quinta-feira, 14 de maio de 2009

Jorge Bodanzky

Jorge Bodanzky é diretor do cultuado ‘Iracema, uma transa Amazônica’, um dos 16 da carreira do diretor, é pioneiro no casamento da ficção com o documentário.

Fale sobre a sua experiência com curtas, você que é mais conhecido como diretor de longas.
Olha, todo mundo começa com curtas, eu comecei como fotógrafo, como câmera e quando realizei meu primeiro trabalho como direção junto com o cineasta Hermano Penna, na realidade não é bem um curta, é media-metragem, o filme tem 40 minutos, chamado “Valderis” uma experiência que a gente fez em Brasília ainda no início dos anos 70, era o auge da ditadura militar, e a gente pegou o personagem, uma moça chamada Valderis, que existia de verdade, e que ela sublimava essa impossibilidade de atuar politicamente com a religião, com as religiões místicas, Brasília sempre foi um grande ponto de misticismo do Brasil, e ela então freqüentava cartomantes, terreiro de umbanda e várias coisas, mas no fundo era uma fuga por não conseguir realizar como adentro de um universo político. Então sofria de perseguições, essas perseguições que eram reais da polícia se misturavam com perseguições criadas e coisas assim, então foi uma experiência docudrama, que é um filme mais experimental, trabalhei muitos anos junto com meu ex-sócio alemão Vemoniqui para um instituto que produzia filmes didáticos para o governo alemão e esses vagavam muito, grande parte eram 20 minutos, 15 minutos, alguns mais longos, mas eles tinham propósito didático apesar de serem filmes que eram autorais, com tema que agora vem sendo muito procurado, varias pessoas pedem esse filme para mim, que é a comparação de um operário da Volkswagen na Alemanha e no Brasil, mas isso ainda nos anos 70, quando as duas empresas, tanto a alemã quanto a brasileira produziam fusca, então a gente pegou um operário que fazia absolutamente a mesma coisa no Brasil e na Alemanha e comparou a vida dos dois, para mostrar, um filme didático, para estudantes, mostrar o que é um país de terceiro mundo e um país de primeiro mundo aonde estão as diferenças, porque que um operário que faz a mesma coisa vive de maneira tão diferente no primeiro e no terceiro mundo, outros eram estudos de comportamento de crianças na sala de aula, enfim, tinha uma preocupação didática para esses instituto que fornecia isso para as escolas alemãs.
Teve uma outra experiência interessante em curta-metragem que eu fiz para a televisão francesa chamado ‘Lês admire’, que são os iluminados, os loucos sobre os surfistas de trem, um filme feito no início dos anos 90-, era moda no Rio de Janeiro surfar o trem, uma loucura total, hoje eu não faria mais isso, entreguei uma câmera video8 para um desses rapazes surfistas, ensinei a ele a mexer na câmera e eles se filmaram em cima do trem, depois eu acompanhei um pouco o dia-a-dia desse rapaz, que era um camelô no Rio de Janeiro, subúrbio em todos os lados então eles usavam o surf no trem como meio de transporte diário deles. Esse filme fez um sucesso muito grande, chama-se Surfista de trem, é um filme de 22 minutos também feito em video8. Eu sempre gostei de experimentar e usar as tecnologias mais leves porque eu trabalho quase sempre com câmera na mão, equipe muito pequena que isso facilita muito no documentário, o contato com as pessoas, então logo que meu primeiro equipamento foi 16mm uma Escler pequena, silenciosa para trabalhar com som direto, foi com essa também que fiz Iracema, para filmes maiores, e depois logo que saiu o video8 eu comprei a câmera vídeo8 eu achei fantástico poder trabalhar com uma câmera tão pequena, a fita de vídeo que dura uma hora as fitas de 16 eram caríssimas, dava para gravar só 10 minutos cada vez, isso facilitou muito apesar da qualidade ser precária na época do vídeo8, mas isso melhorou muito, hoje com HDTV, eu tenho uma pequenininha eu estou satisfeitíssimo, acho que eu cheguei ao meu ideal, uma câmera que é um pouco maior que a palma da minha mão, com uma qualidade profissional, isso te dá uma liberdade muito grande, não preciso de equipe, não preciso de grandes recursos e então basta a idéia na cabeça e a câmera na mão, a gente sai e faz bons trabalhos.

