quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Martha Nowill



Martha Nowill é diretora e atriz de cinema.

Marta, você tem uma filmografia bastante interessante com o curta-metragem. Gostaria que você falasse da sua história com os curtas.
Minha filmografia é pouco extensa, foram dois filmes. Eu dirigi um curta como Rafael Sampaio durante a faculdade, que a gente pegou um conto do Caio Fernando de Abreu, que se chama “Pela passagem de uma grande dor”, e a gente filmou em digital e os flashbacks a gente filmou em super 8. Finalizamos em digital, e finalizamos de uma maneira um pouco rápida, porque nós fomos convidados para abrir a mostra de audiovisual da época, então a gente acabou editando de uma maneira que a gente não gostou muito. Era uma co-edição que acabou não ficando como a gente gostaria, então ele fez uma carreira um pouco curta, porque a gente sempre ficou na eminência de remontá-lo, e isso acabou não acontecendo. Recentemente a gente inscreveu ele para filmar novamente em 35mm, e teve algumas mudanças, eu faria até um personagem, que eu não fiz na época. Acabou não ganhando, então ele é um curta que acabou ficando meio que em suspensão. Porque como a gente ia remontar não deu muita carreira nele, a gente não mandou para muitos lugares, mas eu gosto muito, é o Caio Fernando Abreu com a trilha toda do Satie porque o personagem está ouvindo Satie, em digital, super8. Depois eu fiz algumas coisas na faculdade, assistência de direção para um curta ou outro, um curta que eu gosto muito é um curta da Moira que chama “Redenção de Ogum” que é um 16mm, bonito, eu fiz uma assistência de direção, de produção, de um monte de coisas. E aí eu fiz meu curta de formatura que é em 16mm, se chama “Dança”, produção é minha, a direção é minha, a montagem também é minha, o elenco é a Maria Manoella, a Giovanna Velasco, Fernando Alves Pinto, que é o ator que mais faz curtas, que por a caso é meu primo.

É um filme que é muito simples. Hoje em dia eu acho ele até um pouco ingênuo, primeiro curta, mas ele acabou sendo selecionado para Gramado, Brasília, festival de Niterói, rodei bastante com ele, passa volta e meia na TV Câmera, volta e meia alguém me liga querendo exibi-lo, preciso digitalizar na verdade. E depois disso eu acabei não fazendo nada, recentemente eu fiz uma performance sobre a Ana Cristina Cesar, uma poeta carioca, que eu estou querendo dar uma vida maior para essa performance , eu faço ela interagindo com o documentário, então tinha um documentário curta sobre a Ana Cristina Cesar e o documentário em si não está pronto, mas ele interage com a performance. O filme é minha experiência cinematográfica mais recente.

Como que muda sua cabeça, você que é uma atriz de teatro mais especificamente, com a linguagem do curta, que trabalha com síntese, que trabalha com imagem. Como que você pula do teatro para o cinema, é uma mudança louca, ou tem tudo a ver?
Para mim é muito próximo. É minha formação, eu fiz teatro desde criança, mas quando eu estava fazendo minha formação profissional de teatro, eu estava fiz minha formação profissional de cinema. É uma coisa que eu aprendi junto, o movimento do teatro é realmente o movimento de extensão, não dá para generalizar, o “Natimorto” por exemplo é absolutamente expansivo que eu faço. E o cinema realmente é da retração, e eu vou de um extremo para o outro acho que com muita facilidade. Existe um meio termo na minha vida,

Que é uma coisa que eu ainda não publiquei, mas vou publicar, que é poesia, que é um pouco a síntese dos dois. O ato de escrever e escrever poesia que é uma coisa excitante, que é emocionalmente expansivo, acho que junta as duas coisas. Mas eu gosto muito das duas linguagens.

