sábado, 2 de junho de 2018

Os Trapalhões: Tomislav Blazic


Tomislav Blazic
Produtor executivo na J. B. Tanko Filmes


Você foi produtor executivo na J. B. Tanko Filmes. Como surgiu a oportunidade de trabalhar lá?
J. B. Tanko era meu tio; e, na época, eu estava empolgado com o que ele fazia.

J. B.Tanko, antes de dirigir Adorável Trapalhão, seu primeiro filme em parceria com Renato Aragão e o terceiro na filmografia do comediante, já tinha dirigido dezoito filmes. Como você classificaria a filmografia de Tanko antes da parceria com Os Trapalhões?
Tanko já vinha de uma grande escola e já fazia parte do clube dos grandes diretores e estava sempre com todos da Atlântida e Vera Cruz.

Quais os clássicos nessa lista? Todos esses filmes foram produzidos na Herbert Richers?
Não me lembro de detalhes; mas, sem dúvida, Os Trapalhões é que passou a ser a grande referência e ele sempre trabalhava na Herbert.

A J. B. Tanko Filmes era considerada uma das maiores produtoras de filmes e comerciais do Rio de Janeiro. Como era trabalhar lá?
Graças a ela, hoje sou um produtor com uma vasta gama de experiência; e, sem dúvida, essa escola é impagável. Era extremamente prazeroso. Infelizmente, hoje não tenho mais meu tio por perto.

A J. B. Tanko Filmes foi fundada em 1969 e tinha como característica a produção de comédias para adolescentes. Quem estabeleceu essa diretriz na produtora?
O Tanko, na minha opinião, já era visionário e, ao mesmo tempo, crítico de o cinema estar sempre vinculado a questões governamentais. Ele achava que, em algum momento, as produções seriam terceirizadas e haveria um novo modelo de negócio. Hoje, estamos vendo estas mudanças. Na verdade, ele estava na frente de seu tempo, pois, somente há alguns anos estamos vendo essas mudanças com os canais fechados e agora com os abertos.

Como era a sua relação profissional com Alexandre Tanko, fundador da J. B. Tanko Filmes?
Alexandre não era fundador. Seu nome estava no contrato social, mas ele não exercia nenhuma função. O Alexandre se formou em Engenharia e, nessa época, tinha o seu próprio negócio. Depois que eu saí da Tanko e J. B. já estava debilitado, é que o Alexandre pegou firme na empresa e caminhou para a publicidade, não fazendo mais cinema, somente como coprodutor em equipamentos, estúdio etc. Nesse mercado, ele conseguiu ter uma expressividade. Era um bom técnico em equipamentos.

J. B. Tanko era croata e veio ao Brasil já adulto. Como era a comunicação dele com vocês? Como era o entendimento nas horas das filmagens?
Somos todos refugiados de guerra, e ele fazia parte da nossa família. Portanto, sempre estávamos juntos nas ocasiões de família. Nas filmagens, ele era extremamente rigoroso e bravo, quando não estava tudo como ele desejava; mas, ao mesmo tempo, era o nosso passaporte nas pós-produções, porque não permitia falhas, fazendo com que na finalização tivéssemos menos problemas. Como eu era jovem, no primeiro momento foi traumático. Porém, depois aprendi que deveria ser da forma como ele conduzia, pois tudo funcionava bem. Com isso, o nosso trabalho passou a fluir com segurança, cumprindo os cronogramas. E tudo ficou prazeroso.

É verdade que ele veio ao Brasil porque perdeu toda a família na Segunda Guerra?
Quase toda, pois nós éramos o restante do que sobrou e éramos poucos. Hoje, somos menos ainda.

Franco Zampari, italiano, veio ao Brasil e ajudou a fundar o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e a Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Ziembiski, polonês, é considerado um dos fundadores do moderno teatro brasileiro, além de ter deixado importantes contribuições no cinema e na televisão também. Citei dois grandes expoentes estrangeiros que contribuíram de maneira valiosa para o desenvolvimento artístico no Brasil. E quanto a J. B. Tanko, que podemos falar dele?
Não tenho tanta referência sobre isso. O que sei é que essas pessoas eram amigas dele e sempre estavam juntos falando das questões culturais e ao mesmo tempo eram amigos de saírem para jantar, teatro, projetos etc. Na minha visão, ele era um expoente no nosso mercado, juntamente com Ziembinski e outros. Fez a diferença. Uma curiosidade: o Tanko sempre levava ao set de filmagem uma garrafa térmica. E todos, sempre curiosos, achavam que era café. E, volta e meia, alguém pedia um gole. Mas, em hipótese nenhuma ele servia, sempre tinha uma desculpa. E, nos intervalos da filmagem ele despejava um pouco do conteúdo da garrafa em sua canequinha e tomava um gole. Somente os mais próximos (ou seja, eu, Renato e a cuidadora do Tanko) sabiam o que havia na garrafa: um 1/3 era uísque; o restante, suco de laranja. Aquilo era um estimulante para ele. O Tanko só ingeria a mistura nos intervalos das filmagens. Ele não era alcoólatra e muito menos ficava fora de si, até porque uma garrafa térmica não daria para isso.

Você presenciou os momentos mais marcantes da parceria de J. B. Tanko com Os Trapalhões. Ao todo foram dez filmes que vocês produziram, desde a abertura da produtora. Como conseguiram estabelecer uma parceria tão duradoura com Os Trapalhões?
O Tanko tinha uma química muito boa com o Renato, e Os Trapalhões ainda não eram conhecidos. Graças ao trabalho de ambos, Os Trapalhões se tornaram ícones em sua época; e; até hoje, ninguém conseguiu chegar aonde eles chegaram. Depois que o Renato foi para TV Globo, o Tanko já me dizia que o tempo da parceria iria terminar, pois, o Renato deveria tomar o seu caminho. E assim foi. O Tanko tinha um apego grande com o Renato, gostava dele muito como pessoa e, ao mesmo tempo, como profissional. Portanto, o tempo de validade para ele já estava consumado. Ficou triste, quando houve a separação, mesmo já me falando sobre isso. Por mais que esperemos a morte, ela não é conformista e somente o tempo se encarrega. Tenho certeza de que, para ele, foi marcante essa parceria e também para o Renato, pois, depois disso, fui trabalhar com eles.

Em 1973 vocês produziram o primeiro filme, Aladim e a Lâmpada Maravilhosa. Quais as suas recordações desse filme?
Não tenho muitas recordações, até porque sou ruim de memória. Mas lembro perfeitamente de que estavam preocupados, com medo de como seria a recepção do público, imaginando se iria dar. Todas as possíveis indagações eram consideradas. Inclusive, se daria para fazer o segundo filme. Todos acabaram felizes.

