Defensor ativo do cinema
brasileiro no exterior, Carrilho ficou bastante reconhecido no âmbito nacional
por essa atuação. Era amigo dos principais diretores do Cinema Novo, o
movimento que renovou a estética audiovisual brasileira nos anos 1960, e promoveu
na Europa as experiências de linguagem feitas por diretores como Glauber Rocha,
Paulo Cézar Saraceni e Joaquim Pedro de Andrade. De 2001 a 2003, Carrilho
assumiu a direção da RioFilme, a distribuidora municipal que cumpriu importante
papel para a sustentação da produção cinematográfica nacional nos primeiros
anos da Retomada. Sob sua gestão, a empresa lançou uma das safras de filmes
mais elogiada de toda a sua trajetória de 20 anos, incluindo aclamados
longas-metragens como “Lavoura arcaica” (2001), de Luiz Fernando Carvalho, e
“Filme de amor” (2003), de Julio Bressane. O Festival de Brasília de 2003 foi
dedicado ao diplomata.
O que te faz aceitar participar
de produções em curta-metragem?
O fato de, à época (inícios dos anos-60), tínhamos de (im)pressionar nossas
plateias e causar surpresas reflexivas, com imagens novas, ligadas à
problemática brasileira (cf. Arraial
do Cabo, da dupla Paulo Cezar Saraceni-Mario Carneiro, ‘Aruanda’, de Linduarte Noronha e sua heroica
e talentosa equipe paraibana). Em 15-20 minutos, passamos a mostrar ao nosso
público, aos festivaleiros internacionais e nos centro de estudos
latino-americanos, africanos, médio-orientais, europeus, asiáticos e
australásios que viemos ao mundo para dizer alguma coisa sobre nós mesmos, com
vieses estéticos próprios.
Conte sobre a sua experiência em trabalhar em produções em curta-metragem.
Foi
muito rica. Como coordenador da Missão Sucksdorff ao Brasil, a UNESCO doou-nos
equipamentos inéditos no País e uma quantidade mais que razoável de material
sensível. Em 1963, com David Neves, Luiz Carlos Saldanha, Afonso Beato e
Eduardo Escorel, começamos um documentário sobre a então Regina Rozemburgo, tendo-a
previamente gravado num Nagra A-IV,
aquela maravilha que o Kudelski inventara, desconhecida entre nós, graças à
qual nunca mais o som seria o mesmo no cinema. Mas o curta ficou inacabado -
Nelson Pereira dos Santos já começara a pré-montagem de Regina do Leme -, pois a focalizada partiria repentina e
misteriosamente do Rio de Janeiro, para - só depois saberíamos - casar-se com o
Walinho Simonsen. Depois, como produtor-executivo, participei dos primeiros
ensaios de Vladimir Herzog (Marimbás),
Arnaldo Jabor (O circo),
Antônio Carlos Fontoura (Heitor dos
Pazeres), Leon Hirszman (Maioria
absoluta) e dos média-metragens Integração
Racial, de Paulo Cezar Saraceni, e ‘Em busca do ouro’, de Gustavo Dahl. Naquele Rio de Janeiro
pré-golpe de 1964, havia uma febre de cinema, já assinalada com os longas-metragens.
‘Os cafajestes’, de Ruy Guerra,
‘Porto das Caixas’, de Paulo
Cezar Saraceni, Barravento, de
Glauber Rocha, e, em quase lançamentos, o trio Vidas Secas, Deus e o Diabo na Terra do Sol, Os fuzis, enquanto
Eduardo Coutinho teria de interromper as filmagens de Cabra marcado para morrer, por força da intervenção militar que
a burguesia e os setores mais conservadores e reacionários da classe média
encomendaram, transformando as Forças Armadas em guarda pretoriana de um regime
ferozmente anticomunista e pró-estadunidense que perduraria por mais de 20
anos. O cinema só poderia sofrer, nas mãos daqueles labregos, que
surpreendentemente nos expuseram que aquele conservadorismo e reacionarismo
eram mais arraigados entre nós do que imaginávamos.
Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia
em geral?
Porque
é muito fraca, quase inexistente, a cultura audiovisual no Brasil, dominada por
distribuidoras estrangeiras que nos empanturram de imagens pérfidas. Os
patrícios, quando os curtas eram exibidos antes dos blockbusters (arrasa-quarteirões) e longas-metragens em geral,
manifestavam quase sempre sua contrariedade, com interjeições desrespeitosas ou
vozerios reprovadores. Tudo, muito primitivo e subdesenvolvido, num País em que
os educandários não contam com matérias dedicadas ao aprendizado de elementos
da criação audiovisual. Há, também, que consignar-se a presença nefasta das
Sete Irmãs hollywoodeanas, nas telas, telinhas e telões, as quais trabalham
para a MPA Inc, logo para a MPAA, e seus escritórios e atividades distribuidoras
e até coprodutoras remetem bilhões para os EUA, com algumas centenas de
milhares para associadas europeias, e são tratadas como firmas brasileiras no
País.
Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais
público?
Nos veículos
televisivos abertos e por assinatura, obrigatoriamente, inclusive em horários
nobres, e a quaisquer horas. Não esqueçamos, claro, da Nova Comunicação (New Media) e seus meios eletrônicos
virtualmente audiovisuais.
O curta-metragem para um profissional (seja ele da atuação, direção ou
produção) é o grande campo de liberdade para experimentação?
Não há
a menor dúvida, para o profissional e seu público, de igual maneira.
O curta-metragem é um trampolim para fazer um longa?
Não
deveria, necessariamente. Numa sociedade mais avançada e menos dominada pelos
imperialismos, o curtametragista é profissional respeitado, pois autor de
inúmeras obras a que recorrem criadores de longas-metragens e reportagens
televisivas.
Qual é a receita para vencer no audiovisual brasileiro?
Eis a
resposta mais difícil, complexa (e incompleta será) que vocês me fazem. O
Brasil é muito dividido. O Presidente Lula, que apreciava ótimos profissionais
no setor audiovisual e que - tal como seu antecessor - promovia sessões de
cinema no Palácio da Alvorada para convidados, fugia como o Demônio da Cruz,
quando uns e outros apresentavam-lhe reivindicações. Ao cabo de uma dessas
sessões, quando alguém muito conhecido e poderoso ensaiou falar de dinheiros com
o chefe de Estado e de Governo, ele me olhou fixamente e começou a fazer-me
perguntas sobre o cinema asiático. Num País em que o Poder Público, desde
sempre, só beneficia uma casta de gente, há que partir-se radicalmente para a
luta, vencendo barreiras de preconceitos e procurando outras fontes de apoio
(na rede bancária, nos meios parlamentares, nas academias, nas universidades,
nas embaixadas estrangeiras, no exterior, onde há muitos que se interessam por
nós). Por que não realizarmos uma série de curtas sobre temas chineses,
documentários e de ficção? sobre os afro-subsaarianos, os russos de hoje. Se o
governo atua no mecanismo interregional BRICS, por que não atuarmos junto às
maiores potências em desenvolvimento, criando-se um, por assim dizer, Fundo BRICS
para Serviços Audiovisuais? São tantos os caminhos a percorrermos, tantas a
culturas que podemos trazer ao povo brasileiro...
Pensa em dirigir um curta futuramente?
Eu
bem que gostaria, quem sabe?