Você acha que o curta-metragem ele é marginalizado do próprio meio artístico? É uma coisa que se não tem o que fazer, faz um curta?
Não mais que o teatro, Não acho muito. Acho, pode ate ser uma ilusão minha, que está ganhando espaço maior, eu vejo pessoas que não são do meio artístico de teatro, de cinema, que eles vem assistir curtas, longa, em um desse telecines. Eu acho que é um pouco marginalizado, mas é porque eu acho que ele... olha eu não sei responder essa pergunta na verdade. Eu acho que atualmente tem um espaço maior do que na época em que eu fiz faculdade. Eu vejo mais sites sobre isso, atualmente tem o youtube!, que as pessoas vão lá, assistem vários filmes, curtas, eu acho que é legal. Claro que tem que ter uma triagem, porque deve ter um monte de bomba, mas eu acho que ele é um caminho para o longa, para a maioria das pessoas. Conheço poucas pessoas que fazer curtas, geralmente elas fazer curtas, mas gostam de fazer longas. Mas eu acho normal. Não sei se eu respondi a sua pergunta.

Você tem algum projeto em mente sobre curta-metragem? Dirigir, atuar, como que está?
Eu gostaria de montar “Saco de cobras” que eu fiz com a “Ana Cristina”, gostaria de editá-la, editar a minha performance, e talvez fazer uma edição só de documentários sobre a Ana Cristina Cesar. Eu fiquei com vontade de fazer um serie de curtas-metragem sobre esses poetas brasileiros. Podia pegar os vivos e os mortos, os que já se foram, e a Ana Cristina seria a primeira que já está pronto, que eu entrevistei amigos, namorados. Esse é um projeto que eu tenho em mente, que une as coisas que eu gosto muito, que é a poesia e o cinema. Como atriz eu estou com alguns projetos que futuramente vão aparecer.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Luciana Carnielli



Atriz. Atuou em "Torre de Babel".

Luciana, conte-nos da sua relação com o cinema.
O cinema é uma coisa que acompanha... acho que as pessoas da minha geração. Quando criança, porque tinha a famosa ‘Sessão da Tarde’, não é verdade? E eu me lembro que eu assistia muito filme, e os meus pais me levavam ao cinema, desde cedo eles começaram a estimular em mim, o gosto pela arte, então eles me levavam ao cinema, me levavam ao teatro, me levavam a exposições, me levavam aos museus, e eu achava um mundo muito fantástico, porque você ia ao cinema muito pequena, e você via os desenhos, assistia muito a Walt Disney e eu sempre achava muito estranho quando eu saia e me deparava com o mundo normal da rua, das pessoas, dos passantes.

E um curta-metragem que você tem assistido que tenha mexido com você?
Olha eu não me lembro quem é o diretor do curta, mas é um curta que sempre eu acho muito inteligente. É com o Otávio Augusto e a Denise Viener, que ele ganha uma BMW, num concurso, em um sorteio, não me lembro muito bem. E ele não tem condições de pagar os impostos do carro para ele poder vender, passar o carro para frente. E eles são muito pobres e eu só sei que eles acabam morando dentro da BMW. Não sei se você conhece esse curta, e aquele carro vai caindo, e vai ficando todo estropiado, vira um verdadeiro barraco aquela BMW, e eu acho aquilo maravilhoso, eu acho crítico, bem divertido, bem-humorado a maneira que eles fizeram. E outro curta que eu gosto muito, é um curta da ‘Fuleiragem’ que é a produtora do Gero Camilo e do Gustavo Machado, que chama “Parabéns”, que é o dia do aniversário dela, ela acorda, e se sente totalmente solitária naquele lugar, no apartamento dela, até ela descobrir que estava todo mundo deixando ela sozinha de propósito, porque estavam preparando uma festa surpresa para ela. Acho que são esses dos que eu me lembro agora.

Você falou do Gero e da Paula, que eu tive a oportunidade de entrevistá-los. Eles têm uma produtora, eles são de teatro, tem uma produtora que faz curtas. Você pensa, por exemplo, em atuar nessa área do cinema, de curtas? Já rolou algum convite com o Gero e a turma dele?
Inclusive essa peça que a gente faz é produzida pela produtora do Gero de teatro, mas parceria em cinema é uma coisa que ainda não aconteceu, a única experiência que eu tive como atriz no cinema foi uma participação que eu fiz no filme “Boleiros – era uma vez o futebol”. É uma área que eu adoraria trabalhar, mas ainda não tive oportunidade, espero que os deuses conspirem para que a coisa aconteça.