Robin Hood, O Trapalhão da Floresta é o segundo filme da série que vocês realizaram. Em muitos desses filmes, vocês trabalharam com paródias de clássicos da literatura universal. Gostaria que comentasse a respeito dessa linha adotada por vocês e Os Trapalhões.
O Tanko e o Renato é que adotaram essa linha. O Renato sempre foi um grande estudioso da Comédia e sempre esteve atualizado. Portanto, a dupla, nesse aspecto, tinha uma grande afinidade. Os dois sabiam bem o que desejavam; além de o Renato sempre interferir nos roteiros, o que era muito importante, devido ao seu talento.

No ano seguinte, vocês filmaram O Trapalhão na Ilha do Tesouro. Esse é o último filme que Renato Aragão e Dedé Santana trabalharam em dupla, já que no ano seguinte eles ganharam a companhia de outro integrante, o Mussum. Como era o relacionamento de Renato e Dedé, durante as filmagens?
Isso era ímpar, pois eles todos sempre estavam brincando entre si ou com todos da equipe. Portanto, as filmagens sempre eram divertidas, apesar do trabalho árduo. Digamos assim, a sacanagem era a vida entre eles.

Em 1976, vocês filmaram Simbad, O Marujo Trapalhão. Quais as recordações dessa produção?
Não me lembro de detalhes, pois, então, já estávamos em um ritmo alucinante de trabalho.

No mesmo ano, Mussum se juntou a Renato Aragão e Dedé Santana e estreou no cinema em O Trapalhão no Planalto dos Macacos. Para muitos, esse é um dos piores filmes da parceria J. B. Tanko e Os Trapalhões. Qual é a sua avaliação a respeito?
Não concordo, pois os números não indicavam isso e eles sempre estiveram super animados com o filme. É evidente que, numa série de filmes, alguns se sobressairão mais, como O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão, Os Saltimbancos Trapalhões, etc. Ganhar todas as partidas é impossível, mas nunca deixaram de ser a grande bilheteria do cinema nacional.

Em contrapartida, em 1977, vocês produziram o filme que é o maior sucesso da filmografia do grupo, O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão. Vocês imaginavam que estariam filmando um sucesso absoluto de público e que ainda hoje figura entre as maiores bilheterias de todos os tempos do cinema nacional?
Alguns filmes acabam deixando um legado. Esse filme teve muitos ingredientes que ajudaram bastante. Pelo levantamento da Embrafilme na época, hoje somente Tropa de Elite teria um número comparável. Aproveitamos e também fizemos um barulho muito grande na época. Tudo isso e outros fatores foram fundamentais, além do roteiro ser bem feliz.

Falando em bilheteria, naquele tempo o controle não era tão rígido como hoje. Imagina que os filmes dos Trapalhões atingiram mais público do que as estatísticas nos mostram?
Sem sombra de dúvida. Tínhamos que colocar nos cinemas muitos fiscais com os reloginhos. Com poucas exceções, como nos cinemas do Luiz Severiano Ribeiro e mais um e outro, o roubo era grande e inclusive alguns fiscais nossos eram comprados. O interior, então, era algo inacreditável. Se fôssemos colocar a real estatística, os números seriam outros; mas, mesmo assim, os filmes se superavam. Hoje, temos a tecnologia que facilita bem a vida.

Vocês tinham alguma metodologia para a aferição de bilheteria?
Tínhamos um controle manual da renda de todos os cinemas no Brasil, mesmo parametrizados com o roubo. Exemplo: se o Cine São Luiz fazia cento e cinquenta mil num fim de semana, caso baixasse muito o faturamento, corríamos para o local e começávamos um novo controle. Daí, a bilheteria subia novamente. Tudo era sempre tenso com os exibidores, mas eles nunca nos dispensavam.

Gostaria que explicasse a razão do hiato entre o sucesso de O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão e o clássico Os Saltimbancos Trapalhões. Por que ficaram tanto tempo sem filmar?
Não me lembro de muitos detalhes, mas tínhamos um entrave grande com a tevê na renovação de contrato do grupo, pois a TV Globo desejava deter também os direitos e mais algumas outras questões jurídicas, criando esse hiato. Por fim, todos de alguma forma desejavam pegar uma fatia do sucesso que o cinema fazia.

Em Os Saltimbancos Trapalhões, a produção já contava com a participação do Zacarias, formação que se tornou histórica. Como era trabalhar com os quatro integrantes no set de filmagem?
Era ótimo, sadio, prazeroso e engraçado, apesar do trabalho intenso. E a entrada do Zacarias foi de grande expectativa, pois havia sempre a surpresa de como o público iria reagir.

Considera Os Saltimbancos Trapalhões o melhor filme que já produziu?
Considero esse e O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão.

Em 1982, vocês produziram Os Trapalhões na Serra Pelada, com cenas rodadas no próprio garimpo, no ápice da exploração. Como foi o processo de produção desse filme? Foi o maior desafio da sua carreira?
Não participei dessa produção. O Renato já estava produzindo os seus filmes; e eu estava com o Dedé, Mussum e Zacarias, coordenando-os na área de shows e eventos. Sei que foi muito difícil, pelo que diziam meus colegas e tive que dar alguma ajuda. Acho que a produção sofreu muito. Não se tinha estrutura suficiente para fazer um filme naquele local, além daquele mar de gente. Imagina os garimpeiros vendo o grupo de humoristas. Somente o coronel é que conseguia controlá-los; caso contrário, seria um desastre.

No mesmo ano vocês filmaram Os Vagabundos Trapalhões, filme com uma temática social forte, muito cara às crianças. Não era um tema muito espinhoso falar de crianças abandonadas em um filme cujo público-alvo eram as próprias crianças?
Eu já não estava mais nas filmagens e já nem lembro mais do filme.

Com o lançamento de dois filmes por ano, como era montado o cronograma para estrear um filme nas férias escolares do meio do ano e outro no final do ano?
Tínhamos uma estrutura muito bem montada com duas equipes; e, apesar dos problemas, funcionava muito bem. Tudo era estratégico.

Em quanto tempo, normalmente, era concebido um filme: da ideia à realização?
Na faixa de dois anos, como ainda hoje. Depois, tivemos que encurtar esse tempo.

Vocês passaram, quase no final da parceria, a trabalhar com muitas celebridades, como Gugu e o grupo Dominó, notadamente não-atores. Não era muito arriscado para o filme ter atuações que poderiam comprometer a produção?
Eu já não estava mais com eles, passei para grande eventos fora dos Trapalhões.

Chegamos agora ao Atrapalhando a Suate, que é o único filme que não consta oficialmente da filmografia dos Trapalhões. Quais as suas principais recordações dos bastidores desse filme?
Foi traumática, pois foi o momento em que o Dedé, Mussum e Zacarias se separaram do Renato. Manter um grupo unido por muito tempo e vivendo junto mais de quinze por dia é muito difícil. Tudo foi conturbado: a TV Globo pressionando e assim por diante. As questões sempre giram em torno do dinheiro. Mas, na minha humilde opinião, foi um grande erro. E eu participei desse erro, pois, era eu quem controlava os três. Depois, muitas influências externas, muitas promessas mágicas e assim por diante. Foi um aprendizado; porém, com uma penalidade grande para todos nós. O bom senso acabou prevalecendo, e o grupo voltou a se unir. Todos os grupos ou duplas etc. devem receber tratamentos de terapeutas, psicólogos especializados para que possam fazer com que as suas carreiras seja duradouras, além de se profissionalizar.