Todo cineasta começa com curtas, os fatos mostra isso mesmo, a pessoa faz um curta, ganha uma projeção e vai para o longa e nunca mais volta para o curta, ou dificilmente volta para o curta. Você acha que para os próprios cineastas, o curta é considerado um gênero menor?
Absolutamente, não é em nada um gênero menor. É claro que se começa pelo curta, porque você não vai investir uma fortuna que custa o longa, no primeiro trabalho. Você tem que primeiro, adquirir experiência, então como qualquer arte você tem que amadurecer, você tem que conhecer, você tem que ter experiência, e essa experiência você faz exercitando para você se tornar cineasta é caro é complexo, então você começa com curta, que vamos dizer em termos de produção é mais simples, custa menos, é o caminho natural realmente começar pelo curta. Ai tem muita gente que fica no curta, e eu não concordo com você, tem muito cineasta de longa-metragem que faz curta também, você vai encontrar curta em toda história do cineasta de longa-metragem. No começo, principalmente claro, mas também tem muitos que fazer curtas depois, ou médias ou documentários, quer dizer, um cineasta que por exemplo começa com documentário, vai para a ficção e volta para o documentário, eu acho que não tem uma regra, mas é claro que a tendência quando você se realiza como cineasta, os seus sonhos ficam mais ambiciosos não cabem no curta, tendem mais a serem longas.

O curta tem um poder de síntese muito grande, longa, ainda mais para quem faz documentário, a gente já precisa de mais tempo para poder contar uma história você acha que dá para contar uma história em tão pouco tempo de metragem?
È como um conto e um romance, você pode tem um conto na literatura né, um conto curtíssimo, que conta uma historia extremamente densa, com poucas páginas, e você pode escrever um romance de 400, 500, 600 páginas, é essa a diferença entre o curta metragem e o longa metragem, eles dois são igualmente densos e uma boa história bem contada não tem importância se ela tem 10 minutos ou 2 horas entende?

Qual é o curta que te chamou atenção, um curta que você gostou?
Tem um média-metragem que foi fundamental na minha decisão de fazer cinema que é o “Aruanda” do Linduarte de Noronha, era um filme realizado no início dos anos 70 e feito no Nordeste, preto e branco, 16mm, e aparentemente muito precário e quando eu vi, ainda não tinha pensado em fazer cinema e quando eu vi esse filme, que é um documentário dramatizado, eu disse poxa vida, isso eu posso fazer, isso é meu universo, isso eu gostaria de trabalhar sim, então foi um exemplo decisivo para mim de fazer cinema, o Aruanda do Linduarte de Noronha. Agora eu vi inúmeros curtas fantásticos, agora com a internet facilitou demais a distribuição do curta que antes era restrita a praticamente a antro do cinema, nem os cineclubes passavam curtas, e a internet trouxe o brilho e abertura para o curta e eu acho isso sensacional, eu acho uma forma de fazer cinema tão contundente quanto o longa.

Com a cultura digital, com esses recursos mais fáceis tem uma grande proliferação de curtas, todo mundo pode fazer um filme, pode fazer tudo mais. O que você acha que para diferenciar desse grande volume de curtas, o que você acha que o cineasta tem que fazer, porque às vezes a pessoa faz um curta sem muito critério tanto com a estética com a linguagem. O que você acha que deve fazer para diferenciar um trabalho de um volume tão grande de curtas?
Em todas as artes você vai encontrar de tudo, do bom, do ruim, do experimental, então isso acontece com o curta também, você tem um monte de lixo e tem as coisas boas isso em qualquer arte, é uma questão de você procurar, você imediatamente, quando você vê os primeiros quadros de um filme você já sabe se pelo menos é um filme que interessa ver ou não. Mas eu acho que faz parte quando você está montando de contar para os espectadores o que é bom e o que é ruim.

Acho que é interessante, mas ao mesmo tempo passa qualquer coisa, você não tem critério nenhum, tudo esta lá, ate uma coisa boa pode ser encontrado lá, mas eu acho o trabalho que vocês estão fazendo é importante por que vocês vão selecionar, vocês vão indicar, vocês vão explicar porque uma coisa é boa e outra não é boa para o público poder diferenciar isso e saber achar a coisa certa, é difícil a divulgação do curta, todos os filmes é difícil, então faz parte desse trabalho de vocês, apontar o que é bom, divulgar o que é bom o que é serio.