Você além de atuar, pensa em dirigir alguma coisa, um curta?
Eu acho que eu não conheço a linguagem do cinema a esse ponto. Eu acho que primeiro eu precisaria atuar bastante em cinema, conhecer a linguagem, conhecer exatamente como me colocar para a câmera, para ler da melhor forma aquilo que eu estou querendo transmitir e quem sabe pensar numa coisa dessas, mas isso nunca me passou pela cabeça.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Lina Chamie


Lina Chamie é uma das mais talentosas diretoras brasileiras.

Lina, gostaria que você fizesse um apanhado da sua trajetória até chegar ao cinema, como foi esse lampejo de começar a trabalhar com o cinema?
A minha formação acadêmica aconteceu em filosofia e música, mas tem um evento que me marcou muito na minha adolescência que eu vi o Joaquim Pedro filmar, eu fui no set, o set por acaso era o Teatro Municipal, e o Joaquim Pedro estava filmando “O Homem do Pau-Brasil”, e eu assisti essa filmagem, fui ali, meu pai fazia uma ponta, minha mãe fazia outra ponta, era uma cena de baile, e tinha uma cena que inclusive era com o traveling, eu me lembro muito bem, era um movimento de câmera bastante bonito, que era com a Juliana Carneiro da Cunha, uma cena que ela anda, a câmera segue, ela vai até a cama, que estava no salão nobre do municipal.

Esse dia me marcou para sempre, alguma coisa me marcou ali, que eu fiquei fascinada com aquilo, com rodar um filme, com aquela mágica. Uma cosia muito profunda aconteceu em mim, profunda e inexplicável, não tem explicação, um sentimento, uma emoção, uma coisa inesquecível. Em seguida eu continuei a minha vida, tinha uns 16 anos, 16-17 anos, já estava mais ou menos empenhada em ir para os Estados Unidos estudar Filosofia e Música, na verdade era música, e acabou sendo filosofia e música. Segui a vida objetivamente, mas eu nunca esqueci aquilo, fiquei com a pulga atrás da orelha, falei puxa vida, cinema, será que eu não quero fazer cinema, e fui para os Estados Unidos com essa coisa na cabeça. Cheguei a Nova York, onde eu fiz universidade e Mestrado, morei lá mais de 10 anos, fiquei lá 13 anos, e o que aconteceu comigo, eu via muito filme, lá é uma cidade maravilhosa para cinéfilos. Via 2, 3 filmes por dia enquanto estudava 12 horas por dia, e trabalhava, aquela coisa de estudante com toda a energia. Trabalhava justamente na Universidade, mas não no departamento de música, mas no departamento de cinema, era pau para toda obra, fazia de tudo, fiz toda a função de assistente numa produção de filme eu fiz lá, porque os americanos filmam muito na escola, na formação deles, principalmente em um curso de graduação, depois no mestrado é mais teórica, mas eu era assistente no curso de graduação de cinema, eu fui projecionista, projetava os filmes.

Então paralelamente acabei tendo essa formação informal com o cinema, e acredito hoje, conversando com você, eu sempre digo isso, é uma crença minha, você aprende cinema assistindo, você tem que ver muito filme, você tem que estar com os olhos abertos, você aprende cinema vendo os filmes. Isso foi fundamental para mim, entre essa paixão pelo cinema como cinéfila, vendo muito filme, um pouco trabalhando ali, um pouco não, eu trabalhei uns 10 anos. Eu quando voltei para o Brasil, sabia já por dentro eu sabia que não ia seguir a carreira de música, muito menos de filosofia, até porque a música clássica, que era o que eu estudei, no Brasil não tinha muito espaço tão legal. Eu sabia que ao decidir voltar, de alguma forma não clara para mim, não era um plano, eu acabaria abandonando a música, que não é um abandono não, é uma passagem muito feliz da minha vida. Não sinto a menor falta, mas ao mesmo tempo me trouxe muita coisa, muita sensibilidade, me trouxe um know-how até para o cinema. O cinema de certa forma é um pouco similar a música, tem ritmo, acontece em um certo tempo.

