quarta-feira, 30 de julho de 2014

Helena Cerello

 
Atriz. Integrante da ‘Le Plat du Jour’, uma das companhias de teatro mais respeitadas do país. Atuou também em ‘Como Aproveitar o Fim do Mundo’.
 
O que te faz aceitar participar de produções em curta-metragem?
Como atriz, aceito quando gosto do roteiro e da equipe. Já topei fazer muito curta de graça, porque acreditei que o projeto era bom e que seria bacana trabalhar com aquelas pessoas. Jovens cineastas pra quem trabalhei de graça há cinco anos atrás cresceram muito e tem me convidado pra trabalhos legais hoje em dia.
 
Como produtora, produzo uma mostra de curtas, o “Curta na Praça”, realizado no Espaço Parlapatões, em 2008 e 2009 (o projeto agora está numa fase de captação de recursos para voltar em outro formato). A ideia da mostra é exibir curtas e realizar performances teatrais antes, durante ou depois dos filmes, sempre num diálogo criativo com o filme. Quando abriram o Espaço Parlapatões, comecei a frequentar a Praça Roosevelt. E no meio de toda a efervescência cultural da praça comecei a perceber que existia um buraco, tinha uma carência por um lugar onde houvesse a exibição de curtas. As pessoas vinham pedir "Ai, puxa vida! Fiz um curta tão legal, premiado e tudo mais, mas só passou no festival tal, ninguém viu, vamos armar de exibir nos parlapas?". Foi assim, a partir de uma demanda natural dos atores, com apoio do teatro, que cedeu telão e projetor, chamei Paula Cohen e a Barbara Paz, amigas que eu sabia que tinham vontade de tocar o projeto junto comigo. A Barbara chamou o Daniel Gaggini, que é um produtor bastante atuante nesse meio de festivais de curtas e depois a produtora Flavia Tonalezi entrou pra engrossar o caldo. Foi assim que surgiu o "Curta na Praça".
 
Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Curtas não entram em cartaz porque não tem atenção da mídia ou não tem atenção da mídia porque não entram em cartaz? Não tem mercado pra curtas porque ninguém assiste ou ninguém assiste porque não tem mercado? É o famoso ciclo vicioso. Tentamos quebrar isso, com o Curta na Praça, pensamos em colocar os curtas em cartaz pelo menos durante quatro semanas, todas as quartas do mês à noite, mas esbarramos justamente nessa questão da divulgação, sem contar que quarta era dia de futebol ...
 
Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Eu adoraria ir no cinema e ao invés de assistir tanta publicidade antes do filme, assistir um curta ...
 
É possível ser um cineasta só de curta-metragem? Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa...
Muitos cineastas fazem seu primeiro filme no formato de curta-metragem, por ser mais viável financeiramente. Se dá certo, existe uma expectativa desse cineasta já ser "promovido" de formato, o Esmir Filho é um exemplo disso, realizou vários curtas muito bem sucedidos e passou, também com sucesso, para o formato de longa. O que pode mover um cineasta a fazer curtas? Sei lá, muitas coisas, mas continuar fazendo curtas e só curtas por escolha é mais raro, pois não há mercado pra isso e nem recurso público que banque a experimentação. Então acaba que os festivais são a única vitrine, o famoso trampolim. E não tem nenhum problema nisso. O problema é quando o cara vai fazer o seu décimo curta, mas ainda não arrumou verba pra pagar a equipe, não tem como pagar os atores, não tem nada, é tudo na raça, vai perdendo a credibilidade. Essa eterna não profissionalização do meio, com certeza atrapalha a produção e faz muitos bons profissionais debandarem pra outros ramos, como a publicidade e a TV. O apoio da iniciativa privada e um maior aporte de recursos públicos seriam muito bem-vindos, pois alavancar o formato de curtas é alavancar o celeiro de futuros diretores. Lá fora, o formato é mais fomentado. Uma vez, tive o prazer de trabalhar com um diretor dinamarquês chamado Jorgen Leth, que é um dos pais do movimento Dogma, professor do Lars Von Trier, que filmou um curta-metragem chamado "The Perfect Human". Lars Von Trier adorava esse trabalho dele, então o desafiou a refazer o seu filme 5 vezes, cada vez com uma restrição diferente. E ele refez e foi genial! Então, finalmente respondendo sua pergunta se é possível ser cineasta só de curta? Acho que o cineasta profissional, 99% das vezes vai almejar o longa. Mas, o cineasta amador, que está proliferando com a revolução digital, pode passar a vida produzindo curtas, experimentando, o que tanto do ponto de estético como social é muito bacana. Quem sabe se não é desse descompromisso acontecendo à margem que irão surgir obras interessantes que revolucionarão a linguagem?
 
O curta-metragem é marginalizado entre os próprios cineastas?
Não sei, depende, não dá pra generalizar. Se você tem 18 anos e manda seu "curta" pra um cineasta conhecer seu trabalho, a sua chance de ser visto é proporcional ao tamanho da expectativa que você conseguiu causar com o seu trabalho. A questão é que quando se é jovem, é difícil em todas as carreiras. É preciso alguém que te indique ou que algum prêmio chame atenção pro seu trabalho ou um belo boca-a-boca de rede social. É muito chato transpor essa barreira do divulgar seu trabalho e ser respeitado. Ou seja, acredito que quando um curta-metragem é interessante e tem qualidade não encontra preconceito da parte dos outros cineastas. O difícil é ser visto. Mas no geral, existe uma boa vontade maior em relação aos longas-metragens, eles são mais nobres e os curtas, os primos pobres, os malditos.
 
Pensa em dirigir um curta futuramente?
Quem sabe? Já escrevi uns esboços de roteiro, mas para dirigir, acredito que teria que estudar, me apropriar da parte técnica, mas quem sabe!? Nunca é tarde pra estudar! A diretora Suzana Amaral se tornou diretora se não me engano, com mais de 50 anos. Eu, quando era pequena queria ser bailarina, um pouco maiorzinha, tinha certeza que ia ser engenheira mecatrônica (olha a pretensão!), quando chegou a época de prestar faculdade, em meio a tantas dúvidas prestei administração de empresas e entrei na FGV. No meio da faculdade, resolvi que queria largar tudo pra ser jornalista. Não larguei, terminei a faculdade... e depois de querer ser tantas, resolvi que só podia ser atriz. Por enquanto, quero ser muito dirigida, isso sim! E hoje temos muitos bons diretores e ótimas diretoras em atividade...