O curta tem pouca projeção, tanto na mídia que jornal não fala da estréia de um curta, da produção de um curta, e no cinema também dificilmente passa, você acha que então o caminho é a rede mundial que você pode publicar para não ficar dependendo tanto das distribuidoras quanto da mídia. Qual o caminho que você aponta para que as pessoas vejam o curta? porque as pessoas querer fazer, gostam de fazer e querem que as pessoas assistam e conheçam seu trabalho.
Não é bem assim, todos festivais brasileiros, todos, tem curta metragem, quer dizer, longa e curta, em qualquer festival você vai encontrar curta, seleção de curtas, premiação para curtas, nos editais, nas premiações, sempre o curta está presente, não está fora não, ele tem a mesma presença nos editais como tem o longa e o documentário. No cinema é claro que é mais difícil, porque ele não preenche o tempo de cinema, a idéia de passar antes como já existiam, obrigar os cinemas a passarem curtas acho que não funciona, não é por ai, acho que surgiu uma enorme abertura para dar visibilidade ao curta que é a internet, a internet hoje de barda larga tem muita qualidade você pode fazer um filme, você pode baixar um filme e ver ele na sua televisão, no seu home theater com a mesma qualidade de um filme, e acho que ele está sendo distribuído pela internet, há uma procura da garotada na internet pelo cinema, pelo curta. A dificuldade que o curta encontra é a mesma do cinema, um filme longa metragem hoje tem maior dificuldade de chegar ao cinema, mesmo os premiados em festivais e tudo, só para acrescentar, o único filme presente oficialmente no festival de Cannes esse ano é um curta metragem.

E por que você acha que não funciona o curta vir antes do longa?
Funciona, só não funciona para a distribuidora, entende? Porque para ele é uma despesa a mais que não acrescenta, o cara compra o ingresso, então ele quer tornar a coisa mais barata possível, por que mais tempo de exibição, por que pagar os direitos entende, então ele prefere não fazer isso.

Fale sobre a TV Navegar, que também está um trabalho interessante, num campo que também é esquecido e pouco conhecido pela grande população.
É o seguinte, há alguns anos para cá junto com o Beto Lacerda, no Amapá, agente desenvolveu um projeto chamado Navegar Amazônia, que é um barco regional, que no andar de cima tem um laboratório multimídia e agente convida artistas e faz oficinas. Tem oficinas de cinema de vídeo, e agente produz tudo que é feito nessas oficinas para o site, o site chama-se navegaramazonia.org.br, e aí nós desenvolvemos um projeto chamado TV navegar, nós queremos fazer uma TV móvel na Amazônia, Amazonia TV de banda larga de internet, uma TV que pode transmitir e receber, tanto mostrar o que a população ribeirinha está fazendo nesse laboratório, e ao mesmo tempo eles também podem ver nesse laboratório o que acontece lá fora. Isso tem funcionado muito bem, nós já estamos com uma produção bastante grande, não só curtas, mas média metragem também que podem ser vistos, podem ser baixados no nosso site, e é um projeto que está me fascinando muito, estou me dedicando bastante a ele, e agora agente está trazendo esse barco para o site Second life, nós temos uma ilha chamada Amazon land, e nessa ilha você vai encontrar uma réplica desse barco, e entrando na réplica desse barco, você vai ter um link com o barco verdadeiro.

Dos filmes que foram produzidos, gostaria que você falasse um pouco sobre eles, foram produzidos sob sua orientação, da orientação da sua equipe e feitos pela população ribeirinha?
Tem de tudo, quer dizer, são filmes resultados das oficinas, dos encontros com os artistas.

Muito acontece no barco, o trabalho maior que foi feito no ano passado, nós convidamos vários músicos, Jorge Mautner, Nelson Jacobina, foi Adalto Bacarsé também cineasta, e eu, e essa viagem ela foi toda registrada e nós editamos e deu o filme um documentário sobre a viagem do navegar com Jorge Mautner, chama-se Navegar Amazônia, uma viagem com Jorge Mautner, tem 50 minutos, está disponível no site www.navegaramazonia.ogr.br pode ser visto em screaming, e tem outro, por exemplo, um dos web máster da nossa equipe do navegar, ele produziu um DOCTV e passou agora o mês passado que chama-se alô alô Amazônia que é muito interessante, tem o trailler desse DOCTV também na nossa TV navegar, tem um filme feio por eles que é um evento religioso, uma procissão que está no barco, tem mais recentemente uma viagem que eu com Dráuzio Varella pelo rio Negro que também está na nossa TV navegar, o projeto ainda está em desenvolvimento, mas eu fiz um pequeno termo de 5 minutos quem tem que ser baixado no sistema. É uma base experimental e que está aberto, agente aceita trabalhos, agente aceita voluntários que queiram trabalhar nas oficinas quem está interessado pode fazer o contato através do site.