Aí muito naturalmente eu passei para o cinema, eu me lembro que a Tata Amaral me convidou para dirigir um vídeo do minuto, isso deve ser 94 ou 93 e aí, eu dirigi um videozinho, coisas pequenas e tal. Então eu fiz meu próprio curta “Eu sei que você sabe” que é um curta que ganhou vários prêmios, Festival de Brasília, Festival de Gramado, enfim, o filme circulou, e em seguida eu já tinha paralelamente escrito o roteiro do que seria meu primeiro longa que é o “Tônica Dominante” e em seguida eu já foi filmar o “Tônica” que já era um longa, foi uma cosia muito natural, muito espontânea. Espontânea com toda a loucura do cinema, com uma obsessão louca, que para você conseguir filmar você precisa ser obsessiva. Para conseguir fazer as coisas, eu fiz o curta sem grana nenhuma, fiz porque queria fazer, porque as pessoas fizeram, foi uma experiência genial, porque cinema é uma equipe, é todo mundo, é uma coisa de congregar as pessoas. O “Tônica” também é um filme muito profissional, a produtora era a Superfilmes, foi feito ate com o orçamento reduzido, o que eu quero dizer que o que precisa para filmar, principalmente o longa-metragem você precisa querer muito filmar. E aí do Tônica eu fui para o “Via láctea” que é meu segundo longa, que é onde nós estamos.

Queria que você falasse do seu curta, da história dele, como que começou e tudo mais?
O curta foi assim, na verdade eu tinha escrito o roteiro do longa e estava difícil eu captar, e por outro lado eu tinha tido experiências, tinha dirigido, mas eram vídeos, quer dizer, a bitola não era película. E aí eu pensei puxa, eu acho até que eu tenho que fazer um curta antes de ir para o longa, que é um pouco a trajetória normal, aliás, se seu site é sobre curtas, agente vai falar sobre curta. E aí eu me lembro que eu escrevi o roteiro do “Eu sei que você sabe” pensando também, você veja, isso é uma coisa constante na minha carreira, talvez porque eu faça um cinema bastante autoral, sempre difícil captar recursos, porque eu filmo muito sem concessão. Eu realmente faço filme o que eu quero fazer, isso não é alegria que ninguém me tira. Eu me lembro que eu já escrevi o filme pensando em dois dias externa, dia uma mesma locação, fazer uma coisa que eu consiga viabilizar, mas é um filme até bastante sofisticado na imagem, porque se por um lado ele é dois dia externa, dia na mesma locação, por outro ele tem equipamentos complicados, ele tem vários travelings com carrinhos fisher, na ocasião agente conseguiu por meio período, ai que está a sacada.

Como eram 2 dias tudo era meio período, então ali tem uma gramática de imagem sofisticada, mas ele é um filme que foi feito com pouco. Tem vários atores, não tem um ator principal, mas tem vários atores, uns 5 ou 6 atores. O filme é dedicado ao Manoel Bandeira, um poeta brasileiro, ele é um filme que eu pensei enquanto eu esperava para fazer o longa, e a experiência foi muito legal, porque me deu o know-how que uma película, inclusive usando essa maquinaria toda, me aqueceu um pouquinho, me preparou, me deu um pouco mais de domínio da linguagem, do que você filme, do que bate na tela, do que vai montar, para fazer o Tônica. Porque o Tônica também é um filme bastante complexo em termos de movimento de câmera, de uma linguagem que aposta na imagem, entende, na gramática do cinema. Então o “Eu sei que você sabe” foi um filme que me preparou bastante para partir para o longa. Mas ele surgiu mesmo porque eu achava que tinha que filmar, que tinha que fazer um curta antes do longa, e porque estava esperando o longa. Ás vezes os contratempos, são muito do cinema brasileiro, e agente como diretor no Brasil, o contratempo às vezes é a solução, você tem que se adaptar, dançar conforme a música. Ás vezes as dificuldades viram virtudes se você souber lidar com elas. Nesse caso foi isso.

