A
ORIGEM DA VAMPE NO CINEMA
Rubens Francisco Lucchetti & Marco Aurélio Lucchetti
Rubens Francisco Lucchetti & Marco Aurélio Lucchetti
Poucos
são os que sabem a origem da palavra vampe (do inglês vamp) no Cinema e de como
essa palavra passou a designar mulheres belas e fatais [de acordo com o Novo Michaelis Dicionário Ilustrado,
vamp é uma gíria
que designa “mulher que
flerta ou namora por interesse”; e, segundo o Novo Aurélio Século XXI,
vampe é a “atriz que faz o
papel de mulher fatal” (assim, por extensão, vampe é uma “mulher fatal”)]. Vejamos,
então, como o crítico e pesquisador Angel Zuñiga descreve o aparecimento da
vampe no Cinema:
“Em 1912 (*), a Fox lança A Fool There
Was, filme dirigido por
Frank Powell e inspirado num poema de Rudyard Kipling. Nele aparece Theda Bara,
criadora nas telas cinematográficas de um novo tipo: a vamp, que florescerá sob as mais diversas
formas em todo o cinema norte-americano. O Cinema dessa época é primitivo; e,
assim, os temas, os personagens... devem ser apenas bons ou maus. Os filmes não
podem revelar ainda a profundidade psicológica dos personagens. As reações têm
de ser absolutamente primárias. (...) O tipo de Theda Bara, que dá início à voga do
vampirismo, corresponde às reações aceitas pelo público cinematográfico mais
leviano. Uma tempestade de paixões desperta esta mulher, espalhando o mal por
onde passa. (...)
Theda Bara aparecerá, depois, mais ou menos com essas mesmas características, nos filmes
Carmen,
Destruction,
Cleopatra,
Salome. Theda Bara é a primeira
vamp ou vampiresa (como dirá
a linguagem popular). Por ser a primeira, aparece sem os refinamentos, sem os
enfeites que a vamp
adquirirá mais tarde. (...)
e a vamp
subsistirá por muitos anos. Poderá ser Nita Naldi, Carmel Myers, Barbara La
Marr, Greta Nissen, Evelyn Brent, Margaret Livingstone, Aileen Pringle, Alma
Rubens, Pola Negri, Olga Baclanova (...)” (Una
Historia del Cine volume 1, Barcelona, Ediciones Destino, 1948, pp.
115-116).
Já o jornalista e ensaísta argentino Raimundo R. Calcagno, mais conhecido como
Calki, diz o seguinte sobre esse mesmo assunto:
“Olhando para trás,
encontramos estas mulheres extravagantes, de olhos ardentes e circundados de
sombras, lábios pintados em forma de coração, movimentos sinuosos (movimentos
de cobra) e vestidas com roupas exóticas. Criaturas criadas pela grande fábrica
de sonhos de Hollywood, as mulheres fatais, as vampiresas, surgiram para se
oporem a um mundo repleto de ingênuas. Abriam seus braços como asas tenebrosas;
e, às vezes, bastava-lhes apenas um único olhar de fogo (...) para subjugar os homens, que se lançavam
a seus pés, convertidos em miseráveis fantoches. Vistos através da distância do
tempo, seus trajes e sua excessiva maquiagem tornam-se ridículos, assim como
seu estilo de sedução. Porém, elas tinham a periculosidade do pecado (...). Anjos negros, entreabriram a porta
proibida que conduz ao outro lado desse Paraíso que estava se tornando
fastidiosamente açucarado, devido ao excesso de ingênuas. Relegada de repente à
sua casinha de contos de fada, a ingênua viu, com assombro, os homens começarem
a caminhar atrás dessas mulheres pecadoras. (...) tudo na vampiresa é artificial: as
unhas, os cílios, a cabeleira, as poses (...). Ela pode ser Marlene Dietrich ou
Greta Garbo, ou Jean Harlow, ou Mae West, ou (mais recentemente) Barbara
Stanwyck. Entretanto, nas origens, tudo se resume a um nome: Theda Bara. Grande
flor do mal, surgida no mais artificial dos jardins, Theda Bara é a mãe de
todas as vampiresas do
Cinema” (Los
Monstruos Sagrados de Hollywood, Buenos Aires, Ediciones Losange,
1957, p. 29).
Filha de Bernard Goodman, um próspero
alfaiate judeu nascido na Polônia, e de Pauline Louise de Coppett, uma suíça
também de origem judia, Theda Bara (seu verdadeiro nome era Theodosia Goodman)
nasceu em 29 de julho de 1885, em Avondale, um subúrbio de Cincinnati, no
estado norte-americano de Ohio.