Como foi a experiência de trabalhar em uma produção envolta de tantas polêmicas, como a separação do quarteto? Eles comentavam algo com você?
Claro, eu era empresário dos três. Tudo muio difícil e sempre tendo que colocar uma estrutura que procurasse blindá-los da influência de terceiros que tinham interesses comerciais e de propostas mirabolantes. O mais centrado deles todos sempre foi o Renato. E, a bem da verdade, o escritório do Renato também tentava ajudar para evitar todas essas influências. E tínhamos ainda o hoje falecido Beto Carrero, cujo nome verdadeiro era Sérgio Murad, e seu irmão (ele ainda esta vivo e é dono da agência de propaganda Murad e mora em São Paulo; mas não o vejo há muitos anos), foram também importantes na ajuda da reconciliação do grupo.

Havia uma disposição de Dedé, Mussum e Zacarias de mostrar ao Renato que eles também sabiam produzir um filme?
Isso não existiu. O que houve é que, na separação, eles não desejavam perder o espaço como comediantes e o espaço no cinema. Por esse motivo, optou-se em fazer o Atrapalhando a Suate.

A DeMuZa Produções foi criada com o intuito de apenas gerir os negócios dos três humoristas (Dedé, Zacarias e Mussum)? Por que durou tão pouco?
Sim. Não fazia sentido; mas, naquele momento, a estratégia visava dar a eles um pouco mais de oportunidade, pois os três gostavam muito de fazer shows de circo pelo Brasil e o Renato já selecionava mais. Portanto, o critério do Renato, era mais conservador; e os três nunca paravam. Por esse motivo, foi montada a DeMuZa, além de outras questões tributárias, contratuais com a TV Globo e jurídica. Depois, todos tomaram a consciência que essa estratégia não era boa.

A questão toda da separação foi puramente financeira ou também para estrelar os filmes?
Protagonizar não era o caso. Financeiro existia; mas, na verdade, era o desgaste pessoal, ou seja, o tempo de validade.

Eles acreditavam que poderiam ser bem-sucedidos sem o Renato Aragão?
Tudo não passava de um devaneio, por influência de terceiros.

Na sua análise, por que a separação durou apenas seis meses?
Na medida em que o público começou a criticar, começou a cair o Ibope e o financeiro começou a impactar. Todos começaram a cair na realidade. Tudo isso faz parte do crescimento individual. Se não é pelo amor, é pela dor.

Havia, nos bastidores, um clima de tristeza pela separação?
Muitíssimo forte, pressão da imprensa, patrocinadores e principalmente da sociedade.

Tião Macalé atuou nesse filme. Ele era considerado o quinto Trapalhão. Quais as lembranças que você tem dele?
As lembranças sempre foram boas, pois era mais um que agregava força ao grupo; e entre eles a convivência era de mais um brincalhão.

Tião é subestimado?
Do meu ponto de vista, de maneira alguma. Ele era parte de uma estrutura dos roteiros e da estratégia do programa. Mas era impossível todos serem os protagonistas.

O último filme de J. B.Tanko com Os Trapalhões é Os Fantasmas Trapalhões. Tanko já tinha mais de oitenta anos, quando dirigiu esse filme. Como foi para ele conduzir todo esse processo?
Boa pergunta. Acho que, por se tratar do último filme (penso que ele já pressentia isso), parecia um jovem de trinta anos. É evidente que a idade pesa, mas ela não atrapalhou em nada. Muito pelo contrário, o empenho do Tanko foi enorme. Desejava encerrar a carreira com o Renato muito bem. E assim o foi.

Em todos os filmes dos Trapalhões, os cartazes eram assinados por José Luiz Benício. Como era a relação de vocês com esse profissional? Benício tinha liberdade total para criar?
Era a pessoa de confiança do Tanko, e o Renato também gostava dele. Portanto, era parte do time.

Quem era o maior comediante do grupo?
Todos eram ótimos comediantes; mas, evidentemente, o líder era o Renato. Portanto, todo o trabalho era feito para o protagonista, com exceção do Dedé, que era o “escada” de todos, peça importante para poder gerar as piadas e situações cômicas.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
As comédias até hoje são rejeitadas pelos analistas de cinema. Hoje, vivemos uma febre de comédias no cinema. Tinha um código entre nós, ou seja, uma torcida para que a crítica fosse ruim, pois aí é que os filmes faziam mais sucesso.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Para a sua época, foi brilhante, pois as crianças adoravam. E isso podíamos sentir nas salas dos cinemas, principalmente nas sessões beneficentes.

Gostaria que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha presenciado como testemunha ocular.
Para ser sincero, não lembro, neste momento. A única coisa que me deixava impressionado era quando viajávamos pelo interior do país e eu via a multidão querendo estar com eles. Lembro que, no interior do Rio Grande do Sul, na cidade de Pelotas, estivemos em um circo grande, o Vostok, com uma grande capacidade de público e com boa infraestrutura. Chegamos para duas sessões e acabamos fazendo cinco sessões. Quando terminamos, já era de madrugada. Não conseguimos atender a todos e não podíamos ficar para o outro dia, pois tínhamos gravação na TV Globo. O circo ficou mais uma semana; e tivemos que alterar o nosso calendário de show, retornando no final de semana e novamente todas as sessões de sexta a domingo super lotadas. Isso era mágico e isso aconteceu também em outras localidades. O pior é quando estávamos nos aeroporto, muitos pais chegavam como se fossem amigos de longa data e mesmo hiper cansados eles desejavam que um deles fizesse uma graça. Tivemos um momento em que estávamos jantando e um dos pais chegou e deu um tapa para cumprimentar o Mussum, que ele enfiou o rosto no prato, como se fosse uma cena de filme/tevê sem o menor constrangimento e ainda apontou para o filho achando graça. Aí, tínhamos que interceder, pois, a falta de respeito, ultrapassa o limite do bom senso e educação.

