Neville
D’Almeida, maldito seja
Tenho tratado
neste espaço há um tempo, a questão de rótulos que são usados para definir algumas
pessoas no cinema nacional. Neville D’Almeida, diretor de grande sucesso nos
anos 70 e 80, foi chamado de cineasta marginal, maldito.
Foi taxado
assim porque resolveu ousar. Usou slides para produzir filmes, experimentou
outras formas de uso da película, foi para o Super-8, voltou para o 35mm e hoje
está no digital.
Está na Mini DV
porque não quer e não pode esperar os editais de cultura. Tem pressa em
registrar os momentos de agora e esses momentos não esperam os burocratas de
plantão dar o aval para buscar apoio, patrocínio. Neville faz e aguarda o
momento certo de exibir seus registros. Foi assim com a primeira Parada Gay do
Rio de Janeiro, foi assim com o inicio dos desfiles da Daspu e é assim até
hoje. Quando vê a necessidade de registrar, lá vai Neville com a sua câmera na
mão e documenta.
Hoje o seu
foco é o registro do momento, o documentário de iniciativas e ações da sociedade
civil e organizações independentes. No inicio da sua trajetória como cineasta
não era assim, foi perseguido e censurado pela ditadura, ‘Jardim de Guerra’ foi
proibido de ser exibido, outros muitos foram cortados, porém exibidos, teve que
sair do país, mas não pela repressão: “...saí
porque a vida em Londres era mais barata que a vida no Brasil...”,
disse-me.
Seu maior
sucesso foi ‘Dama do Lotação’ – extraído de uma crônica de Nelson Rodrigues -
que era a segunda maior bilheteria até Tropa de Elite levá-lo ao terceiro lugar
na lista de filmes mais vistos nos cinemas até hoje na história. Quase todos os
seus longas superaram a marca de um milhão de espectadores.
Nas artes
visuais, trabalhou com Hélio Oiticica, fez a emblemática série ‘Cosmococas’ é o
pioneiro das instalações interativas no país e nome assíduo em galerias,
recebendo convites para exposições individuais e coletivas. Daqui e de fora do
país.
Depois da
quebra da Embrafilme, rodou alguns filmes, mas que não obtiveram êxitos como
antes. Neville culpa a indústria (que não existe) e os coronéis do nosso cinema
que aparelham e esfacelam qualquer tentativa de retorno. Não desiste, tem três
projetos prontos, um deles é a nova versão da ‘A Dama do Lotação’.
- Quero fazer a ‘Dama do Lotação’ falando da
mulher do século XXI, que sai e dá por prazer. A ‘Dama’ com a Sonia Braga dava
para os outros para manter o amor ao marido. Essa não, ela dá para se satisfazer.
Segundo
Neville, tudo em sua vida aconteceu tarde. Levou mais de sete anos para comprar
de Nelson Rodrigues os direitos da ‘A Dama do Lotação’ e mais dois para
filmá-lo. Levou mais de vinte anos para concluir e exibir a série ‘Cosmococas’.
Agora, além da publicação contando sobre a sua rica trajetória na cena cultural
do país, o Sesc Santo Amaro exibe uma ampla mostra em sua homenagem chamada
‘Neville D’Almeida – Além Cinema’, que dá o nome também para a publicação.
É a chance de
dar um mergulho profundo num universo desconhecido, pouco explorado, mas de uma
riqueza descomunal. É também a oportunidade de darmos mais um passo para sair
da ignorância cultural e colocar a história do cinema nacional no prumo.
Somos gratos
a Neville, maldito seja!