Grande amante dos livros, Theda Bara dedicou a maior parte da infância à
leitura. E, quando não estava lendo, estava aprontando alguma arte – sempre que
lhe dava na veneta ou tinha oportunidade, ela desaparecia (como num passe de
mágica) de casa, deixando sua mãe doida.
Foi na adolescência, na época em que fazia o Secundário na Walnut Hills High
School e participava do clube de teatro da escola, que Theda Bara tomou gosto
pela profissão de atriz.
Após terminar o Secundário, Theda Bara freqüentou a Universidade de Cincinnati.
Mas não chegou a completar os estudos, já que decidira tornar-se uma atriz.
Mudou-se, então, para Nova York e, em 1908, usando o nome de Theodosia de
Coppett, fez sua estréia nos palcos da Broadway, na peça The Devil.
Em 1911, Theda Bara entrou numa companhia teatral que excursionaria por
diversas cidades e estados norte-americanos (esteve, inclusive, em Portland, no
Oregon, no extremo noroeste dos Estados Unidos).
Por volta de 1914, Theda Bara retornou a Nova York. Na época, tinha um único
objetivo na vida: ser uma atriz de Cinema, pois sua carreira no teatro não
havia prosperado.
Theda Bara, ainda usando o nome de Theodosia de Coppett, estreou no Cinema em
1914, no filme The Stain.
Porém, não foi notada pelos espectadores, uma vez que sua participação no filme
resumia-se a um pequeno papel (na verdade, ela era uma extra).
Foi somente em 1915 que Theda Bara nasceu, efetivamente, para o mundo. E tudo
graças ao filme A Fool There
Was, baseado no poema “A Vampe” (“The Vampire”), do escritor inglês
Rudyard Kipling (1865-1936). Para sermos sinceros, temos de dizer que foi
graças a esse filme que Theda Bara transformou-se, do dia para a noite, numa
celebridade (em 1918, ela era uma das três maiores estrelas de Hollywood, ao
lado de Mary Pickford e Charles Chaplin) e tornou-se o primeiro símbolo sexual
do Cinema (também em 1915, surgia, na França, no seriado Les Vampires, de Louis
Feuillade, outro símbolo sexual do Cinema: Musidora).
Em verdade, Theda Bara foi uma criação da Fox, que produziu A Fool There Was.
Explicando melhor: foi a Fox, quer dizer o departamento de publicidade do
estúdio, tendo à frente Al Selig e John Goldfrap, que deu a Theodosia Goodman o
nome de Theda Bara, que é um anagrama de “Arab
Death”, isto é, “Morte
Árabe” (segundo algumas fontes, Theda era um apelido que Theodosia
tinha quando criança e Bara era aparentemente uma forma abreviada de seu
sobrenome materno, Baranger). E o departamento de publicidade da Fox ainda lhe
criou uma biografia inteiramente falsa (de acordo com essa biografia, ela
nascera no Egito, por volta de 1892; era filha de uma atriz francesa, Theda de
Lyse, e de um escultor italiano, Giuseppe Bara; passara seus primeiros anos no
Deserto do Saara, sob a sombra da esfinge e das pirâmides; e mudara-se para a
França, a fim de estudar teatro).
Interessada em impulsionar sua carreira no Cinema, Theodosia Goodman, agora já
transformada em Theda Bara, aceitou participar dessa farsa. Inclusive, durante
uma entrevista coletiva num hotel, em que apareceu usando uma roupa de veludo,
ela, com um forte sotaque francês, relatou aos jornalistas presentes parte de
sua “história”.
“Cresci numa enorme tenda,
não muito longe da esfinge. Para nós, o oásis, nosso pequeno lar, era como o Jardim
do Éden. Minha mãe ensinou-me as línguas, a arte dos gestos, a arte da
pantomima. Por outro lado, meu pai ensinou-me como pintar e a beleza e a
combinação das cores.”
Resumindo: devemos a Theda Bara – com seus olhos enormes, cabelos longos e
lisos, gestos lentos e roupas extravagantes – e ao filme A Fool There Was o
surgimento da vampe, a mulher insaciável e pérfida, a mulher destruidora de
lares e aniquiladora de homens, a mulher que passou a competir com as ingênuas,
que até então dominavam o Cinema...
NOTA:
(*) Na verdade, foi em 1915.