O que eu percebo é que muitos cineastas começam com o curta, meio que como um laboratório, então parte para o longa, e nunca mais volta a fazer um curta. Porque o curta, não sei se essa palavra, mas ele é até marginalizado entre os próprios cineastas, que é o começo de tudo, mas a pessoa trata o longa sempre com mais carinho, e o curta como uma experiência. É isso ou não?
Não, eu acho que não é isso, eu acho o seguinte, eu acho que o curta é muito diferente do longa, são coisas distintas. É impossível comparar um com o outro, mesmo, em termos de dramaturgia, em termos até de produção, são duas situações muito diferentes, e sobretudo, em termos de linguagem. Um requer, na minha opinião, um tipo de compromisso, e o outro requer outro tipo de compromisso, que não quer dizer que você não possa manter a sua tendência, o seu estilo, enfim, mas são duas formas diferentes. O que acontece, por exemplo, o curta te permite muita experimentação, em termos e linguagem, o curta não te um compromisso com o público de certa forma, um pouco comercial. Acho que toda a obra de arte tem compromisso com o público, mas eu digo no âmbito comercial, na viabilidade do filme, ele não tem esse compromisso, porque o curta vive no circuito dos festivais, você exibe seu curta em festivais. Então o curta é um espaço de experimentação muito diferente, você pode inclusive experimentar o longa, não estou dizendo que o longa não permite experimentação, mas ele é o espaço muito diferente do espaço que você tem no longa. O que acontece, pelo menos para mim, vou falar de mim, da minha experiência.

Quando eu passei para o longa, é tão distinto que é como você estivesse trabalhando em outra sintonia, e eu acho que é por isso que você não volta para o curta, mas é não vejo um como substituto do outro, eu vejo duas situações muito diferentes, e talvez quando você entra na situação do longa, você está com aquela narrativa na cabeça , você está com aquele tempo, você tem história daquele tamanho, você está em um outro universo. Agora se me chamarem para fazer um curta, talvez eu tenha enorme prazer em fazer um curta, evidentemente que em termos de carreira, essa é outra questão também, o curta não acresce na sua carreira como um cineasta de longa-metragem, porque são dois universos. Então isso também é um outro elemento, não to falando em fazer cinema, do amor pelo cinema, da linguagem, eu to falando carreira, o curta não soma na carreira do longa-metragista, quer dizer, é claro que ele soma, mas ele não muda o rumo de um longa-metragista, agora o seu segundo longa muda, não estou falado de estilo, estou falando de carreira, o terceiro, o quarto, sua carreira vai se construindo através do longa-metragem, não em cima de possíveis curtas no longo do caminho.

Como é trabalhar com a síntese do curta? O curta fundamentalmente trabalha com a síntese, contar uma história ou passar uma mensagem em pouco tempo de metragem.
Síntese em termos, porque o curta também te permite um recorte de um momento, ou um experimento com uma pequena cena, ele está muito livre, o curta. Então não acho que necessariamente ele está obrigado a síntese, e evidentemente você não conta uma história do tamanho de um longa em um curta, não é possível sintetizar um longa em um curta. Ele é outra linguagem, eu não sei bem, síntese comparada com a questão do longa, eu não encaro isso no curta, acho que o curta tem um tempo próprio. O que eu acho que é muito diferente mesmo, até repito essa palavra, é a questão da dramaturgia, da construção dos personagens, isso sim tem uma coisa, às vezes de tempo que o longa permite, da densidade da narrativa, que também muitas vezes é vinculada a questão do tempo, ao desenvolvimento da história, que acontece no longa de uma maneira muito diferente do curta. Agora o curta por outro lado, muitas vezes tem a sacada, por exemplo uma sacada segura um curta, uma sacada não segura um longa, tem curtas em que a reviravolta é a essência do curta, está ali o recado. Isso no longa é mais um procedimento, você está numa grande estrutura, você está construindo ali uma catedral, um edifício, a estrutura é outra. O curta te permite as vezes, contar uma história, que não deixa de contar uma história, de uma maneira muito mais livre, que as vezes não envolve síntese, envolve uma sacada, envolve uma conclusão, uma descoberta, um jogo de linguagem, um jogo de seca. O curta se sustenta de outra forma, e ele tem uma liberdade de criação que é muito linda, ele permite a invenção por si só. Às vezes o curta tenta também, e é justo que tente também, tem curtas e curtas, construir uma história, agora se a história é maior que o tempo que você tem não há síntese que segure, você não vai conseguir a profundidade que o longa te permite pelo mero fato do tempo e da estrutura narrativa.

