“Impressões sobre olhar e voz de
Neville”[1]
Eu o
encontrei no hotel ali na Frei Caneca e fomos para o Athenas. Em meio a outros
assuntos, perguntei-lhe por que os atores estão sempre bem. Digo do diferencial
que vejo nos atores do Neville: Joel Barcellos e Maria do Rosário em Jardim de
Guerra; Sonia Braga em A Dama do Lotação; Vera Fischer com Jorge Perugorria em
Navalha na Carne; Claudia Raia em Matou a Família e Foi ao Cinema. Vertigem,
êxtase, dor, dilaceramento, vício.
“O cinema é um exercício de liberdade. Sem
pode ou não pode. Você está preparado para viver tudo o que o personagem vive? Porque
você não faria isso”... Suspensão! “Mas o personagem faria”. A frase
incorporava o seu jeito de falar e eu ficava pensando se aquilo não era como uma
senha; uma portinha. Se aquela frase não fica reverberando, ali, enquanto o
ator se enche de ganas para ser o que não é.
Contaminado
por Jean Genet, Jean Vigo, Renoir, Godard, Buñuel, Bergman, assim era Neville.
Foi Almodóvar quem viu A Dama do Lotação! Ainda assim: “O que parece aquilo? Não parece com nada”. Ainda assim, a vontade
de ver: “Eu vou mostrar depois do corte”.
Ainda assim: “Vamos fazer sempre tudo
diferente”. Ainda assim: “Vamos fazer
o plano que ninguém fez”. Ainda assim: “Eu
sou mais um tijolo na parede”. Ainda assim: “Eu quase não pertenço a geração nenhuma”. O que é o Neville?
O
encontro com Nelson foi: “um exercício de
liberdade. Aquela cena saiu de uma frase do Nelson Rodrigues: ‘Papai, é verdade
que você mandou o deputado me procurar?’ Aquilo tudo veio de cinco palavras. Assim
é o cinema. Assim é a disposição do teatro para o cinema. A improvisação não
veio do nada, veio daquela frase.” Regina Casé pelada no pega-pega com o deputado
em Os Sete Gatinhos. “Vamos dar uma
personalidade a esse deputado, a essa menina”. Mauricio do Valle veste a
calcinha na cabeça. A frase subjacente a todo jogo de criação!
“Vai
Paulo, vai! Dá tudo!” Em Mangue Bangue Paulo Villaça se joga no lixo,
vomita, faz cocô. Neville: “Você tem que
ter a noção da morte, a noção do finito no cinema. Nunca mais estaremos todos
nós juntos. Então o momento é agora”. Villaça brincava com o pau, com os
resíduos, cheirava. “Eu falo enquanto
filmo. Grito o tempo todo e falo. Vou falando e fazendo, falando e fazendo”.
Na cena do motel com o sogro em A Dama do Lotação, a voz de Neville. “Tira o cinto dele!” Nova chicotada, um
grunhido, um espasmo. Sem som direto. Depois dubla.
A
cultura do teatro e a cultura do garçom. Os olhos do cineasta sobre as mesas do
restaurante. “Eu aconselharia os cineastas
a ser garçom pelo menos um ou dois anos”. As conversas sobre “como é o mundo em 66”. O conceito do
filme: “o mundo em 66”. Jardim de
Guerra. O mais emocionante foi vê-lo levantar e fazer com as mãos os movimentos
da câmera enquanto parecia nos recortar do espaço para a película.
Rejane
K. Arruda, BISTURI de maio, 2012.
[1] Texto escrito a partir de uma entrevista concedida por
Neville d’Almeida a mim, Rubens Machado Jr e Fabio Camarneiro no dia 24 de maio
de 2012 em São Paulo. As frases entre aspas e em itálico são de Neville. A
entrevista na íntegra será em breve publicada.