quarta-feira, 15 de abril de 2015

Arnaldo Carrilho (in memoriam)


Defensor ativo do cinema brasileiro no exterior, Carrilho ficou bastante reconhecido no âmbito nacional por essa atuação. Era amigo dos principais diretores do Cinema Novo, o movimento que renovou a estética audiovisual brasileira nos anos 1960, e promoveu na Europa as experiências de linguagem feitas por diretores como Glauber Rocha, Paulo Cézar Saraceni e Joaquim Pedro de Andrade. De 2001 a 2003, Carrilho assumiu a direção da RioFilme, a distribuidora municipal que cumpriu importante papel para a sustentação da produção cinematográfica nacional nos primeiros anos da Retomada. Sob sua gestão, a empresa lançou uma das safras de filmes mais elogiada de toda a sua trajetória de 20 anos, incluindo aclamados longas-metragens como “Lavoura arcaica” (2001), de Luiz Fernando Carvalho, e “Filme de amor” (2003), de Julio Bressane. O Festival de Brasília de 2003 foi dedicado ao diplomata.

O que te faz aceitar participar de produções em curta-metragem?
O fato de, à época (inícios dos anos-60), tínhamos de (im)pressionar nossas plateias e causar surpresas reflexivas, com imagens novas, ligadas à problemática brasileira (cf. Arraial do Cabo, da dupla Paulo Cezar Saraceni-Mario Carneiro, ‘Aruanda’, de Linduarte Noronha e sua heroica e talentosa equipe paraibana). Em 15-20 minutos, passamos a mostrar ao nosso público, aos festivaleiros internacionais e nos centro de estudos latino-americanos, africanos, médio-orientais, europeus, asiáticos e australásios que viemos ao mundo para dizer alguma coisa sobre nós mesmos, com vieses estéticos próprios.

Conte sobre a sua experiência em trabalhar em produções em curta-metragem.
Foi muito rica. Como coordenador da Missão Sucksdorff ao Brasil, a UNESCO doou-nos equipamentos inéditos no País e uma quantidade mais que razoável de material sensível. Em 1963, com David Neves, Luiz Carlos Saldanha, Afonso Beato e Eduardo Escorel, começamos um documentário sobre a então Regina Rozemburgo, tendo-a previamente gravado num Nagra A-IV, aquela maravilha que o Kudelski inventara, desconhecida entre nós, graças à qual nunca mais o som seria o mesmo no cinema. Mas o curta ficou inacabado - Nelson Pereira dos Santos já começara a pré-montagem de Regina do Leme -, pois a focalizada partiria repentina e misteriosamente do Rio de Janeiro, para - só depois saberíamos - casar-se com o Walinho Simonsen. Depois, como produtor-executivo, participei dos primeiros ensaios de Vladimir Herzog (Marimbás), Arnaldo Jabor (O circo), Antônio Carlos Fontoura (Heitor dos Pazeres), Leon Hirszman (Maioria absoluta) e dos média-metragens Integração Racial, de Paulo Cezar Saraceni, e ‘Em busca do ouro’, de Gustavo Dahl. Naquele Rio de Janeiro pré-golpe de 1964, havia uma febre de cinema, já assinalada com os longas-metragens. ‘Os cafajestes’, de Ruy Guerra, ‘Porto das Caixas’, de Paulo Cezar Saraceni, Barravento, de Glauber Rocha, e, em quase lançamentos, o trio Vidas Secas, Deus e o Diabo na Terra do Sol, Os fuzis, enquanto Eduardo Coutinho teria de interromper as filmagens de Cabra marcado para morrer, por força da intervenção militar que a burguesia e os setores mais conservadores e reacionários da classe média encomendaram, transformando as Forças Armadas em guarda pretoriana de um regime ferozmente anticomunista e pró-estadunidense que perduraria por mais de 20 anos. O cinema só poderia sofrer, nas mãos daqueles labregos, que surpreendentemente nos expuseram que aquele conservadorismo e reacionarismo eram mais arraigados entre nós do que imaginávamos. 

Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Porque é muito fraca, quase inexistente, a cultura audiovisual no Brasil, dominada por distribuidoras estrangeiras que nos empanturram de imagens pérfidas. Os patrícios, quando os curtas eram exibidos antes dos blockbusters (arrasa-quarteirões) e longas-metragens em geral, manifestavam quase sempre sua contrariedade, com interjeições desrespeitosas ou vozerios reprovadores. Tudo, muito primitivo e subdesenvolvido, num País em que os educandários não contam com matérias dedicadas ao aprendizado de elementos da criação audiovisual. Há, também, que consignar-se a presença nefasta das Sete Irmãs hollywoodeanas, nas telas, telinhas e telões, as quais trabalham para a MPA Inc, logo para a MPAA, e seus escritórios e atividades distribuidoras e até coprodutoras remetem bilhões para os EUA, com algumas centenas de milhares para associadas europeias, e são tratadas como firmas brasileiras no País.

Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Nos veículos televisivos abertos e por assinatura, obrigatoriamente, inclusive em horários nobres, e a quaisquer horas. Não esqueçamos, claro, da Nova Comunicação (New Media) e seus meios eletrônicos virtualmente audiovisuais.

O curta-metragem para um profissional (seja ele da atuação, direção ou produção) é o grande campo de liberdade para experimentação?
Não há a menor dúvida, para o profissional e seu público, de igual maneira.

O curta-metragem é um trampolim para fazer um longa?
Não deveria, necessariamente. Numa sociedade mais avançada e menos dominada pelos imperialismos, o curtametragista é profissional respeitado, pois autor de inúmeras obras a que recorrem criadores de longas-metragens e reportagens televisivas. 

Qual é a receita para vencer no audiovisual brasileiro?
Eis a resposta mais difícil, complexa (e incompleta será) que vocês me fazem. O Brasil é muito dividido. O Presidente Lula, que apreciava ótimos profissionais no setor audiovisual e que - tal como seu antecessor - promovia sessões de cinema no Palácio da Alvorada para convidados, fugia como o Demônio da Cruz, quando uns e outros apresentavam-lhe reivindicações. Ao cabo de uma dessas sessões, quando alguém muito conhecido e poderoso ensaiou falar de dinheiros com o chefe de Estado e de Governo, ele me olhou fixamente e começou a fazer-me perguntas sobre o cinema asiático. Num País em que o Poder Público, desde sempre, só beneficia uma casta de gente, há que partir-se radicalmente para a luta, vencendo barreiras de preconceitos e procurando outras fontes de apoio (na rede bancária, nos meios parlamentares, nas academias, nas universidades, nas embaixadas estrangeiras, no exterior, onde há muitos que se interessam por nós). Por que não realizarmos uma série de curtas sobre temas chineses, documentários e de ficção? sobre os afro-subsaarianos, os russos de hoje. Se o governo atua no mecanismo interregional BRICS, por que não atuarmos junto às maiores potências em desenvolvimento, criando-se um, por assim dizer, Fundo BRICS para Serviços Audiovisuais? São tantos os caminhos a percorrermos, tantas a culturas que podemos trazer ao povo brasileiro... 

Pensa em dirigir um curta futuramente?
Eu bem que gostaria, quem sabe?