O curta hoje, o pessoal que sai da faculdade começa com o curta e tudo mais, mas você acha que é o grande movimento do cinema hoje? Diferentemente do longa, que relativamente, está certo que cresceu, mas são poucos filmes. No curta dá para experimentar, dá para inovar, dá para fazer uma séria de coisas que foge um pouco da dinâmica do longa.
Eu acho que o curta, é o que você isso falou, sempre dá pra inovar, experimentar e fugir da dinâmica do longa. Eu não acho que o curta hoje em dia é o nosso carro chefe, mas eu acho que já foi, por uma questão de contexto, quando o cinema acabou, na década de 90, sobrou o curta, agente teve alguns anos, 2, 3 anos, que a nossa produção era basicamente de curtas. Quer dizer, os cineastas todos, conseguiam fazer curtas. Os jovens que estavam começando faziam curtas, e até os cineastas mesmo, que estavam de certa foram, num buraco negro, e sobrou o curta, o curta era o meio de expressão. Ali naquele momento, que é aonde depois vai começar a retomada, retomada se refere ao longa-metragem, a retomada do nosso cinema, que agente chama, esse termo aplicado aquela etapa do tempo, naquele instante acho que o curta acabou sendo o meio principal de expressão para o cineasta, era o que lhe sobrou de certa forma. E agente tem grandes curtas nesse período, tem curtas importantes inclusive de cineastas que depois vieram a fazer longas, ou que continuaram a fazer longas, ou que estavam a beira do seu primeiro longa e não tinham como fazer pelo contexto geral de produção que foi interrompido.

E para finalizar Lina, você falou que se fosse chamada faria um curta e tudo mais. Futuramente, você teve agora o sucesso com “A Via láctea”, e tem uma carreira de sucesso, queria saber quais são seus projetos futuros, se tem também um curta, ou se vai ser um longa, como está?
Olha eu não tenho um curta, no momento eu estou com um projeto novo, que está em etapa de argumento para o longa-metragem que se chama “O peso das Sombras” que será uma adaptação de um romance do Francisco Dantas, que é Sob o peso das sombras, e para o filme eu dei o título de “O peso das Sombras”, estou aí começando a escrever. Estou também escrevendo um roteiro junto com o Babenco, que será o próximo filme dele, e estou ainda com “A via Láctea”, eu viajando menos, mas o filme viajando igual, quer dizer, continua viajando pelo mundo e indo a festivais. Ontem agente ganhou um prêmio na Rússia, ganhou melhor direção na Rússia, os russos curtiram o filme, então o filme ainda dá trabalho. Então estou muito ocupada, não tenho um curta no meio do caminho, agora como teria um curta, aqui pensando com você? Se tivesse uma idéia que é para um curta. Aí todas as idéias são filhas de deus, como eu estou muito ocupada, e digamos assim, encaminhada em outros projetos, não me passa pela cabeça, mas se surgisse uma idéia e essa idéia fosse para um curta, porque não? É sempre filmar, é sempre um exercício cinematográfico. É que é difícil mesmo, é gozado, porque na prática, se sua carreira se encaminha, esse momento, que é um momento bacana, que é pós segundo longa, você ainda está construindo a tua linguagem, a tua carreira, você não tem muito tempo. Mas se eu fosse convidada, por exemplo, eu não tenho o menor preconceito, acho muito lindo.