Os Trapalhões: Teresa Prata


Teresa Prata
Continuísta e assistente de montagem


Você começou sua carreira como continuísta em um dos anos mais emblemáticos dos Trapalhões: 1983, que marcou a ruptura do quarteto. De um lado ficou Renato Aragão, que filmou O Trapalhão na Arca de Noé; e de outro, na DeMuZa, ficaram Dedé, Mussum e Zacarias, que filmaram Atrapalhando a Suate. Como e em que circunstância recebeu o convite para trabalhar com eles?
Bem, formei-me no curso de Cinema da UFF no primeiro semestre de 1982. Meu primeiro estágio foi como assistente de produção de Bar Esperança, de Hugo Carvana. Minha colega de faculdade e de estágio no CPC (Centro de Produção e Comunicação), produtora de Bar Esperança, Mariângela Mds, foi estagiária de direção em Parahyba, Mulher Macho, cujo diretor assistente foi Vitor Lustosa , que, durante anos, trabalhou com J. B. Tanko e em produções dos Trapalhões. Após Parahyba, Mulher Macho, Vitor foi trabalhar no O Cangaceiro Trapalhão, já uma tentativa de Renato Aragão em trabalhar com um novo diretor (Daniel Filho) e nova equipe técnica. Com a separação do grupo, Vitor Lustosa foi chamado por Dedé Santana para dividir a direção de Atrapalhando a Suate, que teve produção de J. B. Tanko. Vitor chamou Mariângela Mds, e ela quis uma assistente. Eu fui procurar trabalho como assistente de produção, mas a equipe de produção de Atrapalhando a Suate já estava completa. Mariângela me propôs ser assistente dela. Acabei me fascinando pela função. Minha colega não pôde terminar o filme e fui promovida à continuísta.

Antes de iniciar esse trabalho, você já acompanhava os filmes dos Trapalhões?
Sim. Tinha visto Bonga, O Vagabundo, que era pré-Trapalhões. Não me lembro de ter visto outros; mas acompanhava o grupo, desde os programas da TV Tupi. Achava curioso eles serem mais ousados na tevê e nos filmes serem mais ingênuos, mais “censura livre”.

Atrapalhando a Suate é o único filme que não consta oficialmente da filmografia dos Trapalhões. Quais as suas principais recordações dos bastidores desse filme?
Minha impressão mais forte foi a de trabalhar com uma equipe que já trabalhava há anos com J. B. Tanko e que tinha feito muitos filmes dos Trapalhões. A formação deles vinha dos tempos de um grande estúdio e produtora, a Atlândida, de um cinema mais industrial, de bilheteria. No meu primeiro longa, eu tinha trabalhado com pessoas que se formaram na profissão pós-Cinema Novo. A única exceção era o legendário técnico de som Juarez Dagoberto, que havia começado a carreira nos estúdios da Maristela. Aprendi muito da minha função em relação ao figurino com a Shirley camareira. José Dutra era o primeiro assistente de câmera e foquista. Ele me ensinou muita coisa na relação da continuísta com os assistentes de câmera. O diretor de fotografia e operador de câmera Antônio Gonçalves foi outro mestre querido. No início, ele me achava uma pirralha, me encarnava muito. Mas eu sentia que ele fazia isso pra testar se eu estava levando meu ofício a sério. Outro profissional que me acolheu foi o técnico de som José Tavares.

Como foi a experiência de atuar em uma produção envolta de tantas polêmicas, como a separação do quarteto? Eles comentavam algo com você?
O clima era de fazer um filme com menos recursos do que o ambicioso O Trapalhão na Arca de Noé. Mas seguindo a fórmula dos filmes anteriores dos Trapalhões: aventura, piadas, vilões cômicos, casal de mocinhos... Não comentavam nada em especial comigo. Era um clima geral de fazer um filme pra criançada.

Havia uma disposição de Dedé, Mussum e Zacarias de mostrar ao Renato que eles também sabiam produzir um filme?
Com certeza. Por isso, eles procuraram a orientação de J. B. Tanko, experiente diretor e produtor (dirigiu vários filmes dos Trapalhões). Também por isso chamaram o Vitor Lustosa para codirigir. Vitor era da equipe de produção dos filmes dos Trapalhões, mas era considerado um diretor promissor. A escolha da mocinha, Lucinha Lins, também não foi à toa, já que ela foi mocinha de um dos melhores filmes deles: Os Saltimbancos Trapalhões.

A DeMuZa Produções foi criada com o intuito de apenas gerir os negócios dos três humoristas (Dedé, Zacarias e Mussum). Em sua relação profissional com eles ocorreu tudo bem?
Sim. Como muitos filmes brasileiros, tinha sido orçado para um determinado número de semanas de filmagem, mas ultrapassou esse prazo. Foram mais duas ou três semanas de filmagem. Nossos contratos foram prorrogados e não tivemos problemas em recebermos nossos salários, pagos semanalmente.

Eles acreditavam que poderiam ser bem-sucedidos, sem o Renato Aragão?
Sim, eles tinham muita vontade de mostrar que eram um grupo que teria vida própria sem o Renato.

Na sua análise, por que a separação durou apenas seis meses?
Na minha opinião, a separação durou pouco, porque o filme do Renato não foi tão bem-sucedido de bilheteria, sem o trio de companheiros. O público sentia falta do quarteto junto. Além disso, mesmo que o filme da DeMuZa tenha tido uma boa bilheteria, o Renato fazia falta. Ou seja, pra melhor sobrevivência no cinema, eles tinham que voltar.

Havia, nos bastidores, um clima de tristeza pela separação?
A tristeza foi deixada de lado. Todos desejavam fazer um bom filme, nos moldes dos filmes típicos dos Trapalhões.

Tião Macalé atua nesse filme. Ele era considerado o quinto Trapalhão. Quais as lembranças dele.
Meu Deus, que vergonha! Nem lembrava que Tião Macalé tinha trabalhado no filme.

Tião é subestimado?
Sim, de uma maneira geral. Alguém precisa fazer um belo perfil dele em livro ou documentário.

Dedé, Mussum e Zacarias tinham como característica a irreverência. Até nos bastidores das filmagens, eles brincavam muito. Isso procede? As filmagens eram descontraídas?
Mauro Gonçalves era o mais reservado do grupo. O humor ficava todo pro Zacarias. Nesse ponto, ele era o mais parecido com Renato. Dedé se preocupava em mostrar seu lado cineasta, mas tinha um bom humor em lidar com a equipe. Gostava também de relembrar seu passado circense. Mussum era o mais irreverente, com certeza! Mexia muito comigo, me botou apelidos: “Biquinho de lacre”, porque eu gostava de passar batom vermelho; “Tira-gosto”, porque me achava tão pirralha que eu nem chegaria a prato principal. O diretor de fotografia, Antônio Gonçalves, achou que Mussum já estava exagerando e me revelou dois apelidos dele, pra eu rebater quando ele me sacaneasse: “Cabo Fumaça” e “Malhado”. O primeiro apelido não surtiu muito efeito, mas o segundo fez Mussum fechar a cara e nunca mais me chamar de “Tira- gosto”.

Como foi o seu contato com o trio (Dedé, Mussum e Zacarias)?
No início, havia uma certa reserva. Afinal, a maioria da equipe era de profissionais mais velhos e mais experientes. Eu e minha colega Mariângela éramos rostos novos no meio de tantos veteranos e vistas com certa reserva. Desconfiavam que não aguentaríamos o tranco. Com o passar do tempo, meu trabalho foi sendo respeitado; e eu me sentia como se sempre tivesse trabalhado com eles.

