreensão.
 
Seu ápice em termos de projeção foi na década de 80, com a novela Baila Comigo e o filme Rio Babilônia, entre outros trabalhos. Como foi os 80 para você?
Bastante interessante, transformador e desafiador. Fui apresentada ao cinema, e adorei trabalhar em novelas como ‘Marina’, ‘Marron Glacé’, ou minisséries como ‘Quem Ama Não Mata’. Fiz bastante teatro, mudei de país e tive a chance de trabalhar com diretores fantásticos do Brasil e dos Estados Unidos. Foi uma década extremamente importante para a minha vida pessoal. Casei novamente e tive a minha filha Anna Bella.
 
Você começou a fazer cinema numa época que o cinema brasileiro era muito transgressor. Como lidava com essa ebulição cultural?
Eu estava nos meus 20 anos e era o momento ideal para ser transgressora! Era uma época muito inspiradora artisticamente. Acho que a ditadura, censura, etc. nos obrigava a acharmos formas criativas de nos comunicarmos e driblar a caretice geral. Metáforas reinavam e isso pra mim é interessante.
 
Hoje o cinema nacional está muito comportado, politicamente correto?
Não sei. Acho que o cinema brasileiro cresceu muito de tamanho e por isso tem de tudo. Tem muita bobagem, mas tem muita coisa fantástica! Ninguém pode acusar Claudio Assis ou Lírio Ferreira de serem politicamente corretos. Na minha opinião, eles são transgressores, inventivos, poetas e altamente talentosos. Adoro a onde de documentários que assola o país. É um resgate gigantesco da nossa história! Eu gostaria de ter todos! Uma grande coleção. Especialmente os musicais...
 
Por outro lado, quando vejo coisas como 'Os Penetras', não sei nem o que dizer.
 
E a ditadura? Como ela afetou a sua vida?
Artisticamente, ao mesmo tempo que nos impedia de montar certos trabalhos, nos forçava a achar saídas criativas. Mas isso é meio pegar um limão e fazer limonada. Foi horrível!
 
Pessoalmente, afora ver amigos de meus pais desaparecerem, ou serem exilados, vi minha própria família ser dividida. Meu padrasto, o locutor e jornalista Luiz Jatobá, por ter peitado a ditadura acabou tendo que sair do país e ele e minha mãe se mudaram para os EUA onde ficaram até a morte.
 
Na época (anos 80), você posou duas vezes para a revista Playboy, naquele período era um fato raro posar duas vezes para a mesma publicação. Como você lidava com o seu corpo e com o apelo sexual que o público e a mídia lhe impunham?
Pois é. Outro dia me deparei com uma das revistas, em que eu estava na capa como "musa do verão". Quase morri de tanto rir, pois sou pálida e nunca gostei muito de praia ou de calor!
 
Eu era muito nova, meu pai que como disse antes era muito rígido, tinha morrido, minha mãe vivia exilada em outro país, eu fui educada em casa e na escola com a ideia de pecado e de tudo ser proibido e feio e portanto tinha uma necessidade imensa de romper barreiras, de me libertar e essa foi uma das razões de pousar nua, fazer filmes transgressores, etc. Era uma postura pública mais do que pessoal. Eu não gastava nenhum tempo pensando no meu apelo sexual...
 
Há alguma diferença entre a nudez para uma revista e atuação com nudez à frente das câmeras?
Sim, é claro. Há uma grande diferença. Nas telas ou nos palcos, é um personagem que se desnuda para ajudar a contar uma história, dentro de um contexto.
 
Numa revista você não tem essa proteção. Ou você faz isso para romper um tabu pessoal, por vaidade ou por dinheiro.
 
Há mais de 25 anos você mora em Nova York. Por que decidiu sair do país?
Foi por acaso. Eu vim para visitar a minha mãe e ficar duas semanas. Aí veio a "roda viva" e carregou minha viola pra cá... O Beijo da Mulher Aranha estreou e foi muito bem. Por causa do meu pequeno papel fui convidada pelo Woody Allen a trabalhar no ‘Radio Days’, conheci meu marido, casei e mudei! A vida foi acontecendo. Não foi planejado.
 
Denise em 'Rádio Days'.
 
Você, como produtora, lançou o documentário ‘O Homem que Engarrafava Nuvens’. Em algumas entrevistas você mencionou que se sentia envergonhada em não ter feito nada para salvaguardar a memória do seu pai. A realização do documentário surgiu a partir deste ponto de partida?
Sim. Inspirada pela minha grande amiga Ana Jobim, viúva do Tom e guardadora da memória dele como ninguém!
 
A memória do nosso país é escapista, fugidia. Mesmo cantores consagrados são, por vezes, esquecidos. Seu pai, o compositor Humberto Teixeira, era um sujeito que ficava nos bastidores. Desta maneira, como criou e incitou o público a ir ao cinema, mesmo ele não sendo um profissional de vitrine, portanto com pouco “apelo”?
O filme foi um sucesso de crítica e de festivais pelo Brasil e o mundo, ganhando inclusive os prêmios de melhor filme documentário e de melhor trilha sonora pela Academia Brasileira de Cinema. Infelizmente, porém, não foi um sucesso de bilheteria de maneira nenhuma. Uma pena. Meu consolo é que é um filme que vai ficar para sempre. É um documento da nossa história! Lírio Ferreira fez um lindo trabalho.
 
