Dois contos de sua autoria e um comentário
A
POLTRONA PREDILETA DE LADY RUTHERFORD
Como fazia todos os dias ao longo dos anos, ao
levantar-se, Lady Rutherford fez a toilete e com passos estudados caminhou pelo
longo corredor de sua austera mansão e desceu os degraus de mármore da
limpíssima escada. No terraço, foi prontamente servida pela criada e depois da
primeira refeição saiu a passear pelo jardim, aspirando os perfumes das flores.
Parou diante do pequeno lago artificial para admirar os nenúfares que o
ornamentavam e os cisnes que graciosamente deslizavam pela placidez de sua
superfície espelhada. A anciã sorriu, sentindo-se plenamente feliz e
recompensada pela vida que Deus lhe dera. Duas lágrimas de gratidão desceram
pela face de pergaminho da venerada senhora.
Ao voltar para a casa olhou-a demoradamente e a viu como
um ente querido. Há quantos anos ela a acolhia?
Entrou pela porta lateral que o bom Hospkins deixava aberta
para aquele momento, e que depois vinha prestativo trancá-la. Todos os dias
Lady Rutherford repetia tudo como num titual sagrado, em que nada podia ser
esquecido. Caminhou pela ampla sala, admirou os tapetes persas que pendiam das
paredes, os quadros, acariciou demoradamente o veludo carmesim do sofá e um
longo suspiro brotou das profundezas de seu peito. Como tudo lhe era tão caro.
Agora iria para a sua poltrona predileta na biblioteca e
se entregaria à leitura. Passou ao grande salão repleto de estantes
envidraçadas e quando dispunha-se a se sentar em sua poltrona deparou com algo
que a fez estremecer: nela havia o cadáver de um homem com uma faca enterrada
no peito!
Mãos trêmulas, Lady Rutherford balançou a campainha.
Imediatamente apareceu o solicito e fleumático Hospkins.
- Que coisa horrível, Hospkins! Um cadáver na minha
poltrona, tire-o imediatamente! Não admito ninguém na minha poltrona predileta!
A
SALA
Hospkins, o fleumático modormo, caminhou silenciosamente
pelo sombrio corredor da mansão e bateu muito d eleve numa porta branca.
Ouviu-se uma voz dde sonoridade quase musical ordenando-o que entrasse.
Hospkins girou a maçaneta polida e entrou no amplo
quatro, onde Lady Rutherford se encontrava diante de um atril, lendo. A anciã
ergueu os olhos do livro e olhou com veneranda simpatia seu fiel servidor.
- O que é, Hospkins?
- Há um inspetor da Scotland Yard desejando falar com a
senhora, minha querida Lady – disse o mordomo sem perder sua postura. – Ele se
encontra na sala.
A boa senhora ajeitou os óculos de aro de ouro e encarou
Hospkins com olhar intrigado:
- Na sala?!Onde fica a sala?
COMO LUCCHETTI DEFINE
O TERROR
Lucchetti fazia parte de uma mesa redonda do Canal 13, TV
Bandeirantes, onde se debatia o tema do sobrenatural. Em dado momento, o
coordenador do programa voltou-se para ele e perguntou:
- Como você define o terror?
Fantasioso como é, todos esperavam que Lucchetti fosse
evocar noites tempestuosas, longínquos e soturnos castelos perdidos entre
pântanos e florestas lúgubres, onde estranhos e gemidos misturam-se aos uivos
sinistros de lobos, cujas silhuetas sobre as estepes são recortadas contra o
disco prateado da lua cheia. Enfim, usando todos os clichês do gênero. Porém, nada
disso, o mais famoso ficcionista brasileiro de contos de mistérios deu a
seguinte e original definição:
- Suponhamos que você passe por um antiquário e adquira um
daqueles primitivos telefones que funcionavam a pilha e coloque-o como objeto
de adorno uma dependência de sua casa. Certo dia, ensolarado e muito quente,
quando você está confortavelmente refastelado na sua poltrona, muito à vontade
e neste exato momento aquele telefone toca...
(*Texto de Garcia Gambero no Boletim Informativo da TV
Bandeirantes, junho de 1971.)