Que representou para você trabalhar em Atrapalhando a Suate?
Representou pra mim a escolha profissional dentro do cinema. Na faculdade, eu pensava em direção, como a maioria dos colegas. Meu primeiro estágio, foi em produção; e achei muito importante conhecer todas as etapas da feitura de um filme. Mas, em Atrapalhando a Suate, encontrei-me numa função em que trabalhava direto com a direção e elenco, com todos os setores da equipe, pensando num todo, pensando em edição. Aquilo me fascinou!!! E, no decorrer das filmagens, fui me sentindo acolhida e reconhecida por uma equipe na qual muitos já eram profissionais antes de eu nascer...

No ano seguinte você trabalhou, ainda como continuísta, em A Filha dos Trapalhões. Você era contratada da DeMuZa?
Não era contratada da DeMuZa. Fui contratada pela R. A. Produções, assim como toda a equipe. Em cinema, costumamos ser contratados pela obra.

Como foi a divisão de profissionais? Uma parte era escolha da DeMuZa e outra da R. A. Produções?
Como já disse, toda a equipe foi contratada pela R. A., mas era quase a mesma de Atrapalhando a Suate. A minha impressão era de que queriam voltar a trabalhar do jeito de sempre.

Como era o clima nos bastidores, com a reconciliação do quarteto?
Mesmo eu não tendo trabalhado nos filmes anteriores à separação, me parecia que eles queriam trabalhar como antes, sem grandes pretensões. Renato sempre foi o mais reservado, fazendo questão de mostrar a diferença entre ele e o personagem.

Quais as suas principais recordações de trabalho, durante as filmagens de A Filha dos Trapalhões?
Nossa mocinha era a Myriam Rios, na época casada com Roberto Carlos. Um dia, ele foi à R. A.; e foi aquele rebuliço. Tirou uma foto com a equipe. Creio que essa foto ficou com nosso figurinista, Carlos Rangel.

Seu terceiro trabalho com Os Trapalhões é em Os Trapalhões no Reino da Fantasia. Como foi a experiência em trabalhar em um filme que continha animação?
Meu Deus!!!! Outro detalhe que tinha me esquecido. Não me lembro da parte de animação ter influenciado na nossa parte de filmagem com elenco.

A Filha dos Trapalhões e Os Trapalhões no Reino da Fantasia têm Dedé Santana na direção. Fale a respeito do Dedé como cineasta. Gostaria que falasse das cenas de Faroeste, com a participação de Beto Carrero. Como foi o processo de trabalho?
Dedé sempre chegava no set com várias referências de cenas de filmes. Ele sabia o que queria de cada cena, mas nem sempre sabia expressar isso. A parceria com Vitor Lustosa foi muito importante, para agilizar esse meio de campo entre Dedé e a equipe. Quanto às cenas de Faroeste, não achei tão diferentes das cenas de ação do Atrapalhando a Suate. Eu me sentia no meio de uma brincadeira de bang-bang. Lembro- me de acompanhar uma cena de Renato e Xuxa dentro da diligência. Eu estava empoleirada do lado de fora do veículo. A segunda equipe de câmera registrou essa minha façanha, e esse take foi usado nos créditos finais do filme.

Essas cenas foram gravadas no antigo Parque da Santur, em Santa Catarina?
Não me lembro desse nome. Pra mim, nós estávamos filmando no embrião do Beto Carrero World. Sentia-me numa cidade cenográfica de filme americano de grande estúdio.

Que tem a falar do Beto Carreiro?
Achei uma figura muito curiosa. Minha impressão era de que ele criou um personagem pra si e gostava de vivê-lo em público. Lembro-me dele recebendo algumas pessoas da equipe no seu trailer, onde o estofamento era de pele de onça. Era um clima de família circense.

Como assistente de montagem, você trabalhou em duas produções do quarteto: Os Trapalhões e o Rei do Futebol e Uma Escola Atrapalhada. O que a fez mudar de posição dentro dessas produções? Quais as principais lembranças do filme Os Trapalhões e o Rei do Futebol?
Trabalhar como assistente de montagem era uma opção, quando não tinha trabalho como continuísta. Algumas vezes, eu trabalhava num filme como continuísta e seguia como assistente de montagem (como, por exemplo, em O Homem da Capa Preta). No caso desses dois filmes, enquanto eles estavam sendo filmados, eu estava trabalhando como continuísta em outros. Quanto ao Os Trapalhões e o Rei do Futebol, só lembro que o roteiro teve que ser um pouco mudado por causa da saída de Xuxa. Comentava-se que ela estava insatisfeita com o papel.

Uma Escola Atrapalhada é o último filme dos Trapalhões com a sua formação original. Fale a respeito dessa produção.
Na verdade, era mais um filme de Angélica e Supla, com participação especial do quarteto em poucas cenas. Apesar de ter trabalhado na montagem, como corria paralelamente às filmagens, fui algumas vezes ao set da escola. E fiquei chocada, ao rever Mauro Gonçalves. Ele já estava doente e muito magro, mas o assunto era tratado com total discrição.

Quem era o maior comediante do grupo?
Pergunta difícil! Até porque cada um tem um estilo próprio. Renato era o cérebro, o produtor, o autor do argumento e co-roteirista. Muito consciente de sua posição de protagonista. Dedé era o “escada” perfeito. E também com muitas ideias como autor e diretor. Mauro Gonçalves criou o Zacarias e também sabia, como Renato, deixar bem claro a diferença entre ator e personagem. Antônio Carlos já se misturava mais ao personagem Mussum. Só deixava bem claro a diferença entre os dois, quando o assunto era família. Mas no set era o mais misturado com a equipe, mais que o Dedé.

Renato Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo?
Sim, procede. Afinal, ele era o autor dos argumentos dos filmes. Ele delegava à produção e à direção a realização de suas ideias, mas acompanhava tudo de perto e sempre ajustava uma fala e outra no set. Em Os Trapalhões no Reino da Fantasia, o quarteto usava como figurino macacões brancos. É comum filmarmos fora da ordem cronológica. Numa sequência, o quarteto estaria com uma continuidade de sujeira nas roupas. Numa das cenas dessa sequência, que estávamos filmando no Retiro dos Artistas, pedi pra sujarem as roupas pra manter a continuidade. E ouvi aquela clássica frase “Ah, ninguém vai ver isso!” A resposta de Renato foi: “É, Tetê, ninguém vai ver. Nem aquele milhão e meio de crianças com seus respectivos milhão e meio de acompanhantes.” Enquanto falava isso, ele mesmo foi sujando o figurino. Aí, ficaram sem graça e me pediram para orientá-los na sujeira. Nem precisou, mas o Renato fez questão de ver minhas fotos de continuidade.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Todo cinema popular no Brasil é menosprezado. Foi assim com as chanchadas da Atlântida. Foi assim com os filmes do Mazzaropi. Parece dor de cotovelo pela bilheteria alcançada por esse tipo de filme. Afinal, cinema é um ofício caro de se produzir e veicular e nem todo filme consegue se pagar, quanto mais dar lucro. O interessante é ver que o que foi menosprezado antes... ser estudado depois em faculdades de cinema, ser objeto de teses, livros, documentários e mostras. Os filmes de bilheteria garantem a sobrevivência dos técnicos de cinema e do próprio cinema brasileiro.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Um cinema popular que visava o público infantil, mas que também procurava agradar os adultos, colocando cantores ou celebridades do momento.

Recentemente, você reencontrou Renato Aragão e Dedé Santana no filme Didi e o Segredo dos Anjos, telefilme exibido pela Globo em 21 de dezembro de 2014. Como foi a emoção de voltar a trabalhar com eles?
A emoção foi devidamente registrada numa selfie: eu no meio dos dois. Renato já não tem mais o programa semanal do Didi na grade da TV Globo. Por isso, o clima era de tentar fazer na tevê um filme com a pegada dos filmes dos Trapalhões. A sequência de perseguição teve como principal referência a sequência de perseguição dos créditos de um dos filmes deles.

Que mudou dos primeiros trabalhos com eles para esse último?
A principal mudança e mais óbvia foi a falta de Mussum e Zacarias. O Didi de O Segredo dos Anjos está mais próximo do Bonga e do Didi do cinema antes do quarteto. E Dedé fez o papel de um homem que todos achavam que era vilão e depois se revelou amigo e parceiro do Didi e do mocinho, vivido por Jayme Matarazzo.

Eles tinham a mesma empolgação?
Sim! Renato e Dedé procuravam mostrar saúde e agilidade. Renato estava muito feliz em voltar a um set e participar de um trabalho mais parecido com seus filmes. Ele até mandou fazer uma comemoração regada a espumante, refrigerantes e salgadinhos no seu último dia de gravação. Dedé também estava feliz e cheio de planos pra dirigir um filme em breve.

Gostaria que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha presenciado como testemunha ocular.
Bem, o fato não teve tanto a ver com o quarteto, e sim com a Xuxa. Os Trapalhões no Reino da Fantasia foi filmado na época em que Xuxa era namorada de Pelé, ou Dico, como ela o chamava. Quando estávamos em Camboriú, ele estava em Nova York. Estávamos hospedados num hotel onde só tinha uma linha telefônica; e, todos os dias, após a filmagem, eles se falavam ao telefone por um hora e meia. Num dia, ela foi atender à ligação na cabine que ficava na recepção do hotel. Foi correndo pelo corredor forrado de carpete e levou um tombo. Mas se meteu na cabine e só saiu após terminar a conversa. Foi quando se deu conta de que tinha ralado feio uma das coxas. A sorte era que a personagem dela era uma freira, e o machucado ficou escondido. Foi uma delícia me lembrar desses momentos tão importantes pra minha formação profissional.

Os Trapalhões: Tânia Alves


Tânia Alves
Atriz


Você trabalhou com Os Trapalhões no filme O Cangaceiro Trapalhão. Como e por quem recebeu o convite para trabalhar com eles? Como foi a experiência?
Faz muito tempo, mas creio que o convite partiu ou da própria empresa do Renato Aragão ou do diretor Daniel Filho. Foi pelo telefone. Eu lembro que alguém ligou para me dar esse presente... A experiência foi maravilhosa!

Que representava, naquele período, trabalhar em um filme com Os Trapalhões, que eram certeza de sucesso de bilheteria?
Eles eram a maior bilheteria da época, disputando com as pornochanchadas. O sucesso é sempre bem vindo! Além disso, trabalhar com Os Trapalhões representava, para mim, a certeza de momentos deliciosos contracenando com eles, sendo dirigida pelo grande diretor Daniel Filho e fazendo uma versão cômica (adoro comédias!) do papel mais importante da minha vida, a Maria Bonita. Estar nesse contexto significaria um upgrade na carreira de qualquer ator, em termos de prestígio e popularidade.

Onde essa produção foi filmada?
Em Quixadá, cidade no interior do Ceará.

Durante as filmagens havia muita improvisação?
Acho que isso sempre foi uma característica do jogo cênico dos Trapalhões. Faziam isso o dia inteiro, mesmo fora das filmagens.

Quais as recordações que possui do filme?
Eu terminava o dia com minhas bochechas doendo de tanto rir deles. Todos nos divertíamos muito o tempo todo! Antes, durante e depois do trabalho.

Como foi o seu contato com o quarteto?
Incrível! Uma simpatia mútua! Muito respeito e carinho!

Você e Nelson Xavier parecem que nasceram para os respectivos papéis. Como foi contracenar com Nelson nesse filme?
Contracenar com Nelson Xavier em qualquer coisa é uma experiência única de aprendizado e transcendência. Estar com ele é estar perante a verdadeira Beleza do grande artista. Além disso, sua generosidade em compartilhar é incomensurável! Deixa os parceiros muito confortáveis. Temos uma grande química!

Seguindo a ideia de pegar carona no sucesso da literatura, cinema e televisão brasileira para compor paródias, o grupo Os Trapalhões chegou em 1983 ao mundo do cangaço. A fórmula foi tão pensada que aproveitaram até mesmo você e Nelson Xavier para repetir o casal Lampião e Maria Bonita que haviam interpretado no ano anterior na minissérie da Rede Globo. Isso foi proposital?
Lampião e Maria Bonita também são certeza de sucesso, pois estão no imaginário do brasileiro. Talvez acrescido a esse fator, os empresários tenham intuído todo o potencial de situações que uma paródia dessas proporcionaria; e também devido ao fato de Renato ser nordestino e conhecer bem sua cultura. Soma-se a tudo isso uma boa história, com atores importantes como Regina Duarte, Tarcísio Meira, Bruna Lombardi, José Dumont, num cenário muito louco como o sertão estranhamente rochoso de Quixadá, e temos um grande filme, que, inclusive, ganhou prêmio na Rússia.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
A Comédia nunca foi respeitada pelo segmento mais acadêmico e conservador da crítica. Sempre foi relegado a segundo plano... em detrimento do Drama. O mesmo acontece com obras destinadas ao público infantil. Perdem com isso a oportunidade de entender Os Trapalhões como representantes legítimos e importantes da cultura brasileira e nordestina de inspiração circense e dar a eles o devido e merecido crédito.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Comédia infanto-juvenil, simplesmente por ter sido esse o público-alvo; mas também eram consumidos por muitos adultos e talvez devessem entrar na mesma classificação de Os Irmãos Marx, O Gordo e O Magro e outros antológicos representantes do humor na história do cinema mundial.

Os Trapalhões: Sylvia Massari


Sylvia Massari
Atriz


Como surgiu o primeiro convite para trabalhar com Os Trapalhões?
Eu trabalhava na antiga TV Tupi, na Urca, no Rio de Janeiro; e Wilton Franco, que dirigia o programa, me convidou. Depois, em São Paulo, ainda na Tupi, havia uma primeira parte do programa, dirigida por Tito Di Miglio e na qual fazíamos musicais. Havia um elenco de cantores, entre os quais Agnaldo Rayol, Wanderley Cardoso, Rosemary, todos consagrados na época. Eu estava começando e adorava fazer parte do grupo. Fizemos muitos sucessos da Broadway e recebemos excelentes críticas.

Antes de iniciar essa parceria profissional com Os Trapalhões, você já acompanhava o programa ou os seus filmes?
Sim. Eu adorava o programa, que ainda não tinha Mussum nem Zacarias. Eu ainda me lembro deles com Wanderley Cardoso, Vanusa e Ted Boy Marino.

Apesar da longa parceria que você firmou com o quarteto, nunca surgiu convite ou oportunidade de trabalhar também no cinema com eles?
Chegamos a falar sobre isso, mas eu sempre estava no teatro e não poderia assumir as filmagens.

Quais as suas principais recordações dos bastidores de trabalho com o quarteto?
Sempre muita brincadeira. Era muito divertido trabalhar com Renato, Mussum, Dedé e Zacarias. O clima era muito bom, e entrávamos em cena sem nenhuma tensão... parecia que estávamos ali nos divertindo!

Tião Macalé era considerado o quinto Trapalhão. Quais as lembranças dele?
Cheguei a trabalhar com o Tião. Ele era ingênuo, engraçado e fazia todo mundo rir.

Que tem a falar sobre o Carlos Kurt, presença sempre constante nos Trapalhões?
Kurt era um excelente profissiobnal. Sempre era “saco de pancada” e adorava isso.

Renato Aragão, Dedé, Mussum e Zacarias tinham como característica a irreverência. Até nos bastidores das filmagens, eles brincavam muito. Isso procede? As filmagens eram descontraídas?
O tempo todo! Zacarias era muito inteligente e excelente ator. Mussum, mais irreverente; Dedé mais sério; e Renato, aquele que pregava peças nos companheiros. Vivia improvisando em cena, e eu tomei muitos banhos de água fria inesperados. Tive peruca arrancada em cena e muitas outras brincadeiras, que ele fazia comigo e com todo o elenco.

Como era o seu contato com o quarteto (Didi, Dedé, Mussum e Zacarias)?
Eu cheguei também a ser quase “a quinta trapalhona”. Tenho capas de revistas, com eles, e muitas reportagens. Meu marido, Mário Wilson, foi redator-chefe e diretor do programa na Tupi e na Globo. Ele foi, ao lado de Roberto Mendonça, empresário do grupo, na época, um dos responsáveis pela transferência dos mesmos para a TV Globo. Eram muito amigos e, assim, frequentávamos a casa do Renato e ele a nossa. Isso fazia com que fôssemos bastante íntimos.

Que representava, naquele período, trabalhar com Os Trapalhões, que eram certeza de sucesso de grande audiência?
Era importante pra mim, que estava começando. Eles sempre me trataram com muito carinho. E muito da minha atual experiência e desenvoltura no palco eu devo a esse convívio.

Quem era o maior comediante do grupo?
Renato sempre foi o líder e o que mais fazia palhaçadas, o grande comediante! Dedé, o amigo, o que sempre segurou com muita garra e humildade o seu papel de coadjuvante. Ele fazia tudo para que o Renato brilhasse. Mussum, que veio de um conjunto musical, era aquilo que sempre pareceu ser: irreverente, talentoso; porém, mais sério. O grande ator do grupo era Zacarias. Ele fazia tipos brilhantes, com muita competência!

Gostaria que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha presenciado como testemunha ocular.
Eu vi muitas coisas, como cenários desabando na hora da gravação, roupa rasgando, porta caindo, tiro de revólver falhando e aqueles erros clássicos, que não iam ao ar, mas que deixavam a plateia “chorando de rir”. Sei de alguns fatos que não vi, acontecidos com o Renato e contados por ele. Ele é sobrevivente de dois acidentes horríveis. O primeiro: numa viagem da formatura dele como advogado, o avião bateu numa montanha; e morreram muitos amigos dele. Ele se salvou e salvou muita gente que estava com hemorragia e coisas assim. Ele fez torniquetes com a gravata, segurou uma barra pesada até a chegada do socorro. O segundo: um capotamento de uma kombi, onde também se salvou, agarrando aquele laço de couro que havia nos carros antigos, sem cinto de segurança. Fora dos palcos, o Renato é um homem mais sério; e, uma vez num aeroporto, um garoto veio com o pai pedir um autógrafo. Ele assinou no papel do garoto; e o pai pediu que ele desse uma cambalhota, para o menino rir. Evidentemente, ele se recusou; e, depois de muita insistência, o pai do garoto começou a dizer as piores coisas, chamando a atenção de todos que estavam no saguão.

Os Trapalhões: Silvio Tendler


Silvio Tendler
Cineasta


De quem foi a ideia de filmar O Mundo Mágico dos Trapalhões? Como surgiu a oportunidade de realizar esse documentário?
Eu sou professor da PUC há trinta e seis anos. Em 1980, terminei o filme Os Anos JK. Nessa época, o Paulo Aragão Neto, filho do Renato Aragão, era meu aluno e se dava muito bem comigo. A gente conversava muito, muito mesmo. E Os Anos JK foi um grande sucesso de crítica e público. E um dia o Paulinho chegou para mim e me perguntou se eu toparia fazer um documentário sobre Os Trapalhões. Falei: “Claro. Eu adoro eles. Acho eles grandes comediantes e acho que dá um puta filme, vamos fazer.” Ele falou com o pai, o pai adorou a ideia. Nós nos encontramos; e, daí, nasceu O Mundo Mágico dos Trapalhões. Ele foi realizado para comemorar os quinze anos da trajetória dos Trapalhões. Essa é a história.

O filme mostra aspectos da vida pessoal e profissional de cada um dos integrantes do quarteto. São discutidas questões como a importância do sucesso, assédio dos fãs, racismo e a rentabilidade dos filmes. Quais as suas recordações desse trabalho?
Foi muito bom ter feito esse filme, foi muito bom ter convivido com eles na vida pessoal, saber as diferenças de cada um, saber os pontos parecidos. As minhas recordações são muito engraçadas e muito boas. A gente foi junto aos Estados Unidos. Eles estavam fazendo, naquela época, Os Saltimbancos Trapalhões e foram filmar na Universal. E eu fui junto com eles. Gostei muito de ter feito esse filme e tenho muita saudade dele. Antes, eu tinha feito Os Anos JK, um filme legal, mas sobre o mundo da política... Já O Mundo Mágico dos Trapalhões me levou para o mundo do show business.

Os Trapalhões o deixaram livre para filmar ou davam opiniões e pediam para ver os depoimentos?
Eles me deixavam solto para filmar, não tinha nenhum problema. Só no final é que eles ficaram com medo do filme, do resultado comercial. Aí, o Dedé ia pra moviola e ficava lá comigo. E o filme foi a maior bilheteria do cinema-documentário brasileiro de todos os tempos. Então, acho que agradou a todo mundo.

Até hoje, é a maior bilheteria da história do documentário brasileiro, com um milhão e 700 mil espectadores. A que se deve isso?
Porque foram Os Trapalhões. Eu sou muito sincero: essa bilheteria não é minha, é deles. Eles atraíam, num filme não-documentário de quatro a cinco milhões de espectadores. É normal que num documentário se desse um pouco menos de público; mas, ainda assim, deu a maior bilheteria de um documentário brasileiro: um milhão e setecentos mil.

Ir atrás de depoimentos de Millôr Fernandes, Caetano Veloso, entre outros intelectuais foi a forma encontrada para dizer que o humor deles agradava também a inteligência?
Sim, sim, queria legitimar Os Trapalhões. E aí eu entrevistei o Millôr e o Caetano. E o Caetano até canta a musiquinha dos Trapalhões. Foi muito lindo, foi muito lindo. Mas foi exatamente para mostrar que Os Trapalhões eram mais importantes do que a crítica dizia. A crítica era muito preconceituosa... como ainda é até hoje.

Antes de produzir esse documentário, você assistia e acompanhava os filmes que eles produziam?
Olha, quando tinha vinte anos de idade, eu saí do Brasil. Morei seis anos fora e, quando retornei, não acompanhei muito o cinema. Além disso, já não era mais criança e não tinha filhos. Portanto, não assistia aos filmes dos Trapalhões. Mas, aos domingos, às sete horas da noite, eu não perdia o programa deles na televisão. Achava eles muito engraçados e gostava muito do humor deles. Então, fazer um filme com e sobre eles é uma consequência natural.

Por que a narração do documentário foi feita pelo comediante Chico Anysio?
Foi uma sacada minha dentro do mesmo princípio de colocar o Millôr e o Caetano. Eu quis colocar o então maior humorista da televisão brasileira, o que tinha o maior prestígio para narrar o filme. Escolhi, então, o Chico Anysio, que aceitou fazer com o maior prazer. Ele era muito amigo do Renato, respeitava muito o Renato e topou fazer numa boa.

Segundo o documentário, a distribuidora 20th Century Fox Films inseriu muito estrategicamente no Brasil o filme Hardly Working (1981), protagonizado por Jerry Lewis, com o título Um Trapalhão Mandando Brasa, fazendo assim uma alusão ao quarteto e pegando gancho no sucesso dos Trapalhões. Onde conseguiu essa informação?
Para ser franco, não me lembro. Não me lembro de onde saiu essa informação. Você está fazendo perguntas referentes a um trabalho do ano de 1981.

Imagens do primeiro programa Os Trapalhões na TV Globo são exibidas no documentário. O curioso é que aparece uma legenda dizendo equivocadamente que esse primeiro programa na emissora foi exibido em 1976, quando, na verdade, se sabe que foi em 1977. O grupo foi contratado no final de 1976 e dois especiais foram produzidos e exibidos no início de 1977: um em 7 de janeiro e outro em 5 de fevereiro. Após isso, o quarteto estrearia na Globo em 13 de março de 1977. Esse erro foi uma distração? Observou isso?
Nenhum de nós cometeu nenhum pecado mortal, apenas se enganou.

Como foi o seu contato com o quarteto (Didi, Dedé, Mussum e Zacarias)?
Foi muito boa. Eu tinha uma relação muito boa com eles. O Renato Aragão era dono da Granja Comary, onde a seleção brasileira treina até hoje. Passei vários finais de semana lá. Visitei a casa do Dedé, visitei a casa do Mussum e a do Zacarias. Cada um com suas características. O Dedé tinha um quarto que parecia quarto de motel. O Mussum tinha um bar bem na sala. Então, foi bom chegar perto e brincar de desmontar o brinquedo. Por falar em desmontar o brinquedo... A Flora Süssekind, professora de Teoria do Teatro e pesquisadora da Casa Rui Barbosa, escreveu a melhor crítica sobre o filme, porque os críticos preconceituosos, os famosos na época... deram muito pau no filme. Eles estavam dando pau nos Trapalhões. Eles não sabem rir de humor brasileiro, só sabem rir de humor estrangeiro. E a Flora Süssekind fez uma crítica maravilhosa, dizendo que o filme é como uma criança que desmonta o brinquedo para ver como ele funciona dentro. Eu achei muito legal, porque, quando criança eu fiz isto: desmontei um relógio para ver como que era por dentro... e, é claro, nunca mais consegui remontá-lo. E Os Trapalhões eu desmontei para ver como é que funcionava e depois remontei... Então, valeu a pena ter feito o filme e conhecer de perto esse grupo.

Quem era o maior comediante do grupo?
O grupo não tem maior comediante.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Como é que eu classifico? Ora, como Comédia. Comédia para criança curtir. Eles têm todo aquele jogo de cena que é pensado para criançada. Não é filme para adulto, ainda que os adultos riam também. Na verdade, num país que tem muito pouco filme infantil, você tem um grupo de sucesso que duas vezes por ano fazia dois longas-metragens e levava mais de cinco milhões de espectadores aos cinemas... isso é algo para se louvar no Brasil.

Os Trapalhões sempre “brincaram” em parodiar filmes e clássicos estrangeiros de sucesso para o cinema. Que pensa a respeito dessa linha que eles seguiram?
Eu acho que o grupo não tinha o maior/melhor comediante. Porque todos eles cumpriam uma função de trupe. Eles tinham esse comportamento de trupe, como os Irmãos Marx, Os Três Patetas. Então, Os Trapalhões eram isso: humor de grupo. O Renato Aragão era o chefe da trupe; o Dedé, o “escada”; o Zacarias...

O Zacarias?
O Zacarias era, digamos, o gay; e o Mussum, o negro, né? Então, eles tinham um papel. Agora, a cabeça do grupo, o empresário, o cara que organizava tudo e produzia os filmes, que pensava os filmes e os temas era o Renato Aragão.

A batuta estava na mão do Renato?
A batuta, quem pensava os filmes era o Renato Aragão e muito caco no meio das filmagens. Eles faziam os filmes e no meio dos filmes ele mexia, invertia, trocava, criava piadas e situações durante as filmagens e improvisava.

Gostaria que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha presenciado como testemunha ocular.
A cena mais surrealista que eu vivi com eles foi quando fui viajar com Os Trapalhões. Foi quando viajamos para os Estados Unidos. Nós fomos de primeira classe. Voltamos no fim das férias, e não tinha mais lugar na primeira classe. Então, tivemos que voltar na econômica com mais de cento e tantas crianças que voltavam da Disney. Aí, você pode imaginar o que era para aquelas crianças a surpresa de ver no mesmo voo Os Trapalhões. Elas, naturalmente, os confundiam com os personagens e faziam certas brincadeiras, o que acabou causando certo desconforto no quarteto.