Podemos dizer que ‘O Homem que Engarrafava Nuvens’ é somente a sua primeira incursão como produtora? Outros trabalhos virão?
Espero que sim. No momento estou começando alguns projetos.
 
“O frustrante na vida de atriz é que você depende de alguém te oferecer um papel. Produzindo, você gera o trabalho.” Discorra sobre essa sua frase.
É exatamente isso. E a única maneira de não se ficar à mercê dessa situação é gerar o próprio trabalho. Hoje em dia, cada vez mais atores escrevem, dirigem, produzem, filmam, colocam na internet ou aonde for suas ideias. Ninguém fica sentado esperando ser chamado. Acho isso muito mais interessante!
 
Muitos críticos consideram que ‘Rio Babilônia’ foi o seu maior trabalho no cinema. Concorda com isso?
Não. Acho que foi um bom e corajoso trabalho, mas não sei se foi "o maior". Todos foram bastante importantes pra mim. Cada um à sua maneira. Eros foi um desafio por contracenar com a câmera que era subjetiva. Terror e êxtase por ser o primeiro, pela violência do tema e pela exposição. Beijo da Mulher Aranha por ser de época e em inglês. Era do Rádio por ter que cantar...
 
Enfim, cada um foi um desafio diferente.
 
Há uma cena em especial nesse filme, a da piscina, que entrou para o folclore do nosso audiovisual. A que motivos você credita isso?
Gostaria de dizer que foi por conta da beleza da fotografia...
 
Acho que foi por ser uma cena forte, sem apologias, corajosa, quase pornográfica, que tocou na fantasia das pessoas, aonde se pensa que se está vendo uma coisa real, sei lá. Só me lembro que estava um frio tremendo, eram 3 ou 4 da manhã e tinham umas 100 pessoas em volta da piscina, o Neville dirigindo, o diretor de fotografia dentro d'agua com a câmera, enfim o oposto do clima que se vê na cena.
 
Gostaria que falasse, um a um, dos seguintes filmes:
 
‘Bar Esperança’
Foi uma ponta! Mas foi uma honra participar de um filme do Carvana.
 
‘O Beijo da Mulher Aranha’
Adorei! Tudo sobre esse filme foi bom. Me diverti muito com o Hector, a Sonia, o Patrício Bisso, afora fazer grandes e boas amizades. Pena que o filme dentro do filme, do qual eu participo, acabou ficando muito longo e foi bastante cortado. Mas fazer foi o máximo!
 
‘Jorge, um Brasileiro’
Foi um prazer trabalhar no Brasil novamente depois de ter me mudado pra cá. O Ricceli é maravilhoso e o Paulo Thiago e a Glaucia são muito gentis.
 
Cinema é a sua essência como atriz?
Não sei. ADORO cinema, mas também gosto demais de teatro e de televisão. Talvez em termos de resultado eu prefira cinema.
 
Denise atuou no filme dos Trapalhões.
 
Você trabalhou com diversos cineastas de diferentes estilos como Neville D’Almeida, Hector Babenco, Hugo Carvana, etc. É preciso adaptação para condutas e normas de trabalho tão antagônicas?
Sem dúvida. Mas foi um privilégio trabalhar com todos eles!
 
Qual é o trabalho que mais se orgulha ter realizado?
O Homem Que Engarrafava Nuvens.
 
E o pior trabalho?
Uau! Não sei. Provavelmente se foi tão ruim eu esqueci.
 
Morando em Nova York, apareceu o convite para fazer ‘A Era do Rádio’, de Woody Allen. Como foi isso?
Ele viu o ‘Beijo da Mulher Aranha’ e mandou me chamar.
 
Esse convite foi antes de estudar teatro na Universidade de Nova York (NYU)?
Depois.
 
Denise com Miguel Falabella em 'O Beijo da Mulher Aranha'.
 
‘Marron Glacê’ e ‘Baila Comigo’ são algumas novelas que você atuou. Como é atuar em telenovelas?
Divertido, dependendo do elenco e da equipe, mas é muito trabalho! Se grava muitas cenas por dia e se o papel for bom, o preço é ter que decorar páginas e páginas de texto! É um grande exercício e você tem tempo de desenvolver o personagem. É muito legal.
 
Sua aparição mais recente na televisão brasileira foi em ‘As Cariocas’. Como foi para você?
Antes disso, fiz um episódio de ‘Mulher’, com a Eva Wilma e a Patrícia Pilar, que foi muito bom mesmo. Quanto à ‘As Cariocas’, foi uma oportunidade que o Daniel Filho me deu de voltar à TV como uma mulher mais velha, fazendo papel de mãe em vez de mocinha e isso foi muito bacana. Espero ter outras oportunidades como essa em breve, até para não "enferrujar" entre uma atuação e outra...
 
Para finalizar, é possível, em termos comparativos, dizer que alguma atriz hoje aqui no Brasil, possa de equiparar a sua projeção, sucesso e referência quando atuava aqui no país?
Para lhe dizer a verdade, Rafael, eu não tenho ideia. Nunca levei muito a serio a minha "projeção, sucesso e referencia" e portanto não sei comparar com o que acontece hoje...