Eu e o Marco Ricca, que fez a via láctea, uma vez voltando de uma viagem no avião, agente começou a pensar antes do próximo filme, porque essa coisa de longa demora, longa é um compromisso de no mínimo 3 anos. E agente veio brincando, falando até nisso, porque o curta é mais ágil, agente até chegou a ler alguma coisa, só que ai cada um ficou ocupado no seu próximo longa, e aquilo ficou meio de lado, como o ritmo da vida do cineasta, então eu acho que é um pouco isso que acontece com o longa. Mas eu não acho que o curta é menos que o longa, é isso que eu queria dizer, acho que é muito pelo contrario, acho que cada um é um, e cada um é em um momento. E em importância fundamental, a paixão que eu tenho pelo cinema vem também da experiência com o meu curta, ele me forma, ele me ensinou muitas coisas. E fazer cinema é fazer cinema, é a hora que você diz ação, é a hora que o ator diz aquela linha do roteiro, é a pré produção, é a montagem, é esse jogo, existe nas duas circunstancias, curta ou longa.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Othon Bastos

Othon Bastos é intérprete da geração do teatro de resistência, tendo fundado sua própria companhia nos anos 70, produzindo espetáculos representativos do período.Em 1962, tem sua primeira experiência cinematográfica: ‘Sol Sobre a Lama’, filme de Alex Vianni. Num pequeno e marcante papel, integra ainda o filme ‘O Pagador de Promessas’, de Anselmo Duarte, no mesmo ano. A consagração, porém, vem com a personagem Corisco, no lendário ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’, filme épico de Glauber Rocha transformado em emblema do cinema novo.

Você participou de clássicos tanto na televisão, no teatro e no cinema. Isso é o que intuição, sorte, as duas coisas, ou nenhuma das duas coisas? Porque você sempre está nos clássicos da cultura nacional...
O que acontece é o seguinte, eu acredito muito na frase do Laurence Oliver, quando ele diz que um ator para ser um ator precisa ter muito trabalho, trabalhar muito, estudar muito e ter muita sorte. Porque às vezes você tem um talento extraordinário e não consegue fazer muitas coisas. Eu tive muita sorte no início da minha carreira, porque eu peguei o Glauber, eu peguei o Guerra, peguei Alex Viany, e fui pegando os melhores diretores e fui fazendo filmes em que eu era protagonista. Depois o tempo foi passando evidentemente, e as novas gerações vão entrando e você vai perdendo seu lugar para os jovens que vem chegando, isso é natural. Mas o importante como diz o Glauber: “o futuro está em cima do futuro, o futuro não está em baixo do passado”.

E qual a sua relação hoje com o cinema, você é convidado pelos cineastas, principalmente o curta-metragem? Hoje eu considero a maior força do cinema, os curtas, os estudantes, coisas experimentais, como está sendo?
Eu já fiz uns 20 curtas-metragens, pessoas que me ligam e vão perguntando, todos ficam com receio de que eu vá dizer não, ao contrário, eu acho que nós devemos ajudar sempre as pessoas. Eu ajudo muito os jovens que vão começar a fazer cinema, atuando no curta deles. Eu tenho muitos curtas já, aliás curtas que eu nem vi, mas eu sei que estão ai em festivais. Uma coisa que eu faço muito também é narrar, eu narro muito para cinema.

Para finalizar, eu gostaria que você fizesse uma crítica a atual fase do cinema nacional. O quer você acha, se está legal, bacana, ou se decaiu?
Eu não sei se o cinema nacional está legal ou se decaiu ou não, eu acho que as pessoas estão lutando desesperadamente para manter o cinema vivo aqui no Brasil. Agora que precisa ter muito cuidado para não ficar pensando nas super produções para poder competir com os outros países, acho que tem que existir cinema brasileiro, nós lutamos muitos anos pelo cinema brasileiro, cinema do autor brasileiro, da realidade brasileira, senão existe cinema que por si só quer fazer um grande espetáculo. Isso deixa para os outros países, vamos fazer o nosso, tem cineasta aparecendo em vários filmes, e jovens que estão querendo mostrar o que é o cinema e a realidade brasileira, o Selton Mello está representando belos filmes, e está trabalhando e fazendo. Essa geração está com muita força, espero que